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piauí jogos

    "A identidade entre homem e curió é inequívoca", escreveu a antropóloga Flavia Motta. "O curió-valente, preparado para torneios de fibra, incorpora atributos de masculinidade", como capacidade de enfrentamento e intimidação; de certa forma, são os próprios donos que se defrontam FOTO: ROBERTO KAZ_2015

questões ornitológicas

A vida competitiva dos curiós

Como são os campeonatos que mobilizam milhares de criadores pelo Brasil

Roberto Kaz | Edição 113, Fevereiro 2016

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O sol ainda nascia quando Adevaldo Castilho chegou à Associação Desportiva da Polícia Militar, em Juiz de Fora. Parou a caminhonete sob a copa de uma árvore e abriu o porta-malas espaçoso, onde transportava dez gaiolas, cobertas com capas de pano. Desvelou uma delas, feita de madeira laqueada, lar do curió Máquina Viva. “Vou limpar a gaiola desse porco aqui”, comentou, enquanto retirava sementes e dejetos acumulados na base. Jogou a sujeira de lado e dirigiu a palavra ao pássaro: “Fica aí, comendo um pouco de navalha. Depois nóis vem pegar você.” Fechou o porta-malas.

Era um domingo, 25 de outubro de 2015, data em que ocorreria a quarta etapa do Campeonato Nacional de Fibra de Curió. Castilho usava bermuda, sapatênis de cadarço vermelho e uma camisa polo que trazia estampado o nome de uma sociedade de criadores de pássaros. Deixara a cidade de Rondonópolis, no Mato Grosso, três dias antes, percorrendo 1 600 quilômetros para garantir que Máquina Viva se mantivesse na dianteira do Campeonato. Ao chegar à Associação Desportiva da Polícia Militar – onde ocorreria o embate –, animou-se com um início de garoa: “Coisa boa. Chuva é sempre bem-vinda. Passarinho gosta.”

Entrou numa fila para apresentar a documentação exigida pelo Ibama. Cumprimentou conhecidos e passou reto por um cartaz que anunciava o sorteio de uma garrafa de uísque. Com a papelada já devidamente checada, pegou a gaiola de Máquina Viva – sempre transportada na companhia da casinhola de sua fêmea, Samantha – e adentrou a quadra poliesportiva da associação. O curió ficaria na estaca de número 29, entre os pássaros Rei do Vale e Zero Dezoito. Seu principal concorrente, Lothar – àquela altura o segundo colocado no Campeonato –, ficaria a algumas gaiolas de distância.

Castilho pôs a gaiola no chão, diante da estaca – movimento que seria feito por todos os 300 proprietários, com suas 300 gaiolas contendo 300 passarinhos de espécies variadas. Ao aviso de que faltavam cinco minutos para o início do evento, tratou de erguê-la com as duas mãos, admirá-la e, depois de uma breve pausa, pendurá-la no pedaço de ferro. “Bora, bebê, chegou o dia da competição”, disse ao pássaro.

 

O curió é uma ave pequena, de 13 centímetros, cuja plumagem, insossa, varia entre o pardo (no caso da fêmea) e o preto com castanho (no caso do macho). Na natureza, tende a levar uma vida solitária, em brejos, à base de semente de tiririca e de capim-navalha. Ocupa uma área que vai da Venezuela ao sul do Brasil, passando por Colômbia, Equador, Peru e parte do Paraguai. Não corre risco de extinção.

Para além da coloração, macho e fêmea de curió apresentam outra importante disparidade. A fêmea, quando muito, pia. Os machos se esgoelam como Kurt Cobain no auge do Nirvana. O ornitólogo Luiz Pedreira Gonzaga, especialista em bioacústica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que o canto é uma característica sexual secundária – como a barba no homem –, que surge com a chegada da puberdade. Ou seja: na infância, o pássaro, não importa qual seja o sexo, permanece calado.

À luz desse fato, Gonzaga sugere que num passado remoto, macho e fêmea de curió – ou das espécies que levaram ao curió – não necessariamente cantassem. A igualdade mais tarde exigiria que um dos sexos inventasse um mecanismo de sedução. Como a fêmea costuma depositar energia na produção do óvulo, no trabalho de chocar o ovo e na criação do filhote, a obrigação do galanteio acabou recaindo sobre o macho, como tende a ser regra entre as aves.

Tal processo, batizado pelo naturalista inglês Charles Darwin de seleção sexual, também resultaria na cauda espalhafatosa do pavão, na juba peluda do leão ou no bíceps de 45 centímetros de Thor Batista. Por pertencer à ordem dos passeriformes – grupo de pássaros que tem o órgão vocal extremamente desenvolvido – a energia do curió acabou sendo empregada no canto. Um macho piou. Um segundo piou duas vezes. O terceiro piou três, o quarto piou quatro, e assim por diante, ao longo de milhões e milhões de anos. A competição fez surgir um canto melodioso, rico em frequências, dinâmicas e notas.

