Uma guerra sem solução à vista
| Edição 207, Dezembro 2023
O PRÍNCIPE
A reportagem de Ana Clara Costa sobre o assessor especial de Lula, o ex-ministro Celso Amorim, com o irônico título “Eu sou um príncipe” (piauí_206, novembro), é uma radiografia completa da vida dessa célebre personalidade. É um relato honesto e abrangente que mostra sua fase de formação, envolvendo-se inicialmente com o jornalismo e posteriormente com o cinema, e a escolha pela diplomacia, que na época não exigia curso superior, tendo sido classificado em primeiro lugar no concurso para o Itamaraty onde ingressou em 1964.
Amorim é um decano de nossa diplomacia, com uma carreira acidentada que só encontrou plena realização com seu ingresso no PT e sua aproximação com Lula. Talvez essa filiação a um partido político, ora no poder, tenha sido seu grande equívoco. Principalmente ao promover o aparelhamento de um órgão do Estado da tradição do Itamaraty, com uma história respeitável em função da qualidade de nossos diplomatas.
Quando colocou Lula na condição de “Nosso Guia”, provocou enorme rebuliço na instituição, submetendo-se ao bolivarianismo chavista, praticamente perdendo nossa hegemonia no continente. Por outro lado, alimentou em Lula a ideia fixa de tornar o Brasil membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, algo secundário em face dos enormes problemas prioritários que ainda temos de enfrentar. Agora, como assessor especial de Lula, praticamente assumiu novamente o comando do Itamaraty, na gestão do amigo do peito, o embaixador Mauro Vieira. Sob o império de Lula, Celso Amorim será o eterno príncipe.
Também quero dar parabéns à revista pela publicação mensal de narrativas literárias de escritores internacionais, como o conto que os leitores foram agraciados na piauí_206, novembro, Alissa compra a morte, de autoria da romancista russa Liudmila Ulítskaia. Quanta sensibilidade e delicadeza no tratamento do tema. Que maestria em conduzir a trama, seguindo a tradição dos grandes romancistas russos do século passado.
DIRCEU LUIZ NATAL_RIO DE JANEIRO/RJ
FAIXA DE GAZA
Em referência às matérias O judeu imaginário e Angústia na fronteira (piauí_206, novembro), elas formam o capítulo de uma história cujo início foi no ano 70 d.C. com a dispersão do povo judeu após ser sufocada a revolta.
Em quase 2 mil anos eles sofreram muito, tiveram que inventar uma linguiça de legumes imitando linguiça de porco para não serem agredidos, foram batizados à força e nem assim deixaram de ser discriminados, o que culminou em uma tentativa de extermínio. Apenas em dois lugares viveram bem: os que ficaram na Palestina e os que viveram na Península Ibérica durante os oitocentos anos sob domínio dos árabes.
No final da Segunda Guerra Mundial os sobreviventes dos campos de extermínio foram para campos de refugiados, alguns para o Chipre; com a intervenção recente da ONU foi criado o Estado de Israel, mas não foi criado o Estado palestino.
Na mesma época, acontecia um caso semelhante na Índia, onde o processo foi conduzido pelo pacifista Gandhi.
Foram criados dois países, Paquistão Oriental e Paquistão Ocidental, para diminuir o deslocamento de populações e as agressões que fatalmente iriam acontecer; hindus iam para a Índia e muçulmanos tinham duas opções de Paquistão. Os Estados convivem com alguns ruídos, mas estão consolidados.
Em Israel foi adotada a filosofia dos americanos: dizimar a população local e ocupar as terras.
O povo palestino, abandonado pelos árabes e pelo mundo, contra um inimigo muito mais forte adota ações chocantes, como aquela contra os atletas israelenses na Olimpíada de Munique e essa agora.
Isso é usado para continuar a violência de Estado, e todas as perspectivas apontam para cenários ainda piores.
DJALMA ROSA_SÃO SIMÃO/SP
Sou assinante da revista piauí e sua grande admiradora. O que mais me surpreende e admira em vocês é a profundidade com que tratam temas de interesse para a humanidade. Foi por isso que me causou grande estranheza (para não dizer tristeza) o artigo intitulado O judeu imaginário.
Tanto para se falar, mas o narcisismo parece ter imperado.
Dia 7 de outubro de 2023 vai ficar para a história como o dia mais sangrento aos judeus desde o Holocausto. Tantas e tantas histórias de mães que seguem inundando os dias com suas lágrimas e súplicas. Mães que estão de luto ou, até pior, aguardam notícias de seus bebês sequestrados nas mãos de sanguinários. Filhos que se tornaram órfãos, famílias inteiras extirpadas no estilo pogrom.
