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    Luciana Servo, presidente do Ipea, fala das agendas prioritárias do instituto, do processo de divulgação das pesquisas e da importância da sua representatividade como a primeira presidente negra do Ipea. A mesa teve mediação de Flavia Lima (Folha SP) e Patrícia Campos Mello (Folha SP). | Foto: Thais Mallon

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Na luta por uma burocracia diversa

Primeira mulher negra no comando do Ipea, Luciana Servo diz que instituição – esvaziada no governo Bolsonaro – não deixará de publicar dados contrários à visão de um governante

| 13 jun 2023_18h34
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 Ao assumir a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em fevereiro deste ano, a economista Luciana Servo estava ciente de que não havia sido escolhida para o cargo pelo mérito dos seus 25 anos de serviço público. “O presidente Lula me escolheu porque eu sou uma mulher negra. E porque, em 59 anos de Ipea, nunca houve alguém com essas características no seu comando”, disse Servo nesta quarta-feira (13) ao participar do evento Encontros piauí, promovido pela revista em parceria com o YouTube em Brasília.

Diante da motivação da escolha, Servo se sente na responsabilidade de trabalhar para que a representação de negros e de outros grupos minoritários seja prioridade na agenda de estudos do Ipea. Uma de suas tarefas é reduzir a predominância de homens brancos nos postos mais altos da administração pública. “Quando olho para os números, não tenho dúvidas de que precisaremos de cotas para mulheres”, disse Servo. Há ainda menos negros. “Se hoje eu tivesse que dedicar 30% dos cargos do Ipea para negros, 20% precisariam ser preenchidos por pessoas de fora do quadro atual.” Ela tem também a compreensão de que, numa instituição quase desmontada, a política de inclusão deve ser instalada processualmente.

A jornalista Flavia Lima, editora de diversidade da Folha de S. Paulo e membro do Conselho Editorial da piauí, perguntou se, ao incentivar a produção de dados sobre questões raciais e de gênero, a economista não tem receio de ser vista apenas como uma defensora da “política identitária”. “Essas são questões centrais no debate público e, dada a necessidade de qualificar as políticas nacionais de cuidado aos grupos vulneráveis, o Ipea está cumprindo o seu papel.” Essa compreensão é diametralmente oposta ao que os servidores do Ipea, Servo entre eles, viveram no governo Bolsonaro – quando a palavra “gênero” era vetada nos estudos da instituição. “Era visto como um não tema”, contou Servo. “Não havia possibilidade de apresentar os nossos dados para as autoridades responsáveis pelas políticas públicas de família, por exemplo.” Assistir à política ambiental sendo escanteada do debate público também inquietava a pesquisadora. 

Era de se imaginar que, durante a maior crise sanitária da história recente do país, a produção de informações sobre a área da saúde seria prioridade. Houve, portanto, uma frustração generalizada entre Servo e seus colegas quando o Ipea começou a ser sabotado justo no momento mais penoso da pandemia de Covid. “Em toda a minha carreira, foi o único momento em que eu pensei em desistir”, diz a economista. “Parecia que tudo que eu estava fazendo não servia para nada. Meu trabalho de pesquisa não inspirava política pública nenhuma.”

O caminho para minar o funcionamento de uma instituição pública como o Ipea passa, segundo Servo, por três caminhos: o corte orçamentário, a redução do quadro de servidores e a sabotagem da disseminação do conhecimento produzido pela casa. O aparelhamento governamental também pode ser incluído nesse pacote. “Como o Ipea pode se proteger disso e, ao mesmo tempo, colaborar com o governo presente?”, perguntou a jornalista Patrícia Campos Mello, também da Folha de S.Paulo.

Servo avalia que o fundamental é compreender que instituições de pesquisa não funcionam para assessorar diretamente o poder. “Nossa base de conhecimento fala por nós”, diz a economista. “Não vamos deixar de publicar um dado porque ele não corrobora com a visão do presidente. Se ele discordar de uma informação, pode vir até nós e debater. Nossa agenda não é de governo, é de Estado.”

Servo discorda da ideia de que o Ipea perdeu espaço para outras instituições, como a Fundação Getulio Vargas, na fundamentação das políticas governamentais. “Temos uma enorme demanda que demonstra o contrário”, disse, para completar que o quadro de servidores da instituição precisa ser reforçado para manter o seu pleno funcionamento. Flavia Lima, então, perguntou se a presidente está preocupada em abrir novos concursos para o instituto. “A princípio, estamos desesperados”, confessou a entrevistada.

Andar por Brasília tem lhe dado esperanças. “Desde janeiro, você vê uma clara diferença nos debates. Há mais pessoas negras, há mais mulheres na burocracia. É o que eu chamo de burocracia diversa.” É o encontro de múltiplas vozes que, na visão de Servo, só fortalece a máquina pública brasileira.

Acesse aqui a entrevista completa.

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