Há hoje, no Brasil, 128 cantos de curió catalogados, fora centenas de outros ainda desconhecidos, entoados por animais que vivem no mato. Os cantos têm nomes: Vivi-tetéo, Vovô-víu, Paracambi, Praia Grande – e variam de acordo com a região, como se fossem sotaques. Servem para seduzir a fêmea, demarcar território e, cereja do bolo, prevenir a altercação entre machos. “O confronto físico é sempre a última opção, na natureza”, explicou-me Luís Fábio Silveira, curador das Coleções Ornitológicas do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. “É assim com os chifres do veado, que o protegem de predadores, mas também intimidam outros machos. Já as aves evoluíram para que o canto fosse o mediador do conflito.” O canto do curió, portanto, está mais para grito de guerra do que para ária de Villa-Lobos.

Num artigo publicado em novembro de 2014 na revista Passarinheiros & Cia, o criador Aloísio Tostes – referência na área – escreveu que o curió “é por excelência um pássaro de instinto belicoso, territorialista, monogâmico”, e que, para o macho, “a fêmea e os filhotes são seu patrimônio”.

É por isso que Máquina Viva roda o país dentro de uma gaiola, com Samantha a tiracolo, desafiando os semelhantes.

 

No Brasil, existem duas modalidades de competição de curió. A mais erudita, por assim dizer, é a categoria canto. Nela, o pássaro se apresenta individualmente, ao longo de cinco minutos, sob o olhar de dois juízes que lhe avaliam o timbre da voz, a evolução da melodia e a métrica das notas. No canto do tipo Praia Grande Clássico – o mais comum dentre os 128 catalogados –, o curió é obrigado a pronunciar “Ti tu-í, té té, quim quim tói, té té, tué tué, / Quim quim, té té, uil uil, té té, quim quim tói, té té, tué tué” com a precisão de uma partita de Bach. Um canto perfeito costuma ser ovacionado com gritos de “Bravo!”. Um “té té” no lugar do “tué tué” é o fracasso.

Campeonatos de canto Praia Grande ocorrem a cada quinze dias em cidades do Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. São regionais; depois de cinco meses, os melhores pássaros de cada federação se encontram num fim de semana, em meados de dezembro, para o Torneio dos Campeões. Premia-se em dinheiro o primeiro colocado.

“Canto é um concerto de música clássica; tem que ter silêncio absoluto”, explicou-me Fernando Chaves, cujo curió, Carbono, foi campeão carioca de canto em 2014. Para a segunda modalidade – a disputa de fibra, da qual participa Máquina Viva –, ele reserva vocabulário mais mundano: “É banda de rock, UFC, porradaria, submissão, imposição de território.” A diferença se faz sentir também nos nomes. Alcunha de curió de canto, em geral, parece saída de poema parnasiano: Arco-Íris, Dengoso, Flautinha, Flor do Dia, Prelúdio, Ouro em Pó, Diamante. Nome de curió de fibra está mais para apelido de traficante: Bancário, Cueca, Combate, Comandante, Chifrudo, Presidente, Striptease, Tufão. A exemplo dos pássaros, os proprietários das duas modalidades não se bicam.

A categoria fibra é a que move as massas de homens entre a terceira e a nona década de idade. Nela, dezenas de gaiolas são penduradas em estacas de 1,50 metro de altura, organizadas lado a lado, em roda, com a distância de um palmo entre uma e outra. Os pássaros assim permanecem por três horas – algo como a partida preliminar, em que os mais fracos são retirados pelos próprios donos à medida que param de cantar (a desistência é vexatória, mas previne o vexame maior de insistir e acabar vendo o bicho desfalecido, por não aguentar tanto esforço).

É só então que os remanescentes, fortes de espírito, passam a ter o canto computado. Um avaliador se coloca diante de uma gaiola – e, com um cronômetro em mãos, passa a marcar quanto o pássaro canta num intervalo delimitado (a semifinal dura dez minutos; a final, quinze). O vencedor da etapa ganha 30 pontos. O segundo colocado, 29, o terceiro, 28 – e assim por diante, até o trigésimo lugar. Não importa a nota, a melodia, o andamento, a repetição, a métrica, a altura, o intervalo, o timbre, o “té té”, o “tué tué” ou nenhum outro detalhe. O passarinho canta um pouco. Para. O tempo do trinado é cronometrado. Volta a cantar, e volta a contabilizar. Assim até o limite de dez ou quinze minutos. Ganha aquele que soma mais minutos cantados – e ponto final.

Num estudo publicado em 2008, a antropóloga Flávia de Mattos Motta, professora da Universidade do Estado de Santa Catarina, analisou o campeonato de fibra de Florianópolis (a atividade é tão presente na capital catarinense que existe um local voltado unicamente às disputas, o Curiódromo da Ilha). “A identidade entre homem e curió é inequívoca”, ela escreveu. “O curió-valente, preparado para torneios de fibra, incorpora atributos de masculinidade extremamente valorizados nesse contexto: valentia, fibra, poder e capacidade de enfrentamento e intimidação.” Evocando o exemplo das rinhas de galo, sugeriu que “também nos torneios de curió são os homens que se defrontam”. O desempenho do pássaro, concluiu, “repercute sobre a identidade, e particularmente sobre a masculinidade do próprio dono”.