Dia 7 de outubro de 2023 vai ser para sempre o dia em que os judeus, moderados, ortodoxos ou conservadores – pouco importa para o terror qual é o viés religioso de suas vítimas – se deram conta da importância do Estado de Israel, não pelos livros ou por relatos dos sobreviventes do Holocausto, mas por puro empirismo.
Judeus que, de vítimas do maior atentado terrorista desde o Holocausto, em pouquíssimos dias, antes mesmo, inclusive, de qualquer ato de defesa do Estado de Israel, passaram a ser, novamente, vítimas do preconceito, que teima em gritar que suas vidas valem menos.
Tanto para se contar, tanto para educar, tanto para relatar, mas o tema escolhido por Michel Gherman, acadêmico que parece ser especialista em antissemitismo, em seu pífio artigo O judeu imaginário, foi um episódio pontual e pessoal vivido por ele que, com todo o respeito, não deveria ter recebido a atenção dada pela revista.
Talvez, em circunstâncias normais, até fosse interessante entender os diversos vieses judaicos e influências político-sociais, mas não diante do pesadelo da magnitude que os judeus e, principalmente, os israelenses, estão vivendo.
É, no mínimo, decepcionante que a única voz judaica a falar sobre os judeus, na edição da piauí de novembro, em meio a tanta dor de tantas famílias judaicas e israelenses espalhadas pelo mundo, tenha usado de seu valioso espaço de fala para não apenas tratar de um episódio apequenado e pouco relevante diante do atual contexto, como tenha desperdiçado uma oportunidade valiosa para discorrer sobre temas relevantes e graves que, infelizmente, não saem do cotidiano do judeu, seja ele de esquerda, seja de direita, qual seja, como o antissemitismo (curiosamente, o tema em que o autor parece ser especialista).
O fato de haver judeus com tendências de direita ou de esquerda não é novidade, como não o é para qualquer outro segmento social. Mas, com exceção de pouquíssimas personalidades, como o próprio Michel Gherman, a grande maioria da colônia judaica está bastante unida, exatamente porque sabe dar atenção e relevância para aquilo que realmente nos é muito caro no momento: sua sobrevivência, o direito de existir e de ter um Estado próprio (que é ingrediente especialmente relevante diante dos fatos que não nos deixam descansar: sem o Estado de Israel não conseguiríamos sobreviver neste mundo que insiste em nos depreciar, em nos diminuir).
O sentimento geral, de novo, salvo raríssimas exceções, como parece ser o próprio autor, é de união entre progressistas, conservadores e quaisquer outros segmentos. Basta ver como a própria sociedade israelense, tão contestadora e que dias antes protestava contra o governo do Netanyahu, optou por unir-se e, assim, se ajudar, para, quem sabe, sobreviver. Sabe-se que, sem essa união, a chance de resistir a um mundo antissemita é mínima.
Por isso, fica a sugestão desta judia que se considera bastante progressista (crítica do governo Bibi, e totalmente antibolsonarista, diga-se) e que sempre admirou muito a piauí: se a ideia é ser democrática e trazer olhares profundos sobre temas relevantes à humanidade, vale repensar na escolha de quem falará em nome dos judeus, e quem sabe dar espaço a outras vozes judaicas como André Lajst, por exemplo, que tem usado de sua voz para chamar atenção para o momento absolutamente delicado e grave que estamos vivendo e, assim, segue arduamente ensinando sobre Israel e sobre o conflito. Eu acredito, ainda, que vocês terão discernimento para escolher vozes que possam, de fato, falar sobre aquilo que interessa – o legítimo direito de existir da colônia judaica e o quanto estamos sendo vítimas de antissemitismo – [em vez de vozes que] desconsiderem, por completo, o ataque de que fomos vítimas. Por ora, fico com a moça que interrompeu o autor na PUC-Rio e faço coro: Você, Michel, não nos representa.
Espero, sinceramente, que publiquem esta carta, fazendo jus à característica tão singular da piauí: mostrar todos os lados de uma história e dar voz a todos.
