Jânio Quadros, então candidato à presidência da República, em 1960: ele também recorria a comportamentos (como os pés descalços, na foto) para parecer um político gente como a gente CRÉDITO: ANTONIO LÚCIO_1960_ESTADÃO CONTEÚDO
Transgressões do populismo
A ideia aristocrática das elites sobre as instituições brasileiras explica o ódio que parte delas têm por Lula
Thomás Zicman de Barros e Miguel Lago | Edição 192, Setembro 2022
Existe um consenso na literatura de que o populismo cria discursivamente a dicotomia entre “povo” e “elite”. Povo é tudo aquilo que não é elite. Elite é tudo aquilo que não é povo. Mas até onde vai o “povo”? Onde começa a “elite”? Por exemplo, uma pessoa cujos antepassados eram ricos e que herdou uma casa própria, mas que está desempregada e tem renda baixa. É povo ou elite? Do ponto de vista patrimonial, trata-se de uma pessoa rica. Considerando apenas os rendimentos, seria uma pessoa de classe média baixa. Um dirigente do sindicato dos metalúrgicos: povo ou elite? Trata-se de um representante da classe trabalhadora, mas ao mesmo tempo lidera uma importante organização política, por conseguinte faz parte da elite política do país.
Nesse ponto, é preciso deixar claro que as categorias “elite” e “povo” são políticas, e não sociológicas. Não se trata necessariamente de uma questão de estratificação de classe social. “Elite” não quer dizer sempre “rico”. “Povo” não significa sempre “pobre”. A dicotomia entre “elite” e “povo” é, portanto, diferente das estratificações sociológicas existentes entre diferentes classes sociais ou faixas de renda. A “elite” não corresponde necessariamente aos 10% mais ricos, e o “povo” não equivale aos 30% mais “pobres”. A dicotomia entre “elite” e “povo” é também muito diferente da dicotomia marxista clássica entre “burguesia” e “proletariado”. A elite não é necessariamente burguesa. O “povo” não é necessariamente proletário. Mas, se elite e povo nem sempre correspondem aos antagonismos mais clássicos existentes em uma sociedade, como identificá-los?
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
ASSINEÉ cientista político, professor e pesquisador associado ao Centro de Pesquisas Políticas da Sciences Po Paris e diretor do Grupo de Especialistas de Populismo da Political Studies Association de Londres
É cientista político e diretor executivo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps). Cofundador do Meu Rio e do Nossas, lecionou na Universidade Columbia em Nova York e na Sciences Po Paris