Para Castilho, no entanto, a explicação é mais simples: “Isso é uma cachaça.”

 

O Campeonato Nacional de Fibra é organizado pela Confederação Brasileira dos Criadores de Pássaros Nativos, a Cobrap. Ocorre de agosto a dezembro, em cidades de São Paulo, Minas, Goiás e Mato Grosso do Sul. O criador que almeja o ouro deve dispor de tempo e dinheiro para levar seu curió (e a respectiva fêmea) de carro para todas as localidades. Por morar no Mato Grosso – estado que nem sequer integra a lista de etapas –, Adevaldo Castilho costuma se definir como o criador que mais investe no campeonato. “Só de petróleo gastei uns 1 500 contos para chegar aqui”, contou-me quando o encontrei em Juiz de Fora. Em 2014, ano em que Máquina Viva foi campeão, sem que no entanto recebesse qualquer prêmio em dinheiro, “foram 22 mil reais”, ele disse.

Com o curió devidamente alocado na estaca, Castilho deixou o ginásio. O lado de fora lembrava uma feira, com barracas vendendo gaiolas, ração e discos de pássaros laureados (O Canto do Curió Cyborg, O Canto do Curió Ana Dias, O Canto do Bicudo Black Bill). Havia também um estande do Criadouro Realengo, de Goiânia, que negociava machos de curió por 2 mil reais, e de bicudo por três vezes mais.

Castilho parou numa barraca de comida, lotada, que oferecia pão com carne às nove da manhã. “Cerveja?”, perguntou a vendedora. “Não, depois vou pegar a estrada”, explicou, recusando a oferta. “Ah, na companhia de Deus então”, a moça disse. “Claro! Ele me acompanha o tempo todo, a cada curva”, respondeu, animado. Comeu o sanduíche e foi observar o curió Picasso Filho e os bicudos Caipira e Coliseu – cantores de menor importância, que ele também havia trazido no bagageiro do carro (cada inscrição custa 50 reais).

O torneio daquele domingo também contava com bicudos, coleiros e trinca-ferros – pássaros com algum grau de parentesco com o curió. Cada qual disputava em sua respectiva categoria, mas todos ao mesmo tempo, no mesmo espaço, como se AC/DC, Led Zeppelin, Black Sabbath e Tetê Espíndola cantassem quatro músicas, simultaneamente, em um só palco. O resultado – uma algazarra aguda, uniforme e contínua – era extremamente desconfortável. O ornitólogo Luís Fábio Silveira, da usp, diz que os animais ficam estressados nessas competições, mas não a ponto de que a prática configure maus-tratos: “Você anda no Jardim Botânico, no Rio, e ouve os passarinhos disputando território. É assim na natureza.”

Às 11h20 começou a marcação do tempo. Na falta de juízes em número suficiente, os próprios criadores se encarregaram de cronometrar uns aos outros. De forma aleatória, Castilho distribuiu os aparelhos – que lembram uma máquina de cartão de crédito, mas com uma luz vermelha, na ponta, que dispara a cada vez que o tempo é marcado. Encarregou-se de cronometrar a performance do curió Dalai Lama, e incumbiu seu amigo Fernando Mosquim, dono do curió Harmonia, de marcar Máquina Viva. Durante os quinze minutos seguintes, os homens permaneceram inertes, de cronômetro na mão, olhando fixo para a gaiola qual adolescentes numa corrida de autorama.

Deu-se o apito final. O criador Cícero Cavalcanti, dono do curió Confusão, explodiu para cima de Fernando Mosquim, a quem acusou, aos berros, de favorecer Máquina Viva: “Você sabe o que você fez, Fernando! Não tirou o dedo quando o bicho parou de cantar! Estou cansado desse seu jogo com o Castilho!” Mosquim se defendeu, também alterado: “Meu pai me ensinou a ser homem!” Um espectador que acompanhara a cronometragem interveio em sua defesa, acalmando os ânimos. Castilho manteve distância.

Dali a cinco minutos, um juiz anunciaria os resultados. Lothar ficaria em primeiro, cantando mais de dez minutos. Dalai Lama seria o segundo. Máquina Viva, que vinha de três vitórias seguidas – em Ribeirão Preto, Contagem e Campo Grande –, teria de se contentar com a quinta colocação em Juiz de Fora. “Competição é isso mesmo, meu irmão. Ainda estamos na frente no Campeonato”, ponderou Castilho, algo decepcionado. Levou o passarinho de volta ao carro e tocou para Rondonópolis.

