Ilustração de Paula Cardoso
Na água, o rastro da tragédia de Brumadinho
Meses após rompimento da barragem, mortalidade de peixes aumenta no Rio Paraopeba, e substâncias tóxicas se espalham por até 242 quilômetros
A tragédia ocorrida em 25 de janeiro de 2019 na cidade de Brumadinho, em Minas Gerais, deixa rastros de destruição meses após o rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, e os impactos no meio ambiente podem ser ainda maiores. Uma pesquisa conduzida pelo biólogo Fabiano Thompson, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revelou altos níveis de toxicidade em diferentes pontos do Rio Paraopeba, afetado pela lama, e concentrações maiores de ferro, alumínio, mercúrio e outras substâncias tóxicas. Como consequência, a mortalidade dos embriões de peixes da espécie Danio rerio, popularmente conhecido como “paulistinha”, aumentou de fevereiro para maio deste ano. O estudo foi publicado na revista científica Science of the Total Environment.
O rompimento da barragem de Brumadinho liberou cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e lama nos arredores do município. Até agora, corpos de 257 pessoas mortas na tragédia foram identificados, e muitas famílias ainda vivem o luto enquanto aguardam a identificação de fragmentos das vítimas. A pesquisa coordenada por Thompson ajuda a compreender também o impacto ambiental de Brumadinho num rio que, nos últimos anos, já sofria os efeitos da poluição.
O Rio Paraopeba se estende por 510 km e cruza 35 municípios de Minas Gerais. Em fevereiro, as Secretarias de Estado de Saúde, de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, e de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais lançaram uma nota recomendando a suspensão do uso de água do Rio Paraopeba para qualquer finalidade. Além do abastecimento, o Paraopeba era utilizado pela comunidade da região para pesca, irrigação e lazer.
Thompson e outros dezesseis pesquisadores do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo coletaram amostras de água do Paraopeba em dois momentos: uma semana após o rompimento da barragem, em fevereiro, e quatro meses depois, em maio. O estudo abarcou sete pontos diferentes numa distância de 6 km (o mais próximo que puderam chegar de Brumadinho) a 464 km do local da tragédia, já próximo à Usina de Três Marias. No mês da segunda coleta, os rejeitos haviam alcançado uma distância de 242 km.
A água do Paraopeba se tornou mais tóxica ao longo do rio após o rompimento da barragem, até Angueretá, distrito de Curvelo, e a mortalidade do peixe paulistinha aumentou entre fevereiro e maio. Em Brumadinho, a 6 km da tragédia, a mortalidade do peixe passou de 50% em fevereiro para mais de 75% em maio. Já na Usina Hidrelétrica Retiro Baixo, entre os municípios de Curvelo e Pompeu, um dos pontos mais distantes da tragédia analisados pela pesquisa, a mortalidade chegou a 85% na segunda amostra. Segundo os pesquisadores, essa alta mortalidade não está completamente relacionada ao rompimento da barragem, já que não foram encontradas evidências de lama nessa altura do rio.
Mas o quadro é preocupante. Além da mudança na água, que se apresentou mais turva entre os meses de análise, a pesquisa também alerta para as diferenças em comparação com anos anteriores. Ao comparar dados históricos do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) com os obtidos na análise, o estudo conclui que todos os pontos observados em maio estão completamente diferentes de 2017 e 2018. “Por uma questão lógica, conforme o tempo passa, a lama vai se espalhando pelo rio. Em fevereiro, a mudança na água não era tão perceptível porque era muito recente”, disse Thompson. Coletas futuras podem indicar uma mudança ainda maior.
O pesquisador ainda avalia se há necessidade de estudos subsequentes para averiguar a situação do rio próximo a Retiro Baixo e Três Marias, locais que abrigam duas importantes usinas hidrelétricas de Minas. “Seria catastrófico se essa lama chegasse a Três Marias, por conta da segurança hídrica dessa região.” Mesmo sem registros de impactos diretos da lama nesses dois locais nas amostras coletadas em maio, é possível que o quadro tenha mudado com o passar dos meses.
A água mais turva em determinados pontos, em especial nas regiões mais próximas da tragédia, e a presença de microorganismos no rio podem ser prejudiciais à saúde humana. No cenário analisado pela pesquisa, os níveis de toxicidade estimulam o crescimento desses microorganismos. E a tendência é piorar. “A indústria não está acostumada a tomar decisões com base em evidências científicas, infelizmente. Sem monitoramento, sem estudos deste tipo, é difícil tomar decisões, porque elas podem se tornar arbitrárias”, afirmou Thompson.
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