Nete ganha das grã-finas desde roupas de marca à jacuzzi da cobertura na favela onde mora. “Só compro calcinha e sutiã”, disse a especialista em topiária do baixo ventre ILUSTRAÇÃO: ARCHIE MILES COLLECTION
Trilha desmatada com mel
A irresistível ascensão de Nete – née Marinete – na selva das virilhas da alta roda carioca
Clara Becker | Edição 37, Outubro 2009
“É aqui mesmo?”, perguntou o motorista. O táxi tinha parado diante de uma birosca, ao lado de um beco, da estrada Santa Marinha, ao pé da favela Vila Parque da Cidade. Era lá mesmo. Dali para a frente, a cantora Nina Nunes teria que subir o morro a pé, que tem uma fronteira imprecisa e porosa com o bairro da Gávea, na Zona Sul carioca. Pela primeira vez a cantora galgou os degraus de cimento que serpenteiam pela Vila Parque adentro, formando um labirinto errático de ruas asfaltadas e prédios (que pagam o IPTU) e vielas entupidas de barracos (irregulares e ilegais).
Nina Nunes ia à casa da Nete. Lá em cima da Vila Parque, como cá embaixo no asfalto, incluindo endereços de IPTU mais caro do Rio, Nete é um nome que abre muitas portas e pernas. Fora do morro, suas freguesas, por mais famosas ou abastadas que sejam, lhe confiam segredos que não abrem nem para psicanalistas ou para revistas de celebridades.
Nete é Marinete Campos, uma depiladora de mão cheia, dona de uma agenda que é um verdadeiro quem é quem na selva de virilhas da alta roda carioca. Seus preços são cabeludos, mas ela cobra só a metade das clientes que se disponham a subir o morro. E Nina estava precisando de uma boa poda nos gastos. Nete, que é também manicure e pedicure, atendeu-a em seu apartamento com chão de tábuas corridas e móveis de madeira clara da rede de lojas Tok & Stok.
Pior, disse a cantora, seria passar pela experiência excruciante em mãos menos hábeis. Entre um gemido e outro, Nina contou a Nete durante a sessão que estava numa fase de aperto. Sua pequena empresa acabara de quebrar e ela juntara dívidas. A depiladora ofereceu-lhe, na hora, um empréstimo de 10 mil reais, com prazo a perder de vista e sem juros. Nina recusou a oferta. E Nete, uma mulher de 43 anos e cabelos castanhos alisados, com a aparência de quem já teve uma vida dura, e o leve excesso de peso de quem agora leva uma vida farta, honrou a fama de ser bem mais que uma prestadora de serviços supérfluos.
“Todas elas desabafam”, disse a fada do mel. Durante as sessões, elas comentam, sobretudo, problemas com marido e filhos. Quando a conversa escorrega para dificuldades financeiras, Nete sempre se oferece para ajudar. “Já peguei muito dinheiro emprestado com as clientes”, explicou, “mas hoje eu também empresto dinheiro para elas, inclusive para gente famosa.” Seu tom, nessas ocasiões, não é o de quem fala da vida alheia, e sim de quem trata de investimentos e negócios.
E os negócios, no seu frondoso ramo, se desenvolvem na velocidade do desmatamento da Amazônia. É o que informa a oitava edição do livro Depilação: o Profissional, a Técnica e o Mercado de Trabalho, de Ateneia Feijó e Isabel Tafuri, editado pelo Senac. Ele esclarece que a depilação “já conquistou o seu lugarzinho, por menor que seja, na história da economia deste país”. Tornou-se “coisa séria e valorizada”. Por isso mesmo é uma arte vedada a qualquer manicure “que queira sair por aí arrancando pelos a torto e a direito”. “Não, não e não”, proclama o manual.
No Rio, formam-se por ano 1 200 depiladoras só no curso do Senac. Elas competem por salários de, em média, 1 500 reais por mês. Mas Nete já deixou essa mata espessa há muito tempo. Ganha quatro vezes mais que a tabela. Tem quarenta clientes de fé, que pagam 70 reais por seus serviços de manicure e pedicure. E cobra 140 reais pela depilação do corpo inteiro, tosa que inclui sobrancelha, buço, axila, perna e virilha.
Suas tarifas, às vezes, oscilam para o alto: “Quando não gosto de alguém, jogo o preço lá em cima, cobro 150 reais só a mão. Se aceitarem, eu vou, dinheiro não leva desaforo para casa.” Oscilam também para baixo porque ela concede abatimento de 50% a jovens que bancam a depilação com mesada. E oscilam conforme a distância: Nete cobra 500 reais pelo “serviço completo” na atriz Ana Paula Arósio, que mora na praia de Grumari, a uma hora e meia da favela Vila Parque.
