ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2021
Torcida em decibéis
O DJ que animou os jogos do Atlético-MG durante a quarentena
Nina Rocha | Edição 181, Outubro 2021
Desde que as partidas de futebol foram retomadas no Brasil, o minuto de silêncio em memória das vítimas da Covid-19 passou a ser quase obrigatório. Foi o que aconteceu no jogo do Atlético Mineiro com o Fluminense, no dia 15 de setembro passado. No campo, os jogadores se aquietaram por sessenta segundos, alguns com a cabeça baixa. Assim que a homenagem terminou, o silêncio deu lugar a estrondosos gritos, como se as arquibancadas do Mineirão, em Belo Horizonte, estivessem lotadas. Mas não havia muita gente, além dos membros da diretoria dos times e de jornalistas.
Os brados da “torcida” eram, na verdade, uma criação de Mauricio Oliveira, o DJ Maoli, como é conhecido. Atrás de uma mesa de som portátil, na tribuna do camarote da parte inferior da arquibancada, a alguns metros do campo, ele comandava todos os alto-falantes do Mineirão que aclamavam as movimentações do time alvinegro e calavam nos passes perigosos do clube carioca.
A presença de um DJ em campo está sempre a cargo do mandante da partida, que não dá chance ao adversário para ter sua “plateia” em campo. A fim de criar um ambiente sonoro evocando a presença do público, Oliveira recorreu a vídeos de torcedores no YouTube, de preferência os que foram realizados a partir de 2010, com celulares melhores, dos quais se pode extrair sons em alta qualidade. Os registros de 2013, quando o Atlético foi campeão da Copa Libertadores da América, são seus favoritos: com o campo cheio e os torcedores inflamados por uma sequência de jogos memoráveis, os gritos de guerra foram vigorosos e constantes.
O DJ criou mais de vinte sets que duram cerca de oito minutos – com o hino do clube, cânticos e músicas famosas relacionadas à história do Atlético – e desenvolveu sequências específicas para os momentos de entrada do time, faltas perigosas e as diferentes jogadas. Em alguns momentos, o som alcança quase 80 decibéis, mas ele abaixa o volume nos lances mais arriscados dos adversários ou quando a reclamação da diretoria do clube deve ser ouvida pela arbitragem.
A experiência de ter acompanhado o lance a lance de partidas durante muito tempo é crucial para Oliveira, um dos poucos torcedores que assistiram presencialmente a todos os jogos do Atlético na última temporada. Para tornar a difusão mais verossímil, é necessário que ele se concentre bastante no jogo e seja rápido e preciso na execução. Em uma mesa coberta com a bandeira do Atlético, Oliveira posiciona um notebook plugado no sistema de som do estádio e na mesa controladora com dois canais: um mantém continuamente os sons da torcida, o outro acomoda os efeitos instantâneos programados de palmas, falta, gol, tiro de meta. “A diferença é que a torcida fica calada em alguns momentos do jogo, já a torcida virtual fica cantando o tempo todo”, diz.
A primeira vez de Mauricio Oliveira num jogo de futebol foi em 1983, quando ele tinha 7 anos. Depois da missa de domingo, seu pai comprou um saco de laranjas e levou os dois filhos ao Mineirão para assistir a uma partida entre Atlético e Uberlândia. Em 2001, ele se formou em jornalismo e em 2004 foi contratado como repórter no jornal mineiro O Tempo, onde foi setorista do Atlético. O trabalho seguiu por seis anos, até ele ser dispensado.
A demissão acabou produzindo certa aversão pela profissão jornalística em Oliveira. Ele decidiu que era hora de investir em sua outra paixão, a música. Na juventude, preferia ficar atrás das pick-ups do que no meio das festas e durante anos cuidou da trilha sonora das farras entre amigos. “Foi dando certo porque curtiam o meu gosto musical.”
Ao deixar o jornal, ele resolveu se dedicar às pistas de dança. Foi residente de música eletrônica em casas noturnas de Belo Horizonte e atuou no mercado de eventos. Nos fins de semana, chegava a fazer quatro apresentações por noite em aniversários, casamentos e celebrações em geral. O melhor de tudo isso para Oliveira era a alegria dos encontros, que ele ajudava a ampliar com sua seleção musical. “As pessoas estão comemorando, felizes, e isso me faz muito bem. Faço parte daquilo, geralmente é um momento importante para elas e para mim também.”
Mas chegou a Covid-19, e o setor de eventos foi um dos primeiros a sofrer os impactos econômicos da quarentena. Casado com uma nutricionista, o DJ de 45 anos sobreviveu financeiramente graças a uma reserva que ele, cauteloso, havia feito.
Em 28 de julho do ano passado, Oliveira recebeu uma ligação do gerente de multimídia do Atlético, Emmerson Maurilio, dizendo que o time precisava de alguém que os ajudasse. Depois de quase três meses sem futebol, o Campeonato Mineiro havia retornado na última semana de julho, e o Cruzeiro se apresentara no dia anterior com uma novidade: um DJ que executava cantos da torcida no estádio vazio.
O Atlético não queria ficar atrás do adversário e estava procurando um profissional que fizesse o mesmo. A decisão tinha que ser rápida, pois o time e o DJ entrariam em campo no dia seguinte, 29 de julho, contra o Clube Atlético Patrocinense, da cidade mineira de Patrocínio. Oliveira aceitou a oferta.
De cara, decidiu que vaias, cantos ofensivos e homofóbicos não fariam parte da sua seleção, pois ele acredita que o papel da torcida é motivar e não criticar. “Foi uma oportunidade que eu também tive de mostrar às pessoas que o mais importante é incentivar os jogadores.” Os resultados endossam sua tese: nos 45 jogos em que trabalhou, o Atlético teve apenas 2 derrotas, contra 37 vitórias e 6 empates.
A volta do público aos estádios está prevista para este mês de outubro, no limite de 30% da capacidade máxima. Com isso, depois de quase quinze meses, Oliveira deixará de ser o grito da torcida do Atlético. Mas o DJ não está aborrecido de passar a bola para os torcedores de fato. Considera que sua atuação durante esse período difícil que foi a pandemia ficará cravada na memória do time. “Já pensou se um dia meu equipamento for para um museu do Atlético? São objetos que vão viver para contar essa história.”