"Meus conhecidos sempre me pedem conselhos conjugais. Quando a esposa de um amigo começa a ter atitudes estranhas, ele vem me perguntar se deve se preocupar ou se é um grilo à toa" FOTO: ROGÉRIO FAISSAL_2008
Um ofício meio esquisito
O pior momento do trabalho é quando tenho que contar para a cliente que ela foi traída
Felipe da Costa | Edição 23, Agosto 2008
FELIPE DA COSTA
QUARTA-FEIRA, 2 DE JULHO_O telefone de plantão da agência tocou às duas horas da manhã. Um homem que disse ter 45 anos estava do outro lado da linha, aos gritos. Não nos conhecemos, ele deve ter me achado na internet. Contou que a esposa, de 29 anos, tinha ido a uma festa com amigas em uma boate na Barra, por volta das 22 horas, e que ainda não voltara. Meio zonzo, perguntei se ela disse a que horas voltaria. Viria tarde, respondeu, mas sem dar um horário certo. Ele tinha certeza que ela estava num determinado motel. Tentei acalmá-lo e argumentei que a mulher poderia estar na festa. Como o celular dela estava desligado e o marido tomava conta da filha de 3 anos, ele não poderia sair para averiguar. Passei-lhe então o orçamento para um dia de trabalho e perguntei se tinha conta no mesmo banco da minha agência.
Em seguida, contatei o detetive Pablo, para que fosse ao local da festa e depois se postasse na entrada da tal rua dos motéis. O cliente tinha enviado três fotos da esposa por e-mail, placa do carro etc., e repassei tudo ao Pablo, também por e-mail. Às três e meia, o detetive já estava na boate indicada, procurou pelo carro, circulou lá dentro e nada. Quando já se dirigia à rua dos motéis, liguei para avisar que poderia voltar para casa: o cliente havia telefonado dizendo que a esposa retornara às 3h50.
A essa altura já eram 4h40. Voltei a dormir e acordei às sete, como de costume.
QUINTA-FEIRA, 3 DE JULHO_Cheguei ao trabalho cedo, chequei os e-mails e respondi a pedidos de orçamento. Para divulgar a agência, uso o serviço de link patrocinado do Google, que funciona bem, mas sai caro: pago 90 centavos a cada clique no anúncio. Também conto com o bom e velho boca-a-boca. É comum que um antigo cliente me indique para os amigos.
A cada três pessoas que nos contratam, duas são mulheres. No primeiro encontro, costumam chegar com olhar assustado. Os primeiros dez minutos de conversa são sempre um pouco constrangedores. A pessoa está nervosa e com medo de ser vista com um detetive. Já no primeiro contato, quando o cliente está decidido, fechamos o negócio. Os 50% iniciais do pagamento são sempre em dinheiro. Esse valor serve para cobrir as despesas de material, combustível, alimentação, pedágio e outros gastos que o detetive venha a ter.
Em casos de infidelidade conjugal, o cliente costuma suspeitar de certas atitudes do parceiro, como perfumes estranhos, reuniões em demasia, gastos sem explicação no cartão de crédito, viagens repentinas, um mesmo número de telefone ligado várias vezes, falta de interesse sexual etc.
O primeiro cliente de hoje era um homem, que vamos chamar de Miguel. Estava constrangido. Disse ter observado que o celular da mulher, a quem chamaremos de Valéria, tinha registrado repetidas ligações de um mesmo número de telefone. Miguel ligou para esse número e confirmou que era de um homem. Acreditava que o fato de dar conforto à esposa, de terem dois filhos e de sua ótima condição financeira fazia com que ela não quisesse perdê-lo. Acrescentou suspeitar que ela o traía, mas admitiu que preferia não obter essa prova. Por outro lado, também não queria carregar essa dúvida. Por telefone, havíamos fechado um valor de cinco dias de investigação, por 1 500 reais. Ele me deu duas fotos da mulher, descreveu o cotidiano dela e foi embora.
Convoquei a detetive Júlia para cuidar desse caso. Isto porque mulher não costuma levantar suspeita. Se um homem perceber que está sendo muito olhado, vai achar que é paquera, sem suspeitar que está sendo filmado ou fotografado. E, se ele a abordar, a detetive desconversa e sai de fininho. Além disso, a mulher é mais camaleoa, tem mais recursos para disfarçar a aparência: pode prender ou soltar o cabelo, botar peruca, mudar o estilo da roupa, e por aí vai. Um homem conta com menos artifícios. Se ele for notado, temos de mudar de detetive.
