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    Christopher Plummer em Memórias Secretas

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Memórias ocultas – ficção e documentário

É espantoso que um cineasta experiente e bem-sucedido se permita realizar algo tão raso, manipulador e espertinho quanto Memórias Secretas

Eduardo Escorel | 19 maio 2016_16h13
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Remember, título original do filme dirigido por Atom Egoyan, e Memórias Secretas, a versão brasileira, serviriam à perfeição para nomear A Family Affair (Um caso de família), premiado no recente Festival É Tudo Verdade, ocorrido em abril, como melhor documentário da competição internacional.

Imaginar que os dois filmes poderiam ter o mesmo título é plausível, uma vez que tratam de temas relacionados – o passado encoberto de modo involuntário ou deliberado. Em Memórias Secretas, a persistência da memória, de um lado, e sua perda, de outro, propiciam a trama ficcional. Em Um caso de família, por sua vez, a compulsão de indagar leva o diretor Tom Fassaert à tentativa de descobrir quem é a avó dele, Marianne, o que está acontecendo com sua própria família, e o que está oculto na sombra.

Marianne em <i>Um caso de família</i>
Marianne em Um caso de família

Além dos temas correlatos, Memórias Secretas e Um caso de família se assemelham em outro aspecto crucial, apesar de tratarem de assuntos diferentes e adotarem procedimentos narrativos distintos. Ambos desconsideram certos parâmetros básicos dos seus gêneros – ficção e documentário, respectivamente.

Memórias Secretas abusa do direito de ser imaginativo, acabando por se tornar inverossímil. À medida que o enredo revela não ser crível, o filme desmorona até se reduzir a um amontoado de escombros. O espectador não pode deixar de se sentir ludibriado ao descobrir que a premissa do roteiro de Benjamin August é uma pegadinha dramática. August sonega informações para reter a atenção da plateia, induzida a acreditar que está vendo uma coisa quando, na verdade, está diante de outra. Só lhe resta sair do cinema cabisbaixo, com raiva do dinheiro gasto e tempo perdido.

Atom Egoyan, diretor de <i>Memórias Secretas</i>
Atom Egoyan, diretor de Memórias Secretas

Para Egoyan, não constitui problema algum abusar do conhecido recurso narrativo de ocultar até o final fatos essenciais para entender a motivação dos personagens. Até em entrevista dada quando Memórias Secretas estreou no Canadá, em 2015, ao resumir o enredo, ele escamoteia dados da história para preservar o suspense e o efeito surpresa nos minutos finais. “Não quero revelar demais”, Egoyan declarou, “mas isso [referindo-se ao enredo que acabara de descrever] é com certeza no que você acredita quando está assistindo ao filme.”

É claro que sem esse truque não haveria filme de suspense. O que está em jogo, porém, é outra coisa – a legitimidade de transformar sobreviventes do Holocausto, mesmo sendo personagens ficcionais, em joguetes de uma trama com veleidades hitchcockianas.

Tom Fassaert, diretor de <i>Um caso de família</i>
Tom Fassaert, diretor de Um caso de família

Na verdade, é algo impreciso equiparar Memórias Secretas ao documentário de Fassaert. Afinal, os ingressos para assistir a Um caso de família no É Tudo Verdade eram gratuitos. Ao menos nesse aspecto, o espectador não teria do que reclamar. Tampouco seria justo considerar perda total de tempo assistir a Um caso de família. O filme, que levou 5 anos para ser feito, transparece sinceridade e honestidade de propósitos, ao lado do que parece ser uma overdose de ingenuidade – Fassaert declarou acreditar ter “levantado um pouco a máscara que mantém coisas na sombra, fora do alcance da visão”. Mesmo assim, Um caso de família ameaça implodir por causa do constrangimento causado por algumas sequências. A sensação de estar testemunhando situações às quais não se deveria ter acesso causa incomodo. São eventos e revelações de âmbito privado através das quais sua avó e seu tio René se expõem sem avaliarem as consequências do seu desnudamento.

Relativamente jovem, Fassaert é um diretor ainda iniciante. Tem 37 anos, fez 7 filmes e ainda é pouco conhecido. Egoyan, por sua vez, é um premiado e veterano diretor de 57 anos, realizador de 15 filmes de longa-metragem, além de tele-filmes e curta-metragens. É espantoso, portanto, que um cineasta experiente e bem-sucedido como ele se permita realizar algo tão raso, manipulador e espertinho quanto Memórias Secretas. E que tente, ainda por cima, revestir o filme de seriedade, como se fosse possível considerá-lo uma forma alternativa de tratar do Holocausto comparável a O filho de Saul.

Quando Fassaert diz à sua avó que “quer a verdade”, ela lhe dá uma lição singela sobre relações humanas que muitos cineastas parecem ignorar ou terem esquecido: “A verdade é subjetiva. Verdade… a verdade não existe. Esqueça. Você nunca encontrará o que está procurando. É impossível. Mesmo se você tentar.”

A tentativa de Fassaert, apesar dos pesares, tem seus méritos.

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A gravação completa da entrevista de Tom Fassaert está disponível aqui.

 

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