 

Adevaldo Castilho é um homem magro e calvo de 55 anos, que estudou até a 4ª série do fundamental. Nasceu em Nhandeara, município paulista de 11 mil habitantes, de onde guarda o sotaque interiorano (“falta” é farta, “mulher” é muié, “bom” é bão). Foi criado pela mãe, trabalhou na roça catando algodão, diz ter sofrido “que nem sovaco de aleijado”. Teve três filhas no casamento, e mais uma dupla da época em que era solteiro.

Fez bico em bar e padaria, até que, adulto, comprou um pequeno caminhão. Levava semente de capim para o Norte e, na volta, trazia madeira para revender em São Paulo. Ganhou algum dinheiro, chegou a comprar uma segunda carreta. “Era um caminhãozinho bão, da Mercedes”, lembrou, saudoso. “Tinha pneuzada Michelin, tudo calota nas roda, bunda pra cima, carroceria Facchini. Todo mundo babava.”

Aos 40 anos, mudou-se com a família para Rondonópolis, cidade de 200 mil habitantes no sul do Mato Grosso. O convite viera do seu irmão, José Castilho, que começara a vida como leiteiro, mas depois vendera as vacas, o trator e o sítio para abrir uma funerária. “Eu precisava de uma cidade maior para as crianças”, justificou Adevaldo. Abriu mão do caminhão e dos quarenta canários que criava por hobby em Nhandeara, e associou-se ao irmão para fundar um plano de saúde popular. “Fiquei tocando o plano. A parte de defunto continuou com o meu irmão”, explicou.

Foi também nesse período que se tornou passarinheiro profissional. José Castilho era dono de um criatório, o Três Poderes, onde chegou a ter 386 bicudos e curiós. Com a chegada de Adevaldo, decidiu se dedicar apenas ao bicudo – pássaro maior, mais vistoso e bem mais cobiçado no mercado aviário. Acabou deixando a criação de curió, assim, a cargo do irmão. “Eu criava canário e azulão desde moleque, em gaiolinha de bambu”, explicou Adevaldo. “Mas com curió foi uma paixão. Com 60 dias de vida você já vê o passarinho cantando.”

Em 2009, Adevaldo Castilho encarou o primeiro campeonato. O curió se chamava Atrevido: ficou em quarto lugar numa disputa em Primavera do Leste, cidade do Mato Grosso. Depois vieram uma ou outra taça com o Sombra, o Pepe e o Portinari. Em 2010, foi vice-campeão nacional com o curió Beethoven. “Comprei por 35 mil, vendi por 80 mil reais”, contou. Em 2014, Máquina Viva o fez chegar, afinal, ao topo do pódio.

Hoje Castilho tem caminhonete importada e casa própria, bem cuidada, próxima da funerária. Segue a doutrina kardecista, fato evidenciado pelas imagens de Allan Kardec, Chico Xavier, Bezerra de Menezes e Jesus Cristo pregadas na parede da sala. A mulher, Marlucia Teixeira Castilho – que aos 12 anos trabalhava como empregada doméstica – acaba de completar a segunda faculdade, de psicologia. Ela diz ter implicado muito com o que chamou de “dependência” do marido, a ponto de exigir que ele vendesse a coleção de pássaros. “Ele até achou comprador, mas aí pensei: ‘E vai fazer o quê depois?’”, contou. Acabou desistindo. “E foi a melhor escolha”, prosseguiu. “O Adevaldo é uma pessoa ansiosa, e o trabalho com os passarinhos, que é minucioso, o acalma. Entendo como um processo terapêutico, em que ele desestressa, gasta as energias.”

Castilho cuida de uma centena de curiós. Deles, apenas Máquina Viva e Samantha têm o direito de pernoitar dentro de casa. Dormem na cozinha, sobre a geladeira, ou na despensa, em cima do armário. Quando cai a madrugada, morador nenhum da casa pode acender a luz, para não atrapalhar o sono dos pássaros. “Não deixo o Máquina sozinho. Pra onde eu vou levo ele”, justifica. “O bicho escuta a minha voz e começa a cantar. Ele tem duas muié, a Samantha e eu.”

 

Numa quinta-feira, em meados de novembro, visitei Castilho em Rondonópolis. Ele usava seu uniforme básico: mocassim, bermuda jeans e camiseta (de estampa rosa, com a frase “I love Rio”). Era cedo; acabara de pendurar as gaiolas de Máquina Viva, Picasso Filho e Baraúna Filho do lado de fora da funerária. Havia um quarto curió, ainda filhote, em quem ele pretende apostar em 2016. “É o Brinquedo”, apontou. “Tá trocando o bico. Dei um pouco de Cataflam no capim-navalha para anestesiar a dor.”

Passou por um estoque com mais de 100 caixões, e continuou para o 3º andar, onde cria os curiós. “Essa fêmea aqui é a Malibu, a mãe do Máquina”, mostrou, garboso. “E essa é a Malu 47. Tá fazendo um ninho bonito, ó.” Seguiu passando em frente aos curiós Mortadela, Procurado, Montana e Bruce Lee, e parou diante de um passarinho doente, ainda sem nome. “Tá com a barriga inchada. Vou até pegar ele para dar um remédio”, explicou, enquanto tirava o bichinho da gaiola e lhe abria o bico. “Abre a boca, rapaz! Engole!”, ordenou. Para ajudá-lo a deglutir a pílula, passou água no dedo e deixou pingar no bico aberto.

