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    A mãe e o filho de 7 anos, que agora vivem juntos novamente

questões de justiça

Menino volta para a mãe após meses sob a guarda do pai acusado de estuprá-lo

Em reviravolta em caso de família no Ceará, ministra do STJ cita perplexidade diante de "estarrecedoras, confusas e contraditórias" decisões judiciais que favoreceram o coronel aposentado

Marcela Guimarães | 19 jan 2024_07h25
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Faltava menos de uma semana para o Natal quando o menino de 7 anos de idade recém-completados voltou para os braços da mãe. O encontro foi celebrado com bolo, balões e presentes ao lado de primos, de tios e da avó materna, cinco meses depois de uma decisão da Justiça do Ceará que deixou a criança por 112 dias, quase quatro meses, sob a guarda unilateral do pai, um coronel aposentado da PM de Fortaleza acusado de abusar sexualmente do próprio filho. 

O caso, revelado pela reportagem da piauí em outubro de 2023, teve grande repercussão no Judiciário. O pai manteve a guarda exclusiva do filho mesmo depois de se tornar réu por suspeita de agressão sexual, em decisões na primeira e na segunda instância. A defesa da mãe sempre argumentou favorecimento devido à influência do pai, o que ele nega. O militar tem um irmão que é juiz da Vara de Família do Ceará, uma prima desembargadora no estado e um primo juiz cível. Um tio, que já morreu, foi um desembargador de prestígio no estado. Três juízes e dois promotores da Vara de Família de Fortaleza se declararam impedidos de atuar no processo ao longo de três meses. 

A ministra Nancy Andrighi, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), criticou as “estarrecedoras, confusas e contraditórias” decisões judiciais que mantiveram o garoto sob a tutela de um réu por estupro, além de fazê-lo passar por outros dois lares provisórios sem ter notícias ou contato com a mãe, com quem vivia em Parnamirim, no Rio Grande do Norte, desde 2021. No voto que definiu os rumos do caso no STJ, a ministra Nancy Andrighi ressaltou: “Causa perplexidade, todavia, que nenhuma das decisões judiciais proferidas pelo Poder Judiciário do Ceará tenham considerado ou deliberado a respeito da efetiva necessidade de afastamento do convívio entre o genitor e o filho diante dos seríssimos fatos que se encontram sob apuração perante o juízo criminal.”

Os pais do menino viviam em um relacionamento cercado de conflitos. Uma denúncia de violência doméstica contra o coronel chegou a ser feita, mas acabou arquivada. Com a separação, em dezembro de 2018, determinou-se a guarda alternada do único filho do casal – ele ficava sete dias em cada casa.

A mãe passou a relatar que o filho vinha muitas vezes abalado da estada com o pai, com marcas de violência, e em certo momento passou a relatar abusos. Em um consultório odontológico, segundo ela, a dentista notou manchas avermelhadas no céu da boca do menino compatíveis com a prática de sexo oral, mas também com outras razões como ingestão de comida muito quente (a perícia do IML constatou essas marcas, mas a origem foi inconclusiva). Foi então que, em junho de 2021, refugiou-se com ele em Parnamirim, no Rio Grande do Norte, onde conseguiu a guarda unilateral e medida protetiva contra o pai. Ainda assim, a Justiça do Ceará determinou a busca e apreensão do menino, alegando subtração do menor e desobediência da mulher à guarda compartilhada, e essa medida cautelar foi cumprida por conselheiros tutelares e policiais na Paraíba, onde mãe e filho passavam férias. 

A  mesma Justiça do Ceará, decidiu também vetar visitas da mãe, mesmo depois dela ter sido absolvida da acusação de subtração de menor e de ela ter apresentado as provas e laudos para sustentar que houve agressão sexual. 

A defesa do coronel aposentado disse à piauí que as alegações da mãe são mentirosas e fazem parte de uma “campanha difamatória”. Os advogados Mabel Portela, Anna Magalhães e Miguel Hissa, que representam o pai no Direito de Família e das Sucessões, afirmam que ele sofre de “alienação parental praticada pela mãe, que utiliza de artifícios e comparações ao caso do menino Henry Borel [morto aos 4 anos, em um caso que tem o padrasto e a mãe como suspeitos] em rede social e na Justiça” para desqualificar a figura paterna. “Desde a separação, a mãe demonstra inconformismo com o fim da relação, utilizando-se de todos os artifícios e falácias para tentar, a todo custo, disseminar ódios e mentiras contra o antigo companheiro”, afirmam. 

Sobre o militar ter se tornado réu em 31 de agosto de 2023, a advogada Ana Magalhães diz que “na Justiça criminal existe a presunção de inocência até que haja sentença penal condenatória transitada em julgado”. Ela argumenta que as denúncias de abuso foram feitas pela mãe “em processo preparatório de uma fuga e sequestro da criança”, após uma consulta à dentista onde foi detectada “suposta lesão” na boca do menino. A defesa do coronel aposentado diz que vai recorrer da sentença por “acreditar que o pai é a pessoa mais indicada para ter a guarda da criança”.

O coronel aposentado enviou a seguinte mensagem à piauí:

“O melhor para ele seria ter de novo a liberdade de ser criança, estar na escola, ter amor, estabilidade, além de saúde física e mental. Que findassem as tentativas de usá-lo como arma para me atingir, com implantação de falsas memórias; que não fosse mais submetido a situações constrangedoras como tem sido até então. Estar ao lado do meu filho, participar de cada descoberta e desenvolvimento de sua infância e crescimento é meu dever, minha vontade, meu direito e não vou abrir mão desses momentos por negação e inconformismo de outros. Confio na Justiça, na apuração dela e acredito que em breve estaremos juntos novamente, realizando assim a vontade do meu filho que é de estar comigo e com tantas outras pessoas que o amam e prezam integralmente pela sua felicidade”. 

Laudos, provas e testemunhos foram usados como base para a denúncia do Ministério Público, acolhida pela Justiça criminal cearense em agosto de 2023. A ministra do STJ critica a manutenção da criança com o pai mesmo diante da acusação. 

“São absolutamente estarrecedoras as sucessivas, confusas e contraditórias decisões judiciais, em 1º e em 2º grau de jurisdição, que, por circunstâncias inexplicadas ou inexplicáveis, deixaram de considerar um princípio elementar de qualquer ação judicial que envolva a temática da guarda, sobretudo quando envolvida em um cenário de possível violência, que é o melhor e prioritário interesse da criança”, reforçou a ministra Nancy Andrighi, do STJ. Além de passar o caso para a Justiça do Rio Grande do Norte, ela orientou que esse foro suspendesse o poder familiar do pai e a visitação sob o argumento de “risco e revitimização”. Isso foi feito por uma juíza da Vara da Infância de Parnamirim, menos de uma semana depois, restituindo a guarda unilateral da mãe. A criança estava morando, desde novembro, com uma “família estendida”, uma espécie de lar transitório definido por um juiz do Ceará com base em indicações da mãe. Foi lá que ele conseguiu receber a primeira visita materna em meses. 

Em 19 de dezembro, o menino voltou para o lar materno. “A felicidade no rosto do meu filho é nítida. Ele está aliviado. Estamos nos reorganizando, vamos voltar para a rotina dele. Ele vai retornar para a escola e vamos seguir nossa vida ainda sob proteção. O importante, agora, é dar um lar estável e saudável para meu menino”, diz a mãe.

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