Chegando à agência, minha secretária informou que o detetive Falcão, que cuidava de outro caso, telefonou da calçada de um motel avisando que acabara de pegar o flagrante. Ele tinha registrado tudo, só que o homem investigado fora flagrado no carro, mas com outro homem. Recomendei que permanecesse lá e tirasse mais fotos na saída do motel.
Minha preocupação é sempre na hora de entregar as provas ao cliente e ter de encarar a reação da pessoa. Muitos choram. E esse caso promete, uma vez que o marido infiel é um senhor de 55 anos, casado há 22, pai de três filhos, que estava saindo com outro homem. Para a esposa, será um choque. A reação é sempre dolorosa. Essa não foi nem a primeira, nem a segunda vez que deparamos com esse tipo de caso. Na segunda-feira, entregarei pessoalmente à cliente o relatório de sete dias de investigação. Devo ficar atento e ver se ela terá condições de voltar para casa sozinha.
Em nenhum momento o detetive que vai cuidar do caso tem acesso às informações pessoais de quem nos contratou, assim como o cliente nunca tem acesso ao detetive que fará a investigação. A privacidade é recíproca. Não conto aos detetives os motivos que levaram o cliente a suspeitar de que está sendo traído. Apenas digo que ele quer saber o que o parceiro faz durante o período contratado. Acredito que assim o detetive se empenha mais no caso. Se ele souber de antemão que o contratante já tem quase certeza da traição, deixará de prestar atenção em todos os detalhes, o que pode prejudicar o resultado do trabalho.
Estou há catorze anos no ramo e aprendi com meus próprios erros. Uma lição que aprendi é jamais passar qualquer informação ao cliente durante a investigação. Isso faria com que ele telefonasse a toda hora, para saber das novidades, o que atrapalha o andamento do serviço. Quando o cliente já fica sabendo que foi traído antes de encerrarmos a investigação, ele vai logo tomar satisfação com o parceiro, colocando o detetive que está em campo em perigo. Nesses casos, também, o cliente costuma abortar o contrato e me dá o calote. Por esse motivo, aprendi que só devo revelar tudo ao cliente no momento em que entrego o material com as provas.
SEXTA-FEIRA, 4 DE JULHO_Preparei o material a ser entregue a um senhor que mora em Minas Gerais. Ele nos contratou por cinco dias para acompanhar a esposa, que veio ao Rio fazer um treinamento oferecido pela empresa em que trabalha. Assim fizemos. A mulher saía às 8 horas do hotel e ia direto para a sede da empresa, no centro do Rio. Almoçava ali perto e voltava em seguida. Às 17 horas já estava no hotel e não saía mais. Todos os cinco dias foram iguais. Ontem ela voltou para Minas. O marido já me ligou um milhão de vezes para saber se foi traído, mas eu nada adiantei antes de receber a segunda parcela do pagamento. Em caso de envio do material por Sedex, o valor deve ser pago até 24 horas antes da remessa.
Ainda recentemente, uma mulher que nos contratou me ligava a cada cinco minutos. Ela queria saber se houve o flagrante e o que o marido estava fazendo. Eu expliquei que ainda não poderia falar nada, conforme constava do contrato. No dia marcado para entregar o trabalho, nos encontraríamos em um café na Tijuca. Fiquei duas horas esperando, e nada de ela aparecer. Enviou-me um e-mail me chamando de caloteiro e ainda tive de pagar o detetive do meu bolso. No fim das contas, quem mais perdeu nessa história foi a cliente, que ficou sem saber que o marido não a estava traindo. Ela deve dormir até hoje com essa pulga atrás da orelha. Podia ter pago os 900 reais que me devia e estaria com a consciência tranqüila.
SÁBADO, 5 DE JULHO_Os finais de semana costumam ser calmos. A agência funciona, mas sem secretária. Hoje o trabalho começou mais tarde porque era dia de corrida de Fórmula 1, minha grande paixão. Eu sou doido por carros. Por isso, assisti ao Felipe Massa se classificar em nono lugar para a largada do Grande Prêmio da Inglaterra. A corrida começou às 9 horas, mas tive que estar de pé às 7h30, para dar cobertura à detetive Júlia, que já estava em frente à casa do cliente Miguel para iniciar a investigação de sua esposa, Valéria. Na véspera, havia passado a ela as coordenadas, com fotos, endereços e placa do carro.