Desceu para mostrar a funerária – que serve de sede, também, ao plano de saúde. Levou-me à principal sala de velório, que tem luz verde no teto e câmera conectada à internet para transmitir a cerimônia online. Mostrou-me um botão: “Você aperta, a porta abre e entra a urna com o ente querido na sala. A porta depois fecha, e cai uma chuva de pétalas de rosa.” Ele e o irmão cobram de 800 e 20 mil reais pelo serviço (caixão incluído).

José Castilho estava no terraço, preenchendo um diagrama de palavras cruzadas. Ele tem um biotipo que costuma ser regra entre criadores de pássaros: é baixo, largo e dono de uma barriga sólida, imponente, que se apresenta ao mundo 20 centímetros antes do resto do corpo. Usa colar e pulseira de ouro, abotoa a camisa abaixo do peito, conta piada de temática homossexual. Cria chihuahuas (tem três: Princesa, Potrica e Sultão).

Os dois tomaram café, e Adevaldo seguiu para o escritório, onde havia uma cabeça empalhada de cabra e um porta-caneta em formato de caixão. Na companhia de um assistente, passou a checar a lista de curiós, número por número, para dar baixa nos que haviam morrido ou sido transferidos.

“662 317?”, perguntou o auxiliar.

“Tá aqui”, respondeu Castilho.

“662 422?”

“Também”, disse o criador.

“599 896?”

“Tá na minha relação. É a fêmea do Máquina.”

O telefone tocou. “Ô, mermão!”, respondeu. “ conferindo passarinho por passarinho porque o Ibama tá na Barra [do Garças, cidade do Mato Grosso]. Tão metendo o ferro, já multaram em 8 mil reais.” Ao desligar, comentou: “Eles querem mandar bala pra você fechar. É uma praga, um câncer.”

 

A captura de pássaros no Brasil correu a torto e a direito desde a chegada dos portugueses. “Animais engaiolados eram um troféu na era das navegações”, lembrou Miguel Bernardino dos Santos, analista ambiental do Ibama. “Representavam o raro, o exótico, aquilo que não podia ser comprado.” A prática, que perduraria até o século XX, só começaria a mudar em 1998, com a aprovação da Lei de Crimes Ambientais, que proibiu “matar, perseguir, caçar, apanhar e utilizar” animais silvestres sem a permissão do Ibama.

A partir de então ficou estabelecido que apenas pássaros nascidos em cativeiro poderiam ser registrados. Mais do que coibir a caça, no entanto, a lei jogou milhares de curiós na ilegalidade. “No Sudeste, os bichos até nascem em cativeiro, mas na região Norte muitos ainda são capturados”, explicou-me Roberto Cabral, chefe de fiscalização do Ibama. “Esses animais são ‘esquentados’ para que possam participar de torneios.”

A prática funciona da seguinte forma: um criador informa ao Ibama que um número “x” de curiós nasceu em seu cativeiro (sem que tenha nascido); recebe então um número “x” de anilhas – a carteira de identidade da ave, que deve ser colocada em sua perna nos primeiros dias de vida. “Uma máquina aumenta o diâmetro da anilha, para que ela entre na perna do animal adulto, que foi capturado”, continuou Cabral. “Metade dos curiós registrados como nascidos em cativeiro ainda tem origem na natureza.” (Em 2013, o criador Mauro Gilberto Franco Marques, presidente da Cobrap, foi multado em 280 mil reais por falsificação de anilha, posse de ave não documentada e registro de animal que não estava no local. Ele abriu duas ações contra o Ibama na Justiça Federal de Brasília. Alega que a medição das anilhas foi feita de forma inadequada, e que os animais ausentes haviam morrido devido a uma doença. As ações ainda não foram julgadas.)

Dos 25 mil pássaros apreendidos pelo Ibama em 2010, cerca de 3 500 eram curiós. Foi a segunda ave mais traficada no país, atrás apenas do canário-da-terra. A partir de 2011, quando foi sancionada a lei complementar nº 140, o controle da fauna passou aos estados. Houve vantagens, pois o Ibama não tinha fiscais suficientes para trabalhar em todo o país. Mas houve também um retrocesso político. “Os criadores têm conseguido chegar às assembleias legislativas de uma forma muito mais ágil”, explicou Cabral.

