A médica Ana Claudia Arantes: ela já recebeu mensagens de pessoas furiosas, chamando-a de “mórbida”, mas espera convencê-las de que, na verdade, fala da vida CRÉDITO: BOB WOLFENSON_2024
A médica que luta pelo direito de morrer bem
Como Ana Claudia Quintana Arantes se tornou uma das principais vozes em defesa dos cuidados paliativos
Ana Claudia Quintana Arantes adquiriu um status improvável em sua área profissional: aos 55 anos, é uma paliativista pop. Fãs tentam puxar sua roupa em eventos, pedem selfies e fazem depoimentos emocionados para ela. É uma fama tanto mais surpreendente porque ela se dedica à experiência humana mais inescapável, intransferível e cercada de silêncios: a hora da morte. Seu trabalho consiste em esclarecer como se pode viver esse momento da maneira mais confortável e digna possível.
A morte súbita e indolor, como “um passarinho”, é uma raridade. De cada dez brasileiros, nove vão passar por processos de adoecimento até morrer e no final vão precisar de algum tipo de alívio do sofrimento. Dados do DataSus mostram que as três maiores causas de mortalidade no país são as doenças do aparelho circulatório, câncer e morbidades do aparelho respiratório – e que 67% dos brasileiros morrem em hospitais.
Grande parte da missão da paliativista é explicar que os pacientes podem enfrentar essa jornada com menos sofrimento, com alívio de sintomas e redução de tratamentos penosos que já não conseguem reverter a doença principal.
“A dor, por exemplo, é a coisa mais fácil de tratar da medicina. Existem três degraus na escala analgésica. Até 4 é uma dor leve, então você usa medicamentos não opiáceos: dipirona, paracetamol, anti-inflamatórios. Nas dores 5, 6 e 7, opioides fracos, como tramadol e codeína. Para as dores 8, 9 e 10, intensas, opioides fortes, como a morfina. É assim, muito simples”, diz Arantes. “As faculdades de medicina, por incrível que pareça, não ensinam.”
Em 2010, a The Economist Intelligence Unit (EIU), a divisão de pesquisa e análises do grupo que publica a revista The Economist, estudou quarenta países e elaborou um índice de qualidade de morte. Para o Brasil, o resultado foi um ultraje. O país foi classificado como o terceiro pior lugar do mundo para se morrer – ficou em 38º lugar, ganhando apenas da Índia e de Uganda.
Em 2015, a Economist repetiu o estudo, agora analisando oitenta países. Dessa vez, o Brasil ficou em 42º lugar. Em outro levantamento, feito entre 81 países e publicado em 2021 pelo periódico acadêmico Journal of Pain and Symptom Management, o Brasil voltou a aparecer como o terceiro pior lugar para morrer. Ganhou apenas do Paraguai e do Líbano.
O inusitado sucesso de Arantes começou depois de uma palestra dada por ela em 2012, quando trabalhava no serviço de cuidados paliativos do Hospital das Clínicas da FMUSP. A médica participou de um evento em homenagem aos cem anos da faculdade. Subiu ao palco e fez uma apresentação cujo objetivo era apurar o olhar dos universitários – sempre treinados para prolongar a vida dos pacientes a qualquer custo – sobre o quanto a medicina tem a oferecer também para quem está morrendo.
A palestra virou uma defesa radical da medicina humanizada, com afirmações como: “Quando a doença encontra um ser humano, ela produz uma melodia única, que se chama sofrimento. As doenças se repetem nas pessoas, mas o sofrimento, não.” Ou: “No Brasil morrem mais ou menos 1 milhão e 100 mil pessoas por ano […], cerca de 800 mil pessoas morrem de morte anunciada, de doenças crônicas, degenerativas ou de câncer. Essa morte anunciada proporciona a chance de a pessoa conseguir redimensionar a própria existência.”
A última frase da médica, retirada de uma cena do filme Piratas do Caribe, virou o título da palestra: A morte é um dia que vale a pena viver. O vídeo viralizou – hoje tem 3,7 milhões de visualizações –, e Arantes foi chamada para palestras em faculdades de todo o país.
Apesar de sua campanha, a médica acha que o Brasil não está pronto para o debate sobre a eutanásia. Mas para Arantes há algo mais complexo que a eutanásia: a sedação paliativa, amplamente praticada no país. “Isso eu acho a coisa mais criminosa.”
A reportagem completa sobre Ana Claudia Quintana Arantes pode ser lida na edição deste mês da piauí.
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