Uma cidade exemplar
Como anda nossa vida cívica no mês das eleições
João Moreira Salles | Edição 145, Outubro 2018
Do terraço de um prédio se vê Três Corações. Do alto, a cidade se espalha. No centro, casas, sobrados e pequenos edifícios se aglomeram sem outro ordenamento a não ser a delimitação entre o público e o privado, o dentro e o fora, reservando-se ao privado o que é bonito – a pintura, o ornamento – e, à rua, o que não importa. A impressão é de coisa malfeita e pouca consciência da tragédia urbana que inventamos. Entre as edificações mais próximas e as que aparecem ao longe passa uma linha que separa os bairros mais ricos dos mais pobres, mas, do alto, o olho não distingue a diferença. Numa socialização às avessas, em que não se distribui a virtude, mas o defeito, a bagunça gestada pela ausência do Estado, tão viva nas comunidades mais desassistidas, é o princípio que também organiza o lugar onde vivem os mais abastados. A calçada intransitável de um palmo de rua rica é igual à calçada intransitável de um palmo de rua pobre, um efeito fractal que transforma quase tudo na mesma coisa.
“Isso não faz sentido nem dentro da lógica capitalista”, diz Angela Azevedo, apontando as franjas da zona urbana, onde casas de pé, cascas de casa e terrenos baldios ocupam lotes de novos lançamentos imobiliários. “São milhares de lotes vazios, é uma loucura. A cidade está crescendo pouco, boa parte desses lotes continuará vazia. Eles vão ser foco de dengue, de lixo, de criminalidade, de custo para a iluminação pública.”
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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