O detetive Pablo me trouxe o material do flagrante do homem que foi para o motel com outro homem. Vai ser duro contar isso à cliente.
À noite, chegou o relatório do primeiro dia de investigação do caso Valéria: ela saiu de casa com um homem, foram a um restaurante e depois a um motel próximo. Achei estranho eles terem saído da casa juntos. O homem poderia ser o próprio marido. Como os detetives não sabem quem nos contrata, Júlia não tinha como notar isso. Caso fosse o marido, pensei, ele tinha ciência de que a detetive estaria na cola da mulher. Pedi à Júlia que me enviasse logo uma foto por e-mail para eu tirar a dúvida. Batata! Era o próprio Miguel, o marido. Eu não disse nada para a detetive, mas parece que ele estava nos testando.
Também já tive um cliente que pagou 1 800 reais para investigarmos ele mesmo. Inacreditável. Isso já faz um ano. Ao ver a foto da pessoa a ser seguida, fiquei espantado: “Ué, mas é um irmão gêmeo?”, brinquei. Ele disse que sempre quis ser objeto de investigação. Como vivia sozinho há dez anos e era viúvo, decidiu experimentar como era ser investigado. E acrescentou que ia dar trabalho. Iria botar pra quebrar durante a investigação. Logicamente, não contei isso ao detetive, que pensava que era mais uma esposa querendo vigiar o marido. Nunca vi alguém sair tanto como esse cliente. Ia à Barra, ao ninho das garotas de programa, colocava uma no carro, entrava em uma rua ao lado do antigo Bingo da Praia, largava a garota trinta minutos depois, pegava outra para tomar água de coco, voltava para o mesmo local, conversava um pouquinho e a levava de volta. Fazia milhões de coisas estranhas o tempo todo. Depois disso, fui entregar o serviço ao cliente. Eu mesmo estava sem jeito. Ele simplesmente me entregou o dinheiro e agradeceu o serviço. Não comentou nada. Adoraria saber o que ele fez com aquelas filmagens e fotos.
DOMINGO, 6 DE JULHO_Dia de curtir a família. Depois de ver o Massa rodando várias vezes, assisti ao Auto Esporte e fui preparar o material de amanhã.
O detetive Pablo me enviou quinze fotos, cinqüenta minutos de filmagem e doze páginas de relatório escrito sobre o marido que saía com outro homem. Na hora de editar a filmagem (fornecemos tanto imagens sem cortes como editadas, para dar opção aos clientes), vi que, dois dias antes, ele fora ao mesmo motel com uma mulher. Ou seja, esse marido sai com mulheres e homens. Minha cabeça deu um nó e, mais uma vez, fiquei preocupado com a cliente. Nem sei como dizer isso a ela. Esse é o pior momento do meu trabalho. Em contrapartida, quando o resultado é uma falsa suspeita, fico aliviado pelo cliente. Muitos me abraçam, agradecem, riem de felicidade. Eu acabo entrando nesse clima também.
SEGUNDA-FEIRA, 7 DE JULHO _Chegou o dia de contar à cliente que seu marido saía com homens e mulheres. A caminho do nosso encontro, fui imaginando como seria esse episódio.
Manhã tranqüila, com poucos e-mails para responder e o telefone quase não tocou. Amanhã devo fechar um novo serviço. Apesar de a maioria dos casos que nos chegam ser de infidelidade conjugal, também somos procurados por pais que querem monitorar a rotina de seus filhos. Uma senhora pediu para investigarmos seu filho, que mudou muito de um ano para cá. Tem saído bastante à noite, ficou agressivo e se tranca no quarto para falar ao telefone e usar o computador. Por via das dúvidas, queria contratar um detetive por nove dias, ao longo de três semanas. Ficou de me ligar amanhã para conversarmos melhor. Ela mora sozinha com o filho e perguntou se poderia contratar o serviço sem nos encontrarmos pessoalmente. Eu disse que sim, pois enviamos o contrato por fax, junto com o boleto bancário. Hoje em dia, um terço dos contratos que fechamos funciona assim, sem contato pessoal.
Ao meio-dia, Júlia me ligou dizendo que acabou de flagrar Valéria em uma rua próxima ao Leblon, de chamego com um moreno alto.
