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    Na foto, a repórter da piauí Thais Bilenky, o convidado Ivan Golunov, do portal russo Meduza, e Jaime Spitzcovsky, colunista da Folha de São Paulo FOTO: TUCA VIEIRA

festival piauí de jornalismo

Na Rússia de Putin, falar mal de Putin é proibido

Preso injustamente, repórter russo foi libertado graças à pressão da sociedade civil

| 06 out 2019_19h29
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O jornalista Ivan Golunov estava sendo interrogado pela polícia russa quando recebeu, no celular, o convite para vir ao Brasil participar da sexta edição do Festival Piauí de Jornalismo. Mostrou a mensagem aos investigadores, salientando que a sua prisão já virara notícia mundo afora. Repórter investigativo especializado em cobrir casos de corrupção, Golunov foi preso em junho deste ano, acusado – com base em provas forjadas – de tráfico de drogas em larga escala. Na época em que foi detido, ele apurava um esquema de pagamento de propina a agentes que administravam ilegalmente os cemitérios públicos de Moscou.

A acusação foi logo considerada uma tentativa de silenciar Golunov, que também já fizera reportagens apontando o enriquecimento ilícito de figuras do governo. Em 10 de junho, poucos dias depois de ele ter sido preso, três dos principais jornais russos – Vedemosti, RBK e Kommersant – publicaram capas quase idênticas com um slogan que a partir daquele momento se tornaria viral: “Eu sou/Nós somos Ivan Golunov”. A campanha ganhou corpo e fez com que a polícia voltasse atrás na denúncia. No dia seguinte à publicação das manchetes, Golunov foi solto e hoje está livre de qualquer acusação.

“Os jornalistas entenderam que isso pode acontecer com eles. Você pode ser acusado e preso sem provas”, afirmou o repórter russo neste domingo (6), em São Paulo, no Festival Piauí de Jornalismo, realizado no auditório da Faap em Higienópolis. Golunov conversou com a repórter da piauí Thais Bilenky e com o colunista da Folha de São Paulo Jaime Spitzcovsky. “Estou livre”, ressaltou, “mas hoje não há acusação contra as pessoas que foram envolvidas na minha prisão. Não aconteceu nada.”


A partir de sua experiência, Golunov falou da rotina de censura e das restrições há muito assimiladas pela imprensa na Rússia. Segundo ele, há assuntos deliberadamente proibidos pelo governo: não se pode fazer críticas ao presidente Vladimir Putin, não se deve falar sobre a família dele, e não é permitido publicar reportagens negativas sobre a Igreja Católica Ortodoxa e seus líderes. Ele contou a história de um veículo que, após publicar uma reportagem sobre uma das filhas do presidente, sofreu enorme pressão e mudou de controlador, passando para as mãos de um apoiador do governo.

“Não existe a palavra democracia, nem mesmo alternativas”, disse Golunov, ao fazer um saldo dos vinte anos de governo Putin. “Na Rússia se pergunta: ‘se não é Putin, vai ser quem?’ Muitas pessoas não sabem responder. O objetivo do governo é não ter oposição. Não há nenhum líder opositor, e, se ele surge, logo começa um movimento para sujar o seu nome.”


O governo Putin, no entanto, vive hoje um refluxo de popularidade. Em setembro deste ano, as eleições municipais fortaleceram a oposição em Moscou. Os governistas ainda têm controle sobre o Legislativo, mas receberam um recado da população. “O partido do governo está perdendo popularidade”, constatou Golunov. O que não permite otimismo, segundo ele. “A principal questão hoje é quem será o próximo presidente. Ninguém acredita que o povo possa eleger alguém. A gente só quer saber quem vai ser colocado lá.”

Nesse contexto, Golunov avalia que sua prisão, por ter repercutido de forma tão ampla, tornou-se um caso exemplar para os russos. O slogan “Eu sou/Nós somos Ivan Golunov” se popularizou e extrapolou o contexto do jornalismo. Segundo ele, esses dizeres já foram usados até mesmo em protestos contra o cancelamento de uma linha de ônibus. No fim das contas, sintetizou o jornalista, esse episódio “mostrou que a pressão da sociedade civil pode mobilizar e mudar algo.”

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