Na sala, o silêncio era total. A parte superior do crânio havia sido removida. Lá dentro, o cérebro pulsava. Parecia um animalzinho numa gruta. Ou a carne de um mexilhão aberto FOTO: PAOLO PELLEGRIN_MAGNUM PHOTOS_LATINSTOCK
Viagem ao fundo da mente
O que acontece durante uma neurocirurgia
Karl Ove Knausgård | Edição 113, Fevereiro 2016
Cheguei a Tirana, na Albânia, num princípio de noite do final de agosto, em um voo proveniente de Istambul. O sol havia se posto a meio caminho e, enquanto aterrissávamos no escuro, imagens da luz evanescente ainda ocupavam meus pensamentos. O homem a meu lado, um jovem americano ruivo que usava um chapéu de palha, perguntou se eu sabia como ir do aeroporto ao Centro da cidade. Fiz que não com a cabeça, enfiei na mochila o livro que estava lendo, levantei-me, tirei minha mala do compartimento de bagagem e, de pé no corredor, aguardei que a porta na parte dianteira do avião se abrisse.
O livro havia sido a razão daquela minha viagem. Chamava-se Do No Harm (Não Faça Mal ou Não Provoque Danos), e havia sido escrito pelo neurocirurgião britânico Henry Marsh. O trabalho de Marsh consiste em cavar buracos no cérebro, a estrutura mais complexa que conhecemos no universo, aquela que contém tudo que nos faz humanos, e o contraste entre a sofisticação extrema daquela estrutura e o que há de mais primitivo – todo aquele trabalho com facas, brocas e serras – me fascinava profundamente. Eu tinha enviado um e-mail a Marsh, perguntando se podia encontrá-lo e vê-lo operar em Londres. Cordial, ele me respondera que, hoje em dia, raras vezes opera lá, mas que com certeza poderíamos combinar alguma coisa. De passagem, mencionou que tinha cirurgias agendadas na Albânia, em agosto, e no Nepal, em setembro. Hesitante, perguntei se podia me juntar a ele na Albânia.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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