ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2014
Tem Mario no Saara
A fábrica que veste o Carnaval de rua
Luiza Miguez | Edição 89, Fevereiro 2014
Paulo Sergio Lourenço da Costa avistou um vestido estampado em exibição na calçada. “Vê essa oncinha”, apontou, lançando um olhar desdenhoso. “Compara com a minha”, disse, enquanto esfregava o tecido com a ponta dos dedos. “Tem muita diferença, né?” Continuou o exame das fantasias à medida que caminhava. A roupa do protagonista da série de tevê Chaves? “Feia.” O uniforme de colegial? “Malfeito.”
O empresário esquadrinhava as peças com o olhar clínico de quem é do ramo. Ele é dono da Fantasy, uma fábrica de fantasias no subúrbio carioca. Naquela manhã, caminhava pelo epicentro do comércio popular do Rio de Janeiro, um conjunto de quarteirões apertados conhecido como Saara, sigla da Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega. É ali que estão seus maiores clientes.
Nas semanas que precedem o Carnaval, estima-se que pelo menos 120 mil pessoas passem pelo Saara para comprar adereços e se abastecer de confete e serpentina. A maior parte das peças vendidas vem de fora do Rio, produzida por indústrias como a Sulamericana Fantasias, de São Paulo. Mas ainda há espaço para o produto local. “Das fábricas regionais, a do Paulo é a maior e a melhor”, afirmou Rodrigo Erculano Soares, que trabalha na Casa Turuna, centenária loja de fantasias.
Quando visitou a Turuna, o empresário queixou-se da forma como suas fantasias estavam dispostas na vitrine. “Que esculhambado”, disparou, dirigindo-se a Soares com intimidade. “O mafioso está sem cinto e a gravata vai por dentro. Quer que eu venha aqui fazer direito para você?” Costa faz jogo duro com os lojistas. “Eles precisam de mim, e eu os seguro no cabresto”, riu, fazendo o gesto com a mão.
É preciso estar afinado com o Zeitgeist para saber como sairão os foliões. Em 2011, homens e mulheres vestiram tutus e capricharam na pintura do rosto para compor as bailarinas do filme Cisne Negro, sucesso daquele verão. No Carnaval seguinte, não faltaram fantasias de Val Marchiori e Narcisa Tamborindeguy, do programa Mulheres Ricas. No ano passado, depois do julgamento do Mensalão, as ruas foram tomadas por máscaras de Joaquim Barbosa.
A aposta de Costa para este ano é o encanador italiano Mario e seu irmão Luigi, protagonistas bigodudos da série de videogames mais popular da história, com milhões de unidades vendidas. Não são propriamente personagens novos – o primeiro game da franquia foi lançado em 1985. Tampouco são inéditos na folia de Momo: desde 2012, o Carnaval de rua do Rio tem um cordão temático dedicado ao jogo, o Super Mario Bloco. Mas o empresário explicou que a visibilidade dos personagens na tevê ajudou a turbinar as vendas. “A fantasia é um sucesso por causa de um quadro do Pânico.” Costa contou que alguns vendedores sequer conheciam o encanador quando ele entregou as primeiras fantasias. “Agora estão me perturbando toda hora, querendo mais.”
Na sede da Fantasy – uma pequena casa de dois andares em Parada de Lucas, Zona Norte do Rio –, a preparação para o Carnaval começou em outubro. Numa tarde recente, dona Lourdes, uma costureira terceirizada, adentrou a fábrica arrastando dois carrinhos de supermercado cheios até o topo dos bonés vermelhos que compõem a fantasia de Mario – macacão azul e camiseta vermelha completam o figurino (o kit não inclui o bigode).
Uma funcionária ia contando e empilhando em cima de uma mesa os bonés trazidos por dona Lourdes. Ela trabalha em casa, junto com outras 24 costureiras, e toda semana passa na fábrica para entregar a produção e pegar mais material. “Duzentos e oitenta e oito, 289, 290”, concluiu a funcionária, olhando para Lourdes, que recebeu a encomenda de outros tantos bonés vermelhos para a visita seguinte. Só naquela semana, mais de 2 mil metros de tecido Oxford foram distribuídos para a confecção da fantasia.
Costa trabalha com cinco funcionários na fábrica – cada qual com seu ventilador: duas ensacadoras, uma costureira, uma moça que corta os tecidos e o rapaz da serigrafia. O clima de concentração é pontuado pelos estalos curtos e descompassados das máquinas de costura. Às vezes alguém rompe o silêncio para reclamar do calor ou cantarolar uma música gospel. Às vésperas do Carnaval, o clima no trabalho era espartano. “Aqui eu só tenho jantado, durante o dia é suco e água”, contou uma ensacadora, enquanto metia saiotes de joaninha em sacos plásticos.
Para a folia deste ano, a fábrica fará 14 mil fantasias – um aumento de mais de 50% em relação ao número de pedidos do ano passado, segundo o dono. Nessa conta entram mais de setenta modelos diferentes produzidos. Dentre as preferidas do público estão as de Minnie, coelhinha, ursinha, vampira, espantalho, presidiário e marinheiro. Na Turuna, a fantasia de Mario confeccionada em Parada de Lucas sai por 110 reais. “É um luxo que vende, principalmente entre as mulheres”, disse Costa. “Com o lucro do Carnaval, compro para mim um bom barco.”
O empresário é um homem forte e bronzeado que não aparenta os 69 anos que tem. De camiseta e short, ele acompanhava de longe a movimentação dos funcionários. Abriu a embalagem de uma fantasia de pirata que estava sobre a mesa para uma vistoria aleatória. “Faltou embalar uma peça nesse aqui”, disse para si mesmo, em voz baixa.
De um saco no canto do escritório, Costa trouxe uma saia azul bem curta estampada com estrelas brancas. “Você conhece a Mulher Maravilha, né?”, perguntou. Os direitos de produção de fantasias dessa personagem e de outros heróis dos quadrinhos pertencem à concorrente Sulamericana. Mas o empresário deu um jeito de driblar a questão. “Eu boto Mulher Espacial e pronto, saem no mínimo 3 mil peças ao preço de 70 reais cada”, explicou. “E a deles é uma droga.” A Nintendo, dona da franquia Super Mario Bros., não poderia criar caso com suas fantasias? “Até onde eu saiba, não há nenhum problema”, desconversou.