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    O paraguaio Eulalio Gomes Batista, conhecido como “don Lalo”, e o presidente do Paraguai, Santiago Peña Foto: Reprodução/redes sociais

questões criminais

“Ninguém tem que mexer con nosotros”

As relações do clã Mota, os novos “reis da fronteira” em Ponta Porã, com a alta política paraguaia

Allan de Abreu | 21 set 2023_08h32
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O empresário e pecuarista brasileiro Antonio Joaquim da Mota, o Tonho, levou um susto nas primeiras horas da manhã de 22 de maio de 2019, quando integrantes da Polícia Nacional do Paraguai (PNP) invadiram uma de suas fazendas em Pedro Juan Caballero, a Aquidaban, para cumprir um mandado judicial de busca e apreensão. Dois anos antes, a mesma polícia havia flagrado 3 toneladas de maconha na propriedade, mas dessa vez  nada de suspeito foi encontrado pelos policiais. Mesmo assim, Tonho tratou de dar a notícia a um velho conhecido, o paraguaio Eulalio Gomes Batista, o “don Lalo”, então presidente da Associação Rural de Amambay, distrito do país vizinho cuja capital é Pedro Juan.

À noite, no aplicativo WhatsApp, Lalo escreveu em espanhol para Tonho a respeito da ação policial. “Yo pedí el cambio del jefe de investigaciones” (Solicitei a mudança do chefe das investigações), anotou o paraguaio. “Por que entró en tu estancia sin orden / Le pedí al ministro del interior” (Por que ele entrou na sua propriedade sem ordem / Pedi ao ministro do Interior). “Blz fico grato”, respondeu Tonho. Na sequência, Lalo enviou nova mensagem: “Ya me respondió / Para aprender a respetar” (Ele já me respondeu / Para aprender a respeitar). “Sim são muito vagabundo / Mas eu fico muito agradecido a vc por ter feito isso”, reiterou o brasileiro. O paraguaio finalizou a conversa com uma frase em portunhol: “Ninguém tem que mexer con nosotros.”

Os diálogos, obtidos com exclusividade pela piauí, foram extraídos de um dos celulares de Tonho apreendidos pela Polícia Federal na Operação El Patrón, deflagrada em novembro de 2019 para investigar a fuga de Dario Messer, doleiro investigado por comandar um esquema bilionário de lavagem de dinheiro. Os Mota abrigaram o foragido Messer durante alguns meses no Paraguai, em 2018. Por conta disso, Tonho e sua mulher, Cecy, são réus em uma ação penal na Justiça Federal do Rio, acusados de associação criminosa. O processo ainda não foi julgado.

De fato, duas semanas depois desse diálogo entre Tonho e Lalo, tanto o chefe quanto o subchefe de investigações da PNP foram substituídos pelo então ministro do Interior do Paraguai, Juan Ernesto Villamayor, a quem a PNP é vinculada. Também na El Patrón, a PF encontrou mensagens no WhatsApp que sugerem que uma assessora de Villamayor solicitou propina de 2 milhões de dólares a Messer para dar proteção ao doleiro em solo paraguaio. A divulgação das conversas levou à demissão do ministro no fim de 2019. Questionada pela reportagem se as buscas na fazenda dos Mota foram de fato feitas sem autorização judicial, como afirma Lalo, a assessoria da PNP não se manifestou.

Mais recentemente, em junho último, Antonio Joaquim Mendes Gonçalves da Mota, o Dom ou Motinha, filho de Tonho, foi alvo de duas operações da Polícia Federal, a Magnus Dominus e a Helix, acusado de associação criminosa e tráfico internacional de drogas (Motinha, segundo a PF, enviava grandes carregamentos de cocaína em aviões e helicópteros da fazenda Buracão até o interior paulista). Nas duas oportunidades, porém, ele conseguiu fugir – a PF suspeita que ele tenha sido alertado pelas autoridades paraguaias. De fato, o clã Mota sempre foi muito próximo do poder no Paraguai desde que o baiano Joaquim Francisco da Mota, pai de Tonho e avô de Motinha, chegou a Pedro Juan, na década de 1960, e se transformou em grande contrabandista de café. Na época, Joaquinzinho, como era conhecido devido à baixa estatura, ganhou do então ditador paraguaio Alfredo Stroessner uma fazenda com 2,7 mil hectares antes destinados à reforma agrária no departamento de Amambay.

Joaquinzinho (sentado), o patriarca, em imagem antiga. Nos anos 60, ele ganhou uma fazenda com 2,7 mil hectares do então ditador paraguaio Alfredo Stroessner


Atualmente, a PF estima que os Mota sejam donos de um rebanho estimado entre 3 mil e 6 mil cabeças de gado no país vizinho. A atividade pecuária aproximou o clã de outro grande criador de bovinos de Pedro Juan, Lalo Gomes Batista. Nas conversas via WhatsApp captadas pela Polícia Federal, Lalo e Tonho tratam com frequência da compra e venda de gado e também de articulações políticas no Brasil e no Paraguai. Em junho de 2019, Lalo disse ao colega brasileiro que estava articulando um encontro entre o então presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, com a ministra da Agricultura do Brasil, Tereza Cristina, em Assunção – o encontro ocorreria no mês seguinte.

