ANDRÉS SANDOVAL_2018
Youtuber de oposição
Felipe Neto toma partido contra Bolsonaro
Tiago Coelho | Edição 147, Dezembro 2018
Bonecos de super-heróis decoram o salão de visitas e brinquedos da Disney enfeitam o escritório da Netoland, a mansão de 971 metros quadrados do youtuber Felipe Neto na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, avaliada em 6,5 milhões de reais. Aos 30 anos, ídolo de crianças e adolescentes, ele parece viver na Terra do Nunca de Peter Pan. Nas últimas eleições, entretanto, tomou uma decisão nada pueril. Resolveu se posicionar publicamente contra Jair Bolsonaro. “Sempre fui, sou e sempre serei #EleNão”, disparou no Twitter em 26 de setembro – mais tarde, apagou a mensagem.
Neto tinha com que se preocupar ao tomar tal atitude. Entre os canais de youtubers, o seu é o segundo maior do país em número de pessoas inscritas: 27 652 865 (o piauiense Whindersson Nunes é o recordista, com 32 694 572). O total de inscritos no canal de Neto é mais que o dobro dos votos recebidos por Ciro Gomes, do PDT (13 344 371), e pouco menos que os obtidos por Fernando Haddad, do PT (31,3 milhões), no primeiro turno. Somadas as inscrições no seu canal, no de seu irmão Luccas Neto (20 996 261) – também youtuber e habitante da Netoland – e no canal que ambos fazem juntos, o Irmãos Neto (11 763 895), chega-se a mais de 60 milhões de seguidores.
É tão grande a influência exercida pelo youtuber no público infantil que, no último ano, um dia após anunciar que a Neto’s – sua franquia de quiosques de coxinhas (o salgado, claro) – iria patrocinar o Botafogo, o número de camisas infantis vendidas nas lojas do clube aumentou 500%. O canal Botafogo TV, no YouTube, saltou de 57 mil para 95 mil inscritos.
Neto despontou na internet há oito anos. Encarnava a figura do jovem cri-cri e ficou conhecido por reclamar de tudo e de todos em seus vídeos. Cinco anos atrás deu uma guinada. Passou a transmitir um conteúdo mais leve e adotou uma persona menos irritadiça, atraindo a atenção de crianças e adolescentes no YouTube, com vlogs sobre curiosidades, como “as montanhas-russas mais insanas do mundo”, ou sobre sua vida pessoal, como o dia que pulou pela primeira vez com seu cachorro na piscina. Às vezes recorre aos vídeos para desmentir notícias falsas a seu respeito, mas nessa nova fase raramente lança mão deles para debater política.
No Twitter, porém, costuma se dirigir a gente de todas as faixas etárias e até pouco tempo fazia furiosas críticas ao PT. Sobre a prisão de Lula, por exemplo, tuitou: “Foi condenado em 1ª instância. Foi condenado em 2ª instância. Perdeu TODOS os recursos. Perdeu habeas corpus no STF. Se vc vê tudo isso e fica ao lado dele, a lavagem cerebral foi absoluta.”
Os petistas adoravam atacá-lo, dizendo que ele não passava de um coxinha, que era parte da “elite” e não entendia nada de política e da realidade social. “Nunca levaram em consideração de onde vim”, reclamou Neto. Antes de ficar famoso e ganhar muito dinheiro, o carioca morou no Engenho Novo, bairro de classe média baixa, vizinho à favela do Rato Molhado, na Zona Norte do Rio. Segundo estimativa da revista Veja, há pouco mais de um ano, o youtuber ganhava 180 mil dólares mensais apenas com os vídeos. Um contrato publicitário anual podia lhe render cerca de 1 milhão de reais.
No primeiro turno das eleições, Neto se absteve. Mas não gostou das declarações de Bolsonaro sobre como agiria com os seus rivais políticos, caso fosse eleito presidente. “Ele disse que varreria os opositores para fora do país. Fiquei muito preocupado. Oposição é importante, mesmo sendo petista. Você precisa de gente botando outras possibilidades na mesa, senão não é democracia”, afirmou, arqueando as sobrancelhas, como sempre faz quando quer enfatizar algo. Decidiu, então, partir para o embate.
Neto disse ter pesado os riscos à sua imagem ao se posicionar contra Bolsonaro. “Mas chegou um momento que essa preocupação se tornou menor que o meu senso de cidadão”, contou. Os seguidores do youtuber se surpreenderam, à direita e à esquerda.
Da parte da esquerda, ele teve mensagens curtidas e compartilhadas por petistas famosos, como o ator José de Abreu, e pela candidata a vice-presidente na chapa de Haddad, Manuela D’Ávila, do PCdoB. “Fiquei com receio de acharem que meu discurso era pró-PT, pois não era”, afirmou Neto, que se diz de direita na economia e progressista nos costumes. Ganhou também a simpatia de quem o tinha criticado anteriormente, como a jornalista Rita Lisauskas, que, no início do ano, em seu blog sobre maternidade no site do jornal O Estado de S. Paulo, escreveu que ele incentivava crianças ao consumismo, fazendo publicidade de seus livros e shows. O título da coluna era: “Não adianta a luta diária para educar os nossos filhos se eles assistirem ao Felipe Neto.” “Ela nunca se retratou, mas está sempre lá, curtindo e compartilhando meu posicionamento político”, comentou o youtuber.
Lisauskas disse que criticou Neto após ter se deparado com “conteúdo racista e gordofóbico” nos vídeos. Mas ela acha que, nos novos vlogs, ele tem revisto suas posições. “Ele agora tem informado muitas crianças e adolescentes sobre fake news e outros assuntos. Aplaudo esse novo Felipe. Mas ele poderia retirar do ar antigos vídeos com posicionamentos equivocados. As crianças que entram no canal não sabem distinguir a opinião antiga da nova”, afirmou a jornalista.
Também os haters de Neto passaram a vê-lo como aliado, mas com ressalvas. “Eu nunca vou perdoar o Jair Bolsonaro por me fazer votar no PT e por me fazer compartilhar um tuíte do Felipe Neto”, escreveu um deles.
Da parte da direita bolsonarista, as reações não foram nada agradáveis. “Já me ameaçaram de morte, disseram que iam me encher de porrada”, contou o youtuber. “Fazem muita fake news a meu respeito e propagam em portais evangélicos e grupos de WhatsApp. Dizem que sou o anticristo, manipulador de jovens, que quero converter a juventude para o comunismo.” Nada disso, porém, parece assustar o empresário que emprega 200 pessoas. “Assim como eu zoava o Lula, vou zoar também o Bolsonaro. Não estou nem aí que os ‘bolsominions’ esperneiem.”
Veterano no YouTube, avaliou o desempenho do futuro presidente nos vídeos difundidos nas redes sociais: “Ele se sai bem quando age com deboche, faz suas gracinhas e dancinhas simulando arma com os dedos. Mas, quando tem que falar sério e apresentar suas propostas, é péssimo, desastroso e sem carisma algum.” Neto acha que agora tem um papel a cumprir “num país onde o presidente recomenda a seus eleitores assistirem a canais no YouTube em que se diz que o Sol gira em torno da Terra e que o nazismo é de esquerda”.
Situada a poucos quilômetros da casa do presidente eleito, a Netoland será nos próximos quatro anos o QG antibolsonarista do youtuber. De cabelos tingidos de azul-anil e vestindo uma camisa vermelha estampada com a imagem do anão Zangado, ele promete não dar trégua. “Quantos generais Bolsonaro já colocou como ministro ou integrante do governo? Confio em generais como militares, mas não como políticos. Vou continuar com as antenas ligadas”, disse Neto, eriçando ainda mais as sobrancelhas.
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