Em 2015, o deputado distrital Wellington Luiz, pelo PMDB, apresentou um projeto de lei sobre a criação de aves no Distrito Federal. Propunha que a fiscalização fosse feita com agendamento, e que, durante o ato, os agentes não pudessem manusear os animais. Um parecer do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal apontou que 75,3% do que era proposto facilitava “a execução de atividades que podem camuflar o tráfico”. O projeto foi aprovado. “A gente recuou na proteção da fauna uns quinze, vinte anos”, lamentou Cabral. (No Congresso Nacional, a classe é representada pelos deputados Nelson Marquezelli, do PTB de São Paulo, e Valdir Colatto, do PMDB de Santa Catarina, que comandam a bancada Eco-Passarinheira.)

O Brasil tem hoje 74 criadouros comerciais e 123 mil criadouros amadores de curiós. Criadouros comerciais têm autorização para vender os animais. Criadouros amadores – como o de Castilho – só podem permutar. Ainda assim, as negociações correm soltas durante os campeonatos. Um curió, não raro, ultrapassa o valor de 100 mil reais. Sebastião Farias, vice-presidente da Cobrap, disse que o preço é especulativo, para que um criador possa valorar seu animal (de forma que troque um bicho avaliado em 50 mil reais por cinco avaliados em 10 mil, por exemplo): “Permuta eu vejo muito, caso contrário não tem melhoramento genético. Mas dinheiro, não.”

Roberto Cabral discorda: “De amadora, a criação não tem nada. Esses criadores ganham muito dinheiro à margem do sistema tributário.”

 

Na madrugada de quinta para sexta-feira, 19 de novembro, Castilho deixou Rondonópolis, dessa vez rumo a Anápolis, em Goiás, onde ocorreria a sexta etapa do campeonato. Encontrei-o às 4h50 na funerária. “Tô acordado desde 2h30”, contou, enquanto colocava seis gaiolas no porta-malas e no banco de trás do carro. Acendeu duas lâmpadas de luz fria para iluminá-las durante a viagem. “Assim o passarinho não se perde do poleiro”, explicou.

Passamos em frente a uma boate. “Meu amigo, olha lá a muiezada”, comentou animado. Já na estrada, apontou para uma ocupação de trabalhadores sem-terra: “Ó os pessoal do PT.” Ao atravessar um trecho sinuoso, relembrou a vida de caminhoneiro: “Essa serra aqui já matou muita gente, fio. Eu tinha um punhado de amigo, o Nivaldo, o João, o Juscelino. Morreu quase tudo de acidente.”

Palestrou por uma hora sobre a doutrina kardecista, contando como uma vida virtuosa leva a uma reencarnação privilegiada – e como o oposto deságua em penitência à alma. “Por que você acha que o sujeito nasce na Etiópia?”, questionou, exemplificando a tese. Perguntei-lhe se engaiolar pássaro não poderia gerar o mesmo tipo de castigo. “Passarinho não conta”, desconversou.

Chamou atenção para um diálogo entre Máquina Viva e Samantha: “Ó a fêmea pedindo gala. Ó como ele pia e ela responde.” Pôs-se a falar do curió. Duas semanas antes, Máquina Viva voltara a ganhar uma etapa do Campeonato Nacional em Santo André, município da Grande São Paulo. Castilho também o levara a uma disputa regional, em Rio Verde de Mato Grosso, “só pra dar ritmo no curió”. Contou que o bicho, nascido em dezembro de 2011, começara a carreira num terreno baldio, na esquina da funerária. “É onde o pessoal leva os passarinhos para treinar.”

A estreia oficial foi em agosto 2014, na abertura do Campeonato Nacional, em Campo Grande. “Tinha mais de 100 curiós, ele ficou em primeiro lugar”, relembrou. Dois meses depois, na véspera de uma etapa em Goiânia, sua fêmea, Malu 32, foi devorada por um gavião sob o olhar assustado do pássaro. “Deixei os dois pegando sol na varanda do hotel”, relembrou Castilho. “Quando voltei, a gaiola da Malu estava arrebentada. Só ficou a cabeça dela.” Deu graças a Deus pelo curió devorado não ter sido o macho – e, como o show não pode parar, tratou de pareá-lo às pressas com Manuelina Neta, que até então acompanhava outro pássaro. Naquele fim de semana, Máquina Viva teve o pior desempenho de sua vida. Ficou em 13º lugar.

Em dezembro de 2014, após sagrar-se campeão do torneio nacional, o curió recebeu como prêmio a perda da virgindade. Cruzou com uma fêmea que nunca vira, chamada Bafana. “O filho deles é arisco. Não sei se vai cantar bem, mas genética tem”, diz Castilho. Foi colocado depois em companhia de sua atual consorte, Samantha. Vivem em gaiolas contíguas. A dele, de madeira fina, adornada com miniaturas de curió em aço, custou 1 200 reais. A dela, de madeira mambembe, ficou por um quinto do valor. O casal passa a vida colado, fitando-se um ao outro como Romeu e Julieta durante o baile – sem jamais, no entanto, cruzar as grades. “Curió quando gala perde o interesse na fêmea”, justificou Castilho. “E é a fêmea que deixa o passarinho pronto. O bicho vai pra roda pra defender ela.”