Sua caderneta tem cantoras como Preta Gil e Marina Lima, atrizes como Glória Pires e Carolina Ferraz, famílias como a Marinho. Mais longe do que ela só foram as J. Sisters, irmãs capixabas que apresentaram às nova-iorquinas o brazilian waxing, complemento natural, por assim dizer, do biquíni cavado – outro produto de exportação da moda brasileira.
O brazilian waxing, jeitinho brasileiro de conter os pelos pubianos nos limites estritos dos mais exíguos triângulos de pano, emplacou na língua inglesa como um neologismo já devidamente dicionarizado pelo Oxford. Na Wikipédia, ele conquistou um verbete minuciosamente ilustrado e que, como o assunto em si, não esconde nada. Com salões em Manhattan, pioneiros na disseminação no exterior da técnica nacional, as J. Sisters ficaram milionárias.
Nete não pode se queixar. Tem uma cobertura duplex na favela com três suítes, terraço, sala de televisão e paredes decoradas com pratos da Confraria da Boa Lembrança. Tem um Fiat Idea novinho na porta e uma empregada doméstica na cozinha. Sua geladeira é daquelas que despejam gelo no copo sem abrir a porta.
A arquiteta Beth Pires fez, de graça, o projeto de decoração do apartamento. Para inaugurá-lo, Nete deu uma festa e convidou todas as freguesas. Algumas, por hábito, chegaram com seus inseparáveis guarda-costas, ferindo os códigos locais de etiqueta. “Os vizinhos vieram tirar satisfação”, lembrou a anfitriã. “Não gostaram dessa história de segurança no morro.”
Não é qualquer depiladora que chega à cobertura. “Eu não brilhei, a Nete tem estrela”, comentou sua irmã Marly, que também trabalha com depilação. Nete, além de cobrar caro, ganha de clientes grã-finas desde roupas de grife a fornos micro-ondas. A banheira Jacuzzi do apartamento foi presente. O material escolar para as filhas costuma ser doação. “Só compro calcinha e sutiã”, ela disse, numa conversa em que vestia calças jeans com etiqueta Diesel.
No momento, ela faz planos de “ajeitar a barriga” e pôr silicone nos seios, tendo como patrocinadora uma freguesa casada com cirurgião plástico. Já retocou as rugas dos olhos “no 0800” – ou seja, gratuitamente – “porque o operador era tio de uma cliente e não cobrou nada”. Tudo isso por obra e graça do desbastamento de quilômetros de púbis e adjacências. “As virilhas são mesmo o meu carro-chefe”, ela disse.
Não se depilam certas partes do corpo humano sem alguma intimidade. Na virilha, exige-se que a paciente se deite sem a roupa de baixo, com os joelhos mais ou menos na altura das orelhas. E em seguida fique de bruços, numa postura, traduzida por Nete, de quem “finge que está transando por trás”. Só assim a cera fria atinge os milímetros certos. É um artesanato de precisão supina. Se extravasar, já viu.
Há ceras de camomila, cravo, pitanga, maracujá e até de algas marinhas. Nete usa mel. Ou melhor: Karo – um substituto do mel à base de glucose de milho. Uma vez por mês, compra 300 vidros do produto na rede de supermercados Makro. Prepara sua própria receita. Despeja cinco vidros numa panela, com um copo de água. Cozinha em fogo alto até atingir o ponto de bala puxa-puxa. Deixa resfriar. E põe na geladeira.
Dia sim, dia não, a depiladora repete a rotina, sempre quando chega em casa, porque a cera resfria mais rápido à noite. Consome 25 potes de mel por semana. Um pouco menos no inverno, quando os biquínis ficam mais tempo no armário. Mas isso não quer dizer que lhe falte serviço. Numa quarta-feira de julho, no auge do inverno carioca, Nete saiu de casa às nove da manhã para atender a primeira cliente do dia.
Era a jornalista Helena Lara, que mora do outro lado da fronteira, na Gávea. Ela coloca a depiladora no panteão dos Cristóvão Colombo: “Quem faz a virilha completa com a Nete descobre outro mundo.” Na primeira viagem, a jornalista sentiu uma vergonha atroz. “Nunca tinha tirado a calcinha para fazer depilação”, contou. “Para piorar, na hora faltou luz, e meus filhos, marido, babá e cachorro entraram no quarto procurando velas, enquanto eu engatinhava em busca da minha calcinha.” Helena descobriu a América à luz de velas. Passado o susto, ela diz que “não tem mais volta”.