Mas a PF e o Ministério Público Federal (MPF) suspeitam que a ligação de Lalo com os Mota não se restringisse apenas à pecuária e à política. Em 2019, a Polícia Federal prendeu Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o Minotauro, narcotraficante da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) acusado pelo MPF de se associar a Motinha para transportar cocaína do Paraguai para o Brasil. No celular de Minotauro, os policiais encontraram a fotografia de uma folha de papel com várias anotações à mão, possivelmente uma contabilidade do tráfico. Dois nomes chamaram a atenção dos investigadores brasileiros: Dom, seguido do número 235, e Lalo, ao lado dos numerais 134 e 266 (a PF suspeita tratar-se de quilos de cocaína, e associa os nomes Dom e Lalo ao filho de Tonho e ao pecuarista paraguaio, respectivamente).

Em 2021, o Ministério Público do Paraguai chegou a investigar Lalo por lavagem de dinheiro do tráfico de drogas em Pedro Juan a partir de uma loja de compra e venda de automóveis na cidade, mas a apuração acabou arquivada em relação a ele sem denúncia formal à Justiça. A irmã de Lalo é promotora de Justiça no Paraguai (em junho passado, áudios divulgados pelo jornal ABC Color, de Assunção, indicam que um narcotraficante subornou a promotora e uma juíza para deixar a prisão).

Além de Lalo, os Mota são próximos do ex-presidente paraguaio Horacio Cartes, sócio de Messer e, assim como o doleiro, alvo da operação El Patrón. (Cartes chegou a ter um mandado de prisão contra si no Brasil e foi denunciado pelo MPF por associação criminosa e lavagem de dinheiro. A ação penal ainda não foi julgada pela 7ª Vara Federal Criminal do Rio.) Assim como Lalo, Cartes integra um movimento dentro do Partido Colorado, o maior do país vizinho, chamado “Honor Colorado” (“Honra Colorada”). Nas últimas eleições paraguaias, o ex-presidente apoiou o candidato a presidente Santiago Peña, jovem economista que foi ministro da Fazenda na gestão Cartes (2013-2018).

No departamento de Amambay, Peña contou com o apoio tanto de Lalo, que concorreu a uma cadeira na Câmara dos Deputados, quanto do clã Mota. Em novembro de 2022, quando o então candidato à presidência participou de uma reunião partidária em Pedro Juan, Motinha ordenou que um grupo de mercenários contratados por ele para cuidar da segurança da família e de suas fazendas trabalhasse na vigilância do evento. Em depoimento à PF, Iuri da Silva Gusmão, chefe dos mercenários, admitiu ter trabalhado na segurança de Peña no evento a pedido de Motinha. Ao comparar fotos do candidato com imagens armazenadas no celular de Gusmão, o MPF constatou que, de fato, pelo menos três mercenários, incluindo Gusmão, estiveram em frente ao endereço onde se reunia Santiago Peña. Gusmão foi preso em junho passado – na casa dele em Belo Horizonte a Polícia Federal encontrou bandeiras com a suástica e vários artefatos militares nazistas.

Na noite de 30 de abril último, Gabriela Correa, namorada de Motinha, acompanhou de perto a apuração eleitoral. Quando a Justiça eleitoral anunciou a vitória de Santiago Peña, Correa enviou uma mensagem via WhatsApp para o sogro Tonho: “Aqui já levamos presidência.” Minutos depois, ela sugeriu a Tonho parabenizar Lalo, que também foi eleito deputado federal. Tonho então encaminhou a ela o diálogo que teve com Lalo: “Parabéns pela vitória. Merecido”, escreveu o brasileiro. “Hola mi querido amigo. Obrigado”, respondeu o recém-eleito. Em conversa com Orlando, irmão de Motinha, Correa também comemorou a vitória de Peña. “Tô até respirando diferente”, escreveu ela. “Eu tb […] Vou até numa festa hj / kkkkk.”

Motinha responde a duas ações penais por associação criminosa na Justiça Federal em Ponta Porã: uma com o pai, Tonho, e outra com Gusmão e mais catorze mercenários. Ele também foi acusado pelo MPF por tráfico de drogas na Operação Helix, mas a 23ª Vara Federal de Curitiba rejeitou a denúncia. Ele segue foragido, com dois mandados de prisão em aberto.

Procurado, o advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira, que atua na defesa dos Mota, disse por e-mail que não comenta ações penais em andamento. A assessoria da presidência do Paraguai informou apenas que Peña não contratou seguranças para o evento de sua campanha em Pedro Juan Caballero em novembro passado, mas não comentou a relação do presidente com a família Mota.

Por meio de nota, o advogado Diogo Ferrari confirmou a participação de Gusmão na segurança de Peña durante evento em Pedro Juan Caballero, mas negou o envolvimento dele em atividades ilícitas. “A sua relação com Antônio da Mota é de prestação de serviços de segurança pessoal e patrimonial. […] Ele nunