ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2009
Vem, Senador!
Parlamentar faz fila para cair na rede
Andrea Jubé | Edição 39, Dezembro 2009
Sabrina Sato chegou ao Senado com um vestidinho mais comportado do que os que usa normalmente para desfilar pelos corredores do Congresso. Era cinza, com mangas arqueadas que lembravam a ópera de Sidney e decote modesto nos seios. Duas fendas laterais deixavam ver as curvas da cintura, mas, não sendo de tecido colante, não insinuava além do que devia. Sapatos violeta de salto altíssimo e óculos de acetato vermelho completavam a figura, esfuziante por natureza.
Acompanhada de Beto, operador de câmera, e Marcelo Avestruz, produtor do Pânico na TV, Sabrina vai a Brasília uma vez por semana, onde passa de um a dois dias a serviço do programa, exibido pela Rede TV! Sua credencial, concedida pelo senador Heráclito Fortes, primeiro-secretário da Casa, permite-lhe zanzar apenas pelos corredores. É o suficiente. Se ela não pode ir aos senadores, os senadores costumam vir a ela.
Na frente de uma das três portas do plenário, sancta sanctorum no qual lhe é vedado ingressar, Sabrina acha o primeiro parlamentar do dia, Marconi Perillo, vice-presidente do Senado. Exceção à regra, ele arrisca passar de fininho, mas é dedurado pelo produtor Avestruz. “Olha o Marconi ali! Pega ele, ele é facinho!” Perillo dá uma de joão-sem-braço, mas antes de desaparecer porta adentro é alcançado pelos gritos de Sabrina: “Senadoooor! Não foge, não!”, ela implora. Após quase uma década de fama cultivada na ponte Rio-São Paulo, seu sotaque de Penápolis (interiorzão paulista) está muito bem conservado.
Sabrina está com 28 anos. Tem atrás de si um longo histórico como figurante. Começou aos 8, fazendo bicos em novelas do SBT. Aos 10, apareceu numa reportagem do Fantástico sobre o japonês mais velho do Brasil, de 103 anos, seu bisavô. Assim foi indo até 2001, quando aos 21 ela deu um salto na carreira: conseguiu uma vaga de dançarina no Domingão do Faustão. Não que fosse uma Margot Fonteyn. Como errava bastante as coreografias, era escalada para segurar promoções, em posição providencialmente estática. Em 2003, de volta a São Paulo, sentia-se à beira de desistir do estrelato quando, num último alento, mandou um vídeo para o Big Brother Brasil 3. Ganhou o quinto lugar e 5 mil reais pelas dez semanas de confinamento na casa. Naquele mesmo ano estreava o Pânico na TV, com Sabrina na equipe. O resto é história.
A ideia de gravar no Congresso surgiu no auge da mais recente crise do Senado, uma fase em que os vocativos “Vossa Excelência” e “Excelentíssimo Senhor Senador” passaram a se revezar com “Coronel de Merda” e “Cangaceiro de Terceira Categoria”.
Sabrina se aplicou. Acessa regularmente a internet para estudar a cara dos parlamentares e assim evitar as gafes dos primeiros dias, como chamar Flávio Arns de Roberto e Alvaro Dias de Henrique. De todo modo, se perseverasse no erro, é improvável que a banissem. Não são poucos os parlamentares que fazem fila para aparecer ao lado dela. “Não dá pra me entrevistar sobre algum assunto?”, sugere o senador suplente Jefferson Praia, do Amazonas: “É que os meus filhos reclamam todo domingo que eu não apareço no seu programa.” Ela gravou. Tem bom coração.
Sua saia curta e as pernas lisinhas inspiraram um episódio que já enfeita as grandes páginas da nossa história parlamentar. Ao ver Sabrina ajeitar delicadamente a calcinha, que estava entrando, um homem teria perdido o rumo, trançado as pernas e rolado escada abaixo. “Ah, foi isso, é?” Ela está lembrada: “Eu vi que um homem caiu na escada atrás de mim, mas passou um deputado na hora e eu não pude ajudar.”
“Sabrina, olha o Alvaro Dias ali”, cochicha Marcelo Avestruz. Ela larga a lata de refrigerante com o primeiro que vê e sai correndo, com seu rabinho-de-cavalo balançando pra lá e pra cá. (“Não me interesso por famosos”, diz um visitante do Senado, apontando o celular-filmadora na direção da moça que se afasta.)
Dias está imerso na entrevista – expressões como “estado democrático de direito”, “afronta à democracia” e “atitude republicana” saem-lhe da boca – quando outro parlamentar aponta no corredor. Sabrina não vê esse parlamentar, mas esse parlamentar vê Sabrina. Ele esboça um sorriso e diminui o passo – gesto que negará veementemente mais tarde. Alertada de que há um senador em vias de passar incólume pelo seu microfone, Sabrina pede a Alvaro Dias que espere ali – ela já volta – e sai correndo de novo: “Senador Mercadaaaante!”
Alvaro Dias, reconhecedor da importância da imprensa para o fortalecimento das instituições republicanas, ficará plantado por Sabrina durante longos nove minutos. Com senso de profissionalismo, ela retomará a entrevista do ponto em que largou, à altura das “salvaguardas democráticas”.
Aloizio Mercadante não se furta a ser entrevistado por Sabrina, pois acha que o programa Pânico na TV contribui para levar o debate político ao público jovem. Quando ela lhe pergunta se o filme Lula, o filho do Brasil será usado para fins eleitoreiros, ele lhe toma o microfone e devolve na mesma moeda: “Eu sei que você tem vindo muito a Brasília por causa de um deputado. Me diz, como pagaram a tua passagem? Foi cota de passagem de parlamentar ou ato secreto?” É do conhecimento da Casa que Sabrina namora o deputado Fábio Faria, cuja obra parlamentar de maior envergadura é ter voado ex-namoradas (como Adriane Galisteu) nas asas do contribuinte.
Cai a tarde quando Eduardo Suplicy deixa distraidamente o plenário. Ao atinar que o pequeno alvoroço à sua frente é motivado pela presença da repórter, uma nuvem sombria cobre o seu rosto. Pouco adianta Sabrina vir correndo e sorrindo em sua direção. É que antes de qualquer coisa o senador quer explicar no que foi que deu brincar de Clark Kent.
Dias antes, como se sabe, Sabrina estava atrás de um super-herói e disse a Suplicy que a ele, para Super-Homem, só faltava a sunga vermelha. Suplicy parece que concordou, porque vestiu a peça por cima da calça – Sabrina a trazia providencialmente à mão – e por uns minutos desfilou com ela pelo corredor. Além da sunga, cravou um sorriso de orelha a orelha. Ah, pra quê… O Senado é uma casa séria. Em resumo, ele teve de correr para a Rede tv! e implorar que as imagens não fossem exibidas. Foi atendido. O processo por falta de decoro foi suspenso. (Principalmente, especula-se, porque os parlamentares da Comissão de Ética preferiram não se indispor com Sabrina.)
Tudo explicado, ela se despede de Suplicy dando seu próprio testemunho sobre Lula, o filho do Brasil. Sabendo que ele é fã dos Racionais, destaca um aspecto específico: “O filme mostra que o Lula morava na periferia, só que na trilha sonora não tem nenhum rap, senador. Pode?!” Como diria qualquer historiador da música, poder até que pode, mas deixa para lá.
O que realmente não pode nem deve é Sabrina Sato abandonar o Senado. Com ela em cena, a Casa virou uma buliçosa colmeia. Gazeta é praticamente coisa do passado.