Deve ser por isso que o mercado brasileiro de depilação cresce 60% ao ano. A maior rede de topiária humana, a Depyl Action, tem 53 franquias, está presente em quase todos os estados e adentrou no socialismo bolivariano fincando suas pinças em Caracas, na Venezuela. Danyelle van Straten, dona da empresa, tem planos de chegar aos Estados Unidos e à Europa, onde, depois de se arriscar em incontáveis salões e modalidades, ela concluiu que a depilação do Primeiro Mundo continua muito atrasada.
“Lembra um pouco como era antigamente a depilação no Brasil: um agregado de menor importância, que ficava numa sala nos fundos do salão, frequentemente usada como depósito, com tintas de cabelo embaixo das macas”, disse a empresária, que tem cidadania holandesa e traquejo brasileiro. Uma exclusividade da Depyl Action é a equipe de profissionais treinados em depilação artística.
“Esse tipo mais radical de depilação faz a virilha cavada parecer um clássico de madame”, disse a cineasta Izabel Jaguaribe, cliente de Nete. A depilação artística transforma o monte de Vênus numa plataforma da livre expressão: pelos pubianos viram corações, letras, setas, estrelas e até coelhinho da Playboy. Pelo menos uma freguesa já voltou no dia seguinte para apagar a inicial do namorado, laboriosamente desenhada por uma artista da Depyl Action, porque, na inauguração da obra, o homenageado caiu na gargalhada.
Nete não se preocupa com a concorrência dos salões já que seu público é selecionado e leal. Está inquieta, isso sim, com as inovações tecnológicas. É o caso da depilação a laser, que remove de uma vez por todas as raízes de seu ganha-pão. O procedimento a laser exige em média cinco sessões, que podem chegar a 900 reais cada. Mas promete efeitos vitalícios.
“Já perdi grandes clientes por causa do laser”, queixou-se Nete. “Hoje ganho 1 mil reais a menos por mês.” Mas continua acreditando no seu mel caseiro e na fidelidade de gente que “tem dinheiro, exige ser bem tratada e não quer saber de problemas”. O fato é que, apesar da tecnologia, sua agenda continua cheia.
Às onze da manhã, Nete deixou a casa de Helena Lara para atender a empresária e ex-modelo Carla Souza Lima, no 12º andar de um prédio em São Conrado. Carla é sua cliente há 25 anos. Mal entrou em seu apartamento, sem a menor cerimônia Nete largou no chão da sala suas três bolsas inseparáveis. A preta com tesouras, alicates e lixas para pé e mão. A cinza com acetona, algodão e trinta tonalidades de esmaltes vermelhos. E a estampada com os apetrechos de depilação. Parecendo se sentir em casa, foi à cozinha, se serviu de café e encheu um potinho de plástico com água morna.
Carla Souza Lima não esquece o dia em que conheceu sua depiladora. Foi no salão de beleza Papilote, no Leblon. “Eu estava com a minha manicure e a Nete fazia a unha da pessoa ao lado”, contou. “A moça com os pés na bacia era uma chata que reclamava de tudo. Primeiro a água estava muito fria, depois muito quente, em seguida pediu para lixar mais o cantinho da unha, que não estava bom. De repente, a Nete levantou e disse: ‘Só um minutinho, que vou ali e já volto.’ Depois de muito tempo, já com os pés enrugados, a moça chamou a gerente. Nete tinha ido embora, levando bolsa e casaco. Nunca mais voltou. Tive uma síncope de riso.”
A ex-modelo voltou ao salão na semana seguinte e perguntou à manicure o que tinha acontecido com a colega. “A Nete? Ela é louca e não leva desaforo para casa”, a moça respondeu. Carla pediu o telefone de Nete e a chamou para atendê-la em casa. O pavio curto rendeu pelos sem fim: Nete nunca mais precisou de emprego em salão.
Para Carla, os trunfos de Nete são a rapidez e a disponibilidade: “Ela topa tudo, trabalha bem e rápido no sábado, no domingo e feriados.” A manicure virou uma faz-tudo da cliente. Duas vezes por ano, Carla passa temporadas em Milão, e lhe deixa as chaves de casa e cheques assinados em branco, com os quais Nete paga as contas da cliente. Se passasse mal à noite, ela acha que a pessoa certa para ligar seria Nete.