No fim da tarde de sexta, percorridos 800 quilômetros de estrada, chegamos a Anápolis – terra do curió Lothar, que ocupava o segundo lugar no Campeonato Nacional. No domingo, Máquina Viva foi levado a um ginásio com mais de 100 machos. Havia um Tonelada, um Porrete, um Pesadelo, um Massacre, dois Loco Abreus e, claro, o desafiante, Lothar.

Vamo, Máquina! Sobe, Máquina! Vamo, rapaz! Vamo, vamo, vamo!”, gritava Castilho durante o embate. “Bora, retomada. Retoma o canto, rapaz! Bora, rapaz! Tá olhando o quê? O quê? Dá outra dessas, bebezinho! Abre o bico, rapaz!” O curió alcançaria apenas o sétimo lugar. Para sua sorte, Lothar ficaria em sexto.

“Meu bebê, como você faz isso comigo?”, suplicou Castilho, diante do resultado. “Mas tá bão, perdeu um ponto só, ainda tem oito de vantagem. Vamo recuperar em Ribeirão.”

 

Curiós passam metade do ano em muda de penas, período em que permanecem calados, se aprumando para a cópula, e metade do ano à procura de fêmeas, se esgoelando – é nessa época, que vai de agosto a dezembro, que ocorrem as competições de fibra e de canto.

Em meados de dezembro, uma fazenda num subúrbio do Rio de Janeiro serviu de sede ao Torneio dos Campeões, a final nacional do campeonato de canto. Havia cinquenta curiós, nove juízes vestidos de preto e duas câmeras apontadas para uma única estaca – onde cada pássaro tinha cinco minutos para se apresentar. Foi pedido aos participantes que desligassem os telefones.

O ambiente era bastante diferente do que se vê – e se ouve – nos torneios de fibra. As conversas, em tom comedido, versavam sobre andamento, dinâmica, respiração, problemas nas notas. Por volta de 8h30, quando o curió Sinatra Jr. findou sua performance – colhendo uma salva de palmas –, seu criador, Raphael Almeida do Amaral, ficou com os olhos marejados. “Marmanjo desse tamanho chorando”, comentou sobre si mesmo, enquanto era cumprimentado. O campeão da categoria “Curió Preto com Repetição” – a que exige mais erudição do pássaro – foi Guga Filho, do empresário paulista Luiz Carlos Escalante. Aflito, o empresário de 64 anos preferiu passar os cinco minutos da apresentação longe dali, trancado no carro. Pela conquista, ganharia 22 mil reais.

Cinco dias após a vitória, visitei Escalante na sede da sua empresa, que vende ferro e aço na cidade de São Paulo. Recebeu-me de chinelo, bermuda e camisa regata numa sala com cerca de vinte troféus conquistados por seus pássaros. Guga Filho cantava sozinho, numa gaiola de madeira discreta, na sala ao lado. “Ó o Guga cantando. Ó a batida descendente”, apontou, enquanto se sentava.

Pedi que me contasse sua história. Assim como Castilho, Escalante estudou até a 4ª série do fundamental. Catou lata na rua, fez bico num bar e foi contratado, aos 14 anos, como ajudante geral numa indústria de para-choques. Dez anos depois, abriria seu próprio negócio, que hoje tem 35 funcionários.

Começou a criar passarinho na adolescência, mas foi em 1994, quando tinha 41 anos, que o curió Curumim do Vale deu-lhe o primeiro título de peso (do Campeonato Brasileiro de Canto que, apesar do nome, é disputado apenas em São Paulo). Em 2006 veio o segundo troféu – com o Luau do Vale – e, em 2015, a sagração máxima, com Guga Filho vencendo o Brasileiro e o Torneio dos Campeões.

Comprou Guga Filho em novembro de 2014, de um criador amador, por 50 mil reais. O pássaro tinha 2 anos; fora criado sob a tutela musical dos curiós Ana Dias e Cyborg, então já falecidos (a categoria canto movimenta uma pequena indústria fonográfica, com a gravação de pássaros lendários). Sob a guarda de Escalante, Guga Filho passou a ouvir um disco com o canto do curió Luau do Vale. “As notas são iguais”, explicou. “O que muda é a entonação, o andamento, a voz nasalada.”

Para que aprenda à perfeição, um curió de canto tende a ser instruído desde cedo por gravações de pássaros lendários – que são repetidas de hora em hora, num aparelho de som, para que o pupilo não entoe uma única nota fora da norma.

Já para o curió de fibra, o sucesso depende de um único elemento: a fêmea. No artigo publicado na revista Passarinheiros & Cia o criador Aloisio Tostes enumerou os passos necessários à aproximação do casal. De início, escreveu, a fêmea deve ficar a 2 metros de distância, sem contato visual, para que reconheça o macho pela voz. “Em seguida, através de um buraco de 5 centímetros no centro do separador, deixe que eles se vejam pela primeira vez, sempre cada um em sua gaiola. Se a reação do macho for estourar, galanteando a fêmea, é um bom sinal; demonstra que, à primeira vista, ele gostou dela.”