ADRIANA HELLERING SPIEWAK_SÃO PAULO/SP
NOVEMBRO
Após o luto auditivo, foi uma luta ler a piauí_206, novembro, desde a capa de Paolo Lombardi, que mostra sutilmente os mísseis mais perto da menina palestina do que do menino israelense, passando pelos anais da guerra e da diplomacia. Mas li. Li até trechos de Olavo de Carvalho dentro da reportagem de Michel Gherman (O judeu imaginário), que poderia ter colocado um alerta no início para pessoas sensíveis a bobagens daquele porte. Li a Angústia na fronteira, de Alessandro Candeas, título autoexplicativo. O pequeno deleite ficou por conta do perfil de Celso Amorim por Ana Clara Costa (“Eu sou um príncipe”), a confirmar minhas preferências literárias. Ter cursado a educação básica nos anos finais da ditadura militar fez-me desconhecer quase por completo a verdadeira história de todos nós. Agora, à luz do conflito Israel-Hamas – em que vem à tona parte importante do conceito freiriano de que oprimidos viram opressores se não compreendem bem sua própria história – passo a ver na prática o que os milicos escondiam. Ou parte disso. Conforme vamos retrocedendo no tempo, os mapas de ocupação da região palestina vão mudando e escolhe-se o que melhor se adequa ao princípio que se quer defender e ao grupo que se quer dali expulsar. As omissões, distorções e a defesa de interesses próprios de parte a parte confirmam a máxima de que na guerra a primeira vítima é a verdade. Ignoram que são pessoas que morrem na região do conflito desde muito antes da partilha pela ONU. Há também novos olhares filosóficos que vão além da visão ocidental do mundo para entender e buscar soluções para conflitos, até os baseados nas religiões de matriz africana. No entanto, enquanto perdurar um viés religioso nas principais guerras, tal qual a do Hamas-Israel, pressupostos lógicos não funcionarão. Se tirar a conotação religiosa de todos os lados, restará algum argumento para a matança? Os principais deuses que criamos – pré-históricos, orientais, africanos, nórdicos ou bíblicos – são bélicos na essência.
ADILSON ROBERTO GONÇALVES_CAMPINAS/SP
VERMEER
O excelente depoimento de Teju Cole em Para além da beleza (piauí_205, outubro) nos remete às sensações mais diversas. Sou, entre outros, partidário da opinião de que a obra de arte ocupa a posição de analista. Está ali, aquele semblante, que nos faz falar. E o autor o fez.
São evidentes os obstáculos criados para assistir à exposição do pintor que o comoveu desde a infância. Mas não conseguiu escapar, tendo em vista um convite a uma visita exclusiva em companhia da diretora do museu.
Em sua explanação sobre as obras que o enlevam surge a figura feroz do supereu, que não permite a completude feliz, ainda que por instantes. Assim, a ênfase recai sobre os objetos e pigmentos constantes das obras que trazem, invisíveis, os horrores da exploração e da escravidão.
Talvez o artigo seja o início de um pedido de socorro que poderá advir de acordo com a progressão do sofrimento.
SEBASTIÃO MAURÍCIO DUARTE PESSOA_RIO DE JANEIRO/RJ
CURIOSIDADE MATA
Com todo o respeito de um leitor antigo, mas a piauí está virando uma Tititi. Apesar de uma ou outra anedota de interesse, entre perfis, diários e relatos pessoais, a edição de novembro (piauí_206) foi só fofoca. Reclamo porque, enquanto fofoqueiro, quase morri com as fofocas pela metade.
FELIPE FURTADO SOARES_BELO HORIZONTE/MG
NOTA TITITIZENTA DA REDAÇÃO: Menino, e você viu o que aconteceu na Argentina? O bofe vai governar se aconselhando com um cachorro! Me lembra sabe quem? Aquele que governou aquele outro país. Que não chegava a falar com cachorro, mas também não dispensava a opinião de uns filhotes raivosos.
NÓS CONTRA ELES
Sou assinante de primeira hora da piauí, que sempre considerei uma publicação essencial para atravessar esse período de radicalismo estéril e estupidificante representado pelo “nós contra eles” que domina a cultura e a informação no Brasil atual. piauí, que de modo inteligente sempre se colocou em um patamar acima abordando os temas sem paixões ideológicas, na última edição (piauí_206, novembro) parece que desceu um degrau se alinhando à corrente dos “progressistas de esquerda” (assim entre aspas mesmo). Espero estar enganado.
LUIS ROBERTO BEOLCHI_SANTOS/SP
Acredito que um jornal, revista ou qualquer outro meio de comunicação deve ser, no conceito primário, independente.
Ter qualquer viés ideológico, seja direita ou esquerda (no caso político/econômico), viés religioso (os mais bem escondidos, como a opinião sobre criminalização do aborto) ou demais opiniões, não deveria fazer parte dos textos dos jornalistas.
Mas o que vemos na mídia, sempre, é a divulgação da notícia com opinião própria, e dizendo ser independente.
Oferecer opinião sobre um assunto é, claramente, ter vínculo com algum conceito preestabelecido, seja ele de qual natureza for. Posso defender a proteção para abelhas por ser produtor de mel (intenção com viés econômico) ou por ser do Greenpeace (com viés dito de proteção ambiental).
Portanto, acredito que propagar notícias é uma atividade extremamente difícil, pois como o dito popular: “Quem conta um conto, aumenta um ponto”.
ELECIO MOSCARDINI JUNIOR_ RIBEIRÃO PRETO/SP