A produtora Teresa Gonzalez também falou da disponibilidade da depiladora: “A Nete é muito marrenta, mas quebra todos os galhos estéticos. Uma vez, ela foi lá para casa à uma da manhã, depois que eu cheguei de um jantar e precisava viajar no dia seguinte. Fiquei até emocionada quando ela tocou a campainha. Ela sabe que a depilação não é uma futilidade.”
Como provedora de um serviço tão vital, Nete passa o dia correndo. Ao sair do apartamento de Carla, ela engoliu o almoço (batata, frango grelhado e salada) e partiu apressada para a terceira cliente do dia, a produtora de cinema Renata Diegues. Ela nunca tentou a virilha cavada da manicure, mas já ouviu maravilhas. “Não é você quem escolhe a Nete, é ela que te escolhe”, disse. “Se algumas amigas pedem indicação de depiladora, eu digo logo: a minha não serve para você.” As filhas da produtora, Julia e Flora, disputam com a mãe o tempo da depiladora. “Tem dias que os nossos horários não se encontram e a Nete vem aqui três vezes.”
Nete comentou certa vez que nunca tinha ido ao Antiquarius, um restaurante português, no Leblon, de temperos suaves e preços salgadíssimos. Cacá Diegues, o marido de Renata, convidou-a para jantar lá. “A Nete ficou nervosa e disse que não saberia usar os talheres”, contou Renata. “Demos uma aula de etiqueta e combinamos que ela pediria o bacalhau desfiado, que não precisa cortar.” Assim foi. Metida no seu melhor vestido, a depiladora pediu bacalhau desfiado.
Marinete Campos nasceu em 1965, o ano em que oito dos seus 21 irmãos morreram num temporal, na favela da Rocinha, e ela escapou da enxurrada no colo da mãe. Os pais e os treze irmãos sobreviventes moravam num barraco de estuque e telha de zinco. Comiam com as mãos, em latas de goiabada, restos da boia militar que o pai pegava num quartel do Exército no Leblon, dizendo que era para alimentar os porcos que criava. Ela não se esquece de uma cena da infância: “Um dia, eu estava com o meu pai e uma irmã, e um soldado falou: ‘Que bonitas as suas filhas.’ Meu pai respondeu: ‘São as minhas porquinhas.’ Fico puta com isso até hoje.”
Começou a trabalhar aos 14 anos, quando foi expulsa de casa. “Minha mãe me pôs para fora quando descobriu que eu tinha perdido a virgindade”, lembrou. “Dormi uma noite na rua, na praça do Jockey. Fui morar com a minha irmã Martha, na Rocinha, e arranjei trabalho num salão chamado Túnel, em Ipanema. Servia café e varria o chão.” Observando as cabeleireiras, ela aprendeu a lavar as cabeças e fazer rinsagem. “Quando o patrão viu que eu também estava de olho nas unhas, me mandou embora”, disse. “Achou que eu queria demais.”
Foi para outro salão de Ipanema, o Mariazinha. “Eu nunca tinha feito unha, mas me disseram que a dona não enxergava bem e dava para arriscar”, lembrou. “Fiz a unha dela, que não gostou, mas me ofereceu o emprego, e disse que eu precisava limpar o banheiro e dar comida para os filhos, no prédio em frente. Topei.”
Aos 17 anos, havia juntado dinheiro para comprar um barraco na Rocinha, mas a estabilidade ainda estava longe: “Eu era muito doida, cheirava cocaína, fumava maconha, tomava bolas. Fui buscar um dinheiro em Ubatuba para uma amiga minha e acabei ficando quinze dias por lá. Não avisei no trabalho e quando voltei tinha sido demitida.” Ao custo de duas internações no Instituto Psiquiátrico de Botafogo, Nete livrou-se das drogas. “Estou limpa há vinte anos”, garantiu. “O mais difícil de largar foi o cigarro.”
Mesmo sabendo da exigência de um diploma de manicure, que ela não tinha, candidatou-se a uma vaga no salão do Clube Monte Líbano. “Estudei até a 3ª série primária e olhe lá, e aprendi tudo que sei vendo os outros”, ela disse. Na entrevista, mentiu que seu diploma tinha ficado em São Paulo, e iria buscá-lo se fosse necessário. Era. Ela arranjou um diploma com a professora de um curso de manicure na Gávea. O Monte Líbano só a mandaria embora quatro anos depois, e mesmo assim por mau gênio. Passou ao hotel Le Méridien e em seguida ao Papilote, onde Carla Souza Lima assistiu à grande virada de sua carreira.
