ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2015
Um papo pra Marrakech?
Frio e cautela na conferência do clima em Paris
Bernardo Esteves | Edição 104, Maio 2015
“Chegamos aos Champs-Elysées”, disse o guia, indicando uma longa avenida deserta. “Só não se decepcionem se não avistarem o Arco do Triunfo ao fundo”, completou, satisfeito com a piada. Nada ali evocava o glamour da mais conhecida via de Paris. A pista de asfalto era ladeada por grandes pavilhões vazios, e o único veículo que se enxergava ao fundo era um caminhão com uma sirene amarela.
Aquele será o principal eixo de circulação dos mais de 40 mil participantes esperados para a COP21, a conferência do clima da ONU que a França receberá em dezembro. As atenções do mundo estarão voltadas para um grande parque de exposições na cidade de Le Bourget, a 15 quilômetros de Paris, nas imediações de um antigo aeroporto comercial que atualmente só recebe jatos executivos. Espera-se que os representantes de quase 200 países sacramentem um acordo internacional – o primeiro envolvendo todas as nações – que nas próximas décadas permita conter a emissão dos gases responsáveis pelo aquecimento global.
Debruçado sobre um mapa da conferência com um selo confidentiel, o embaixador Pierre-Henri Guignard mostrou o ponto em que será erguido o principal fórum de negociação, um pavilhão imponente que sua equipe vem chamando de “Catedral”. “Queremos despertar nas pessoas o sentimento de que se pode chegar a uma grande realização”, justificou.
Guignard tem 59 anos e foi designado secretário-geral da conferência, encarregado da preparação do evento. Segundo ele, a disposição dos pavilhões foi inspirada na arquitetura da última COP, realizada em Lima no ano passado. “Os negociadores se cruzavam várias vezes por dia, e isso estimulou as conversas informais”, disse. Guignard lamentou que o clima de Paris não seja tão ameno quanto o da capital peruana. “Será no inverno, haverá chuva, talvez neve”, vaticinou. “O calor tem de estar dentro da conferência, já que não estará fora.”
A “Catedral” será uma das estruturas temporárias a serem edificadas para a conferência. No final de abril, o parque de exposições estava sendo preparado para uma feira internacional de aviação; antes da COP, vai receber eventos da indústria têxtil, de automóveis antigos e de importação e exportação.
O
presidente François Hollande elegeu o clima como prioridade de seu mandato e montou uma equipe interministerial a quem confiou a realização da conferência da ONU. A figura principal do evento é Laurent Fabius, ex-primeiro-ministro de François Mitterrand, hoje na pasta das Relações Exteriores. Aos 68 anos, do Partido Socialista, é ele quem vai presidir a COP. O time também conta com Ségolène Royal, ministra da Ecologia, ex-mulher de Hollande e desafeto de Fabius, com quem em 2006 disputou prévias para se candidatar à Presidência.
A França foi o único país que se dispôs a hospedar a conferência do clima de 2015, gesto que lhe rendeu elogios e condolências. O evento vai custar ao país 187 milhões de euros, mas a expectativa é que ele gere uma receita de 100 milhões de euros. Segundo uma análise do jornal Le Monde, a aposta de Hollande é colher os louros caso se aprove um acordo promissor; na hipótese de um fracasso, a culpa poderá ser atribuída à lentidão do processo de negociação multilateral.
As COPs são reuniões de nível ministerial, e em tese a presença de chefes de Estado é dispensável. No entanto, certamente haverá mandatários dispostos a aparecer se no horizonte despontar a perspectiva de um acordo bem-sucedido. Os organizadores desconversam, mas a proximidade do Aeroporto de Le Bourget é uma mão na roda. O guia que apresentou o parque de exposições contou ter ficado de queixo caído quando, para um encontro de cúpula, Barack Obama e sua delegação pousaram ali com os dois Air Force One.
Não se vislumbram, por ora, sinais de um tratado ambicioso. O princípio que norteia o acordo é o seguinte: cada país determinará que compromisso vai assumir para combater a mudança climática. Os esforços serão somados e comparados com o que falta fazer para limitar o aquecimento em até 2 graus em relação à temperatura média antes da Revolução Industrial.
Os países se comprometeram a anunciar suas contribuições ao longo do ano, de preferência no primeiro trimestre. Até 28 de abril, apenas 35 haviam declarado as suas: os 28 membros da União Europeia, Estados Unidos, Rússia, Noruega, Suíça, Liechtenstein, México e Gabão. Não há previsão para a entrega da meta do Brasil, parceiro que parte da equipe de Hollande considera difícil e criador de caso.
A organização evita sucumbir ao otimismo. Voltando da visita ao parque de exposições, Guignard admitiu que nem todas as questões devem ser resolvidas em dezembro, mas sublinhou que o importante é acertar tudo para 2020, quando o acordo começará a valer. “Para atingir a meta dos 2 graus, provavelmente teremos de introduzir o elemento tempo na equação.”
A julgar pelas contribuições anunciadas, a conta não vai fechar, embora não estejam claras as medidas a serem tomadas. Para o francês Pierre Radanne, especialista em política energética, o impasse não é espantoso. “A soma dos interesses de cada país não resulta no interesse geral da humanidade”, explicou numa entrevista num restaurante ao lado da Assembleia Nacional.
Radanne já dirigiu uma agência nacional de meio ambiente e energia, mas hoje atua como consultor independente (na COP, vai assessorar o grupo de países francófonos). Aos 65 anos, com cabelos brancos e um vistoso bigode grisalho, parece um Asterix de meia-idade do mundo corporativo. Veterano das conferências do clima – foi a dezessete das vinte realizadas –, ele acredita que o encontro de Paris pode definir formas transparentes de aferir e verificar as contribuições dos países, mas não deve avançar na discussão das metas, que só serão apresentadas em cima da hora. “Provavelmente estaremos bem longe dos 2 graus e será preciso continuar a negociar”, previu. “A discussão sobre os números deve acontecer sobretudo na conferência de 2016, em Marrakech.”