A fêmea, claro, também precisa se enamorar do varão. “Os dois terão que se amar, e assim irão, daí para a frente, iniciar a troca de sinais de carinho que vão se intensificando com o passar do tempo”, continuou Tostes, no texto. “Pássaro bom, valente, de boa genética, satisfeito com sua fêmea, é a segurança de bons resultados.”

 

No domingo, 20 de dezembro, Adevaldo Castilho voltou a repetir seu ritual dos dias de competição. Acordou às 5 horas, colocou Máquina Viva no porta-malas do carro, deixou o hotel em que estava hospedado, chegou cedo ao local da disputa, estacionou debaixo de uma árvore. Estava acompanhado da esposa, Marlucia, e do irmão, José – que o haviam acompanhado a Ribeirão Preto, onde ocorreria a última etapa do Campeonato Nacional. Máquina Viva tinha oito pontos a mais que Lothar.

“Pra mim não importa se ele vai ficar em primeiro hoje. Quero que saia campeão”, contou Castilho, animado, enquanto limpava a gaiola do pássaro. Na semana anterior, regalara o bicho com cinco galadas. “Foi pra segurar a muda de pena e dar uma animada. Você, quando faz amor, não anima?”, perguntou, sorrindo. “Passei ele só em fêmea top. Na Malu 37, na Malu 08, na Malu 680, na Malibu Filha e na mãe dele, a Malibu” (o incesto é comum em animais de raça; Máquina Viva, por exemplo, é neto e bisneto do mesmo pássaro). Samantha acompanhou a orgia à distância, engaiolada.

Pegou a gaiola com o braço direito e deu o esquerdo a Marlucia, que o acompanhou, qual primeira-dama, à estaca sorteada. Colocou Máquina Viva entre os curiós Cambaratiba (“É daqui de Ribeirão”) e Confusão (“Esse eu sei que é bom”). Respirou fundo e, com a voz serena, rogou ao pássaro: “Bora, meu rei, chegou a hora. Vamos fazer o que você sabe?” Depois levou Samantha a uma sala separada, onde ela aguardaria o final do embate na companhia de outras 400 fêmeas de curió, bicudo, coleiro e trinca-ferro.

Como o número de curiós ultrapassasse a centena, ficou estabelecido que metade seria eliminada numa primeira rodada. Às 9h50, iniciou-se a cronometragem. Castilho marcou o tempo de Confusão. José e Marlucia acompanharam a cantoria de Máquina Viva, que passou à etapa seguinte com a marca de 7’21”. Um homem jogou o regulamento no chão ao saber que seu curió ficara a um posto de se classificar.

Ao meio-dia, o chefe de roda chamou os participantes para a etapa final. Decidiu que a mesma pessoa – um criador conhecido como Alemão – marcaria o tempo de Máquina Viva e Lothar, em duas rodadas de quinze minutos. Castilho foi incumbido de cronometrar o curió Capiau. Seu irmão, José, colocou-se mais uma vez diante de Máquina.

Bora, magrinho! Toicinho de porco, bora! Bora, rapaz, bora, guri! Retoma! Acorda! Toicinho de porco!”, grita José Castilho, enquanto uma dezena de curiosos se aglomera às suas costas. “Pega, meu filho! Perdeu tempo demais!”, continua, passando a mão na testa, em tom suplicante, ao reclamar da longa pausa feita pelo curió. “Toicinho de porco, vambora!” Ao final da marcação, Máquina Viva cantaria por 9’37” – tempo suficiente para colocá-lo entre os primeiros lugares.

José Castilho acende um cigarro. Adevaldo corre para o carro e volta vestindo uma camisa com a foto de Máquina Viva e a frase “Bicampeão Brasileiro – Pelé dos Curiós”. Dá um grito: “Ah, isso é maravilhoso!” Recebe um elogio de Francisco Leão, o Tio Chico, vice-campeão de 2014: “Você sabe que eu falo na cara. Curió melhor que o teu não tem.” Ri, é abraçado, posa para fotos. Atende ao telefone: “O Lothar está cantando ainda, mas não tem como perder”, informa (o desafiante ficaria em segundo lugar, com o tempo de 9’25”). Ao final da marcação, cumprimenta Luiz Honorato, o dono de Lothar.

São 12h45 quando Castilho recolhe a gaiola. “Parabéns, parabéns. Esse é o bicampeão brasileiro!”, fala para Máquina Viva, enquanto o leva de volta ao carro. “Ô, meu garoto, tua esposa já tá aqui”, anuncia, ao abrir o porta-malas. O curió pia. “Pode falar para ela que você ganhou. Faz a alegria dela agora”, incentiva. Troca a água do passarinho, fecha o bagageiro e dá partida no carro. Ele, a esposa, o irmão, Samantha e Máquina Viva ainda teriam 1 100 quilômetros de chão até chegar em Rondonópolis.