A essa altura, tinha trocado a Rocinha por Pedra de Guaratiba, estava com 26 anos e se casara com o pai de sua filha mais velha, Gabriela. “Vendi meu barraco e comprei um barco de pesca para ele”, lembrou. “Mas ele só trabalhava dois dias na semana. Nos outros, ficava bebendo e comendo os camarões que pescava.”
Separou-se aos 30 anos e se mudou para a Vila Parque, pagando 500 reais de aluguel por um barraco de madeira. Criou sozinha Gabriela, que está agora com 14 anos, e Isabela, de 8. O pai de Gabriela morreu num acidente de moto. O de Isabela sumiu. “Era um doidão, foi sexo sem camisinha”, disse. Está casada há três com Jairo, um ex-namorado da adolescência que virou operador de caixa do Metrô – por meio do pistolão de um diretor da companhia acionado pela rede de relações de Nete.
Com as filhas, é uma educadora severa, sem perder o estilo desbocado. Bronca, com ela, é assim: “Não depilo bunda de madame para vocês irem mal na escola!” As meninas estudam em colégio particular, o Divina Providência, no Jardim Botânico. Como moradoras de área carente, não pagam os 500 reais da mensalidade. Vão e voltam da escola no táxi de uma amiga da mãe.
“Minha mãe fala que, se eu não quiser ser depiladora que nem ela, tenho que estudar”, disse Gabriela, que a família chama de “Paty”, apelido tirado de “Patricinha”. Gabriela, que começou a tosquiar as axilas aos 10 anos, leva bronca da mãe quando raspa em vez de depilar: “Assim seus pelos crescerão mais grossos.”
Quando Nete tirou no consórcio seu primeiro carro, uma cliente foi com ela buscá-lo na concessionária. O carro ficou na garagem da cliente e durante os fins de semana elas treinavam na direção, dando voltas em São Conrado. Até que Nete se sentiu segura o suficiente e levou o carro para casa. “Isso mudou tudo”, disse. “Já teve época em que eu ia atender de ônibus setenta clientes. É claro que arranjei uma blusa de escola pública para não pagar passagem.” Hoje, é ela quem, às vezes, dá carona a clientes em seu Fiat Idea.
A família já viajou duas vezes à Argentina e procura um apartamento para comprar no bairro do Humaitá, na Zona Sul. “Como progredi muito aqui dentro da favela, chamo atenção na comunidade, sinal que está na hora de ir para o asfalto”, disse. Nete é dona de dois grandes imóveis de aluguel na Vila Parque. Tem 70 mil reais no banco e 15 mil investidos em ações da Vale, recomendadas por um cliente economista – sim, porque passaram os tempos do barba, cabelo e bigode, e homens entram na fila para depilar narinas, ouvidos, sobrancelhas, pés, mãos, peito e costas. Nete não diz o nome deles porque sabe que os homens escondem que fazem depilação.
Resolvidas as mãos de Renata e a virilha de Julia, cujos berros durante a extração eram ouvidos na sala, Nete tomou o rumo do Alto da Boa Vista. A cliente das cinco, Izabel Jaguaribe, aguardava-a. É gente “muito fina”, que uma vez lhe emprestou 20 mil reais para comprar um terreno e construir uma casa: “Só comecei a construção depois de pagar a minha dívida. Sou muito responsável com dinheiro. Detesto cliente que passa cheque-caubói, aquele que só leva quem saca primeiro, e depois pede desculpas dizendo que o marido não baixou a aplicação.”
Izabel confirma: “Na época, eu não estava apertada, e hoje ela está melhor de vida do que eu. A Nete é uma empresária. Se eu tivesse dinheiro dava para ela investir.”
Ao sair da casa de Izabel, Nete recebeu um telefonema de Renata dizendo que tinha borrado a unha. “Vou ter que voltar lá depois da próxima cliente”, disse. Não cobra por retoques. Eram sete da noite quando tocou a campainha de Lucia Costa Pinto, que há um ano se tornou a mais nova de suas clientes. “Escreve aí”, pediu, “não quero mais clientes, não.” Eram nove da noite quando saiu de São Conrado para a penúltima cliente, no Leblon. Passava das dez quando consertou a unha borrada de Renata. Às onze, estava na cozinha, cozinhando mel, enquanto esperava o marido para jantar.