Às duas da tarde, saí para me encontrar com a cliente do marido que a traiu duplamente. Cheguei ao Botafogo Praia Shopping às duas e meia e a aguardei por mais de uma hora. Estava indo embora quando ela me ligou pedindo desculpas e avisou que estava a caminho. Aproveitei para olhar vitrines e comer um Big Mac. Ela chegou agitada. Perguntei se estava bem e o que esperava da investigação. Prática, ela disse que não amava mais o marido e que, independentemente do resultado, acreditava que o seu casamento estava terminado. Queria uma confirmação para acabar com tudo e seguir a vida. Não achava justo se aventurar em outro romance estando casada. Perguntei se suspeitava de alguém. A resposta foi curta: “Vou saber agora.”
Pedi, então, que lesse o relatório com calma, na minha presença. Ela me entregou um envelope com o pagamento. Fiquei com o coração apertado, mesmo sabendo que esse casamento não tinha mais jeito. Ela lia tudo em silêncio diante de mim. Ao terminar a leitura, pôs as folhas sobre a mesa e me disse que não sabia se sentia alívio ou raiva. Não deixaria que os filhos soubessem disso porque seria um choque muito grande. Não esperou qualquer comentário meu. Virou-se e foi embora.
Teve um pai que suspeitava que a filha usava drogas. Indiquei o monitoramento virtual remoto, em que se instala um programa espião no computador da pessoa e ali se grava tudo o que ela faz. Se a pessoa entra em sala de bate-papo, Orkut, conversa no MSN, ou consulta fotos, pegamos tudo. O pai assinou um documento autorizando que monitorássemos seu próprio computador, usado pela filha. Se fizéssemos isso no aparelho de terceiros, seria crime. Gravamos tudo por dez dias. No final, pedimos que deixasse o computador ligado na internet, para que pudéssemos baixar todos os arquivos que foram monitorados. Pegamos a filha marcando várias saídas em troca de pagamento. Ela era garota de programa. Em nenhum momento havia alusão ao uso de drogas. Enviei o material por Sedex, pois o pai mora no Sul e os arquivos eram muito pesados para envio por e-mail. Nunca mais tive notícia desse pai.
A tecnologia ajuda muito. Resolvo muita coisa sem sair da agência. Desde que comecei a trabalhar com investigação, os equipamentos diminuíram de tamanho, ficaram quase invisíveis e os recursos têm se tornado sofisticados. Graças à internet, pudemos investigar a filha que estava se prostituindo lá no Sul, sem sair do Rio de Janeiro. Há dez anos, seria impossível. Nos casos de infidelidade conjugal, se o cliente desejar, podemos colocar uma escuta ambiental dentro do carro. Com isso, se a pessoa investigada disser algo comprometedor, ou alguém entrar no carro, o cliente saberá. Com microcâmeras, o detetive também consegue ficar sentado à mesa de um restaurante, ao lado da pessoa que está cometendo adultério e fazer filmagem sem olhar para o lado, tudo sem levantar suspeitas. Existem também os microfones de alta sensibilidade de captação. Com eles, consegue-se gravar a conversa de pessoas falando do outro lado da rua, desde que não seja um lugar muito barulhento.
Outra mudança que observei ao longo desses catorze anos é a alteração no perfil econômico dos clientes. O serviço não é barato, mas foi bem mais caro. Uma investigação de cinco dias chegava a custar 5 mil reais. Hoje esse preço caiu para 1 500 reais, devido ao grande número de novos detetives no mercado. Como o valor diminuiu e o poder aquisitivo do brasileiro aumentou, a classe média é quem mais contrata o serviço. Antigamente, só as pessoas mais ricas nos procuravam. Até mesmo a faixa etária do cliente vem mudando, diminuindo. No passado, apenas empresários homens nos contatavam. Hoje, dois terços dos clientes são mulheres. Tem gente que junta dinheiro para nos contratar.
Cheguei em casa cansado e minha filha de 5 anos me esperava. Brincamos de casinha da Barbie e depois fui dormir.
TERÇA-FEIRA, 8 DE JULHO_A senhora que queria investigar o filho voltou a ligar. Queria um detetive homem para seguir o filho nos dias 11 a 13 de julho, depois 18 a 20 e, finalmente, nos dias 25 a 27. Preferia fazer o pagamento de 2 mil reais à vista referente aos nove dias de trabalho. No meio da tarde, recebemos o contrato de volta, assinado. Esse serviço será feito pelo Arouca, um detetive de 25 anos, mas com corpinho de 20. Ele é perfeito para missões desse tipo, em que vai acompanhar uma pessoa em baladas e bares da garotada sem levantar suspeita.
Acabo de receber uma solicitação de orçamento de uma esposa que queria descobrir todos os dados a respeito de alguém, a partir de um número de celular: queria nome completo, endereço, dados pessoais etc. Expliquei que não fazemos esse tipo de serviço porque é crime. No nosso site isso está bem claro: não fazemos escuta telefônica nem quebra de sigilo bancário ou telefônico. Por volta das quatro da tarde, ela ligou de novo, insistiu, mas recusei. Também recebemos e-mails de pessoas que se dizem funcionários de empresas telefônicas e que nos oferecem informações sigilosas de usuários por apenas 50 reais.
Muitos pensam que o ofício de detetive particular é ilegal, mas não é. No Rio, somos enquadrados no artigo 79 da lei 1165, de 13/12/66 (contribuição do imposto sobre serviços), com redação dada pelo decreto-lei 299, de 25/11/69. A profissão está catalogada no Ministério do Trabalho como atividade lícita. O problema é que, como em tudo nessa vida, existem os bons e os maus profissionais. Se você fizer uma pesquisa na internet procurando cursos para detetives, por 300 reais você compra um diploma. Chamam isso de “curso”, mas, na verdade, são detetives-professores que elaboram uma apostila baseados em sua experiência pessoal e dão algumas dicas para quem está começando. Não existe nenhum curso de investigação particular regulamentado. Nesse meio, infelizmente, há muito detetive picareta, talvez, justamente, por não haver um ensino formal para a nossa profissão.
Como não há uma formação oficial, recomendo aos novatos que acompanhem um detetive em campo, pois só irão aprender algo na prática. E se não tiver carro ou moto para seguir uma pessoa, melhor desistir.
QUARTA-FEIRA, 9 DE JULHO_Cheguei mais cedo à agência, por volta das 7h45. Vim no carro escutando meu Zezé Di Camargo & Luciano em paz.
Fico aqui pensando que eu sou um sujeito de sorte: vivo para a minha família, sou muito caseiro e não tenho do que reclamar. Minha mulher não trabalha fora e sustento a casa só com meu trabalho. No meu serviço, o que mais gosto é de localizar pessoas desaparecidas e depois dar a boa notícia à família. O problema é que nem sempre a pessoa desapareceu. Em alguns casos, simplesmente se mandou e não deixou endereço. Quando conseguimos localizá-la, apenas entregamos o material com seu paradeiro e não sabemos como acaba a história. Uns poucos clientes ligam para agradecer e contam que a pessoa foi embora porque quis. Teve uma filha que procurava o pai, sumido há treze anos. A família morava no Rio quando ele desapareceu. Localizamos o pai em Lavras, no sul de Minas, com três novos filhos e bem casado.
Normalmente, um serviço começa dentro de três a sete dias após o primeiro contato. Há pessoas que ligam durante meses seguidos e só fecham o contrato muito tempo depois. Houve um cliente que demorou oito meses para se decidir. Acho que estava tomando coragem. A mulher dele trabalhava durante o dia, de segunda a sexta. Saía à noite, três vezes por semana. Ele nos contratou por seis dias, ao longo de duas semanas. Descobrimos que nessas saídas ela tomava conta de um senhor idoso. Estava apenas fazendo um “bico” para ajudar em casa, mas não queria contar ao marido para não constrangê-lo.
Quando terminamos o serviço, fiz questão de levar o relatório. Foi ótimo ver a reação de felicidade do marido. Ele explicou que, mesmo passando por dificuldade financeira, não permitia que a mulher trabalhasse à noite. Ficou aliviado, e compreendeu.
Tenho a exata noção de que esse meu ofício é meio esquisito. Meus conhecidos sempre me chamam para conversar e pedir conselhos conjugais. Acham que sou especialista no assunto. Quando a esposa de um amigo começa a ter atitudes estranhas, logo ele vem me perguntar se deve se preocupar ou se é um grilo à toa. Conforme o caso, às vezes eu acabo indicando um detetive. Normalmente, tento fazer com que ele consiga distinguir cisma de suspeita séria.
Acho mais fácil tratar de investigação de gente conhecida do que de estranhos. Com pessoas que conheço, sei como lidar e imagino a reação delas. Com os outros, não tenho a mínima idéia de como irão reagir. Com um amigo, saio para beber um chope, coloco a minha amizade à disposição e ele sabe que pode contar comigo. No caso de um cliente comum, ele normalmente não tem com quem dividir a preocupação, por ter vergonha de contar aos amigos que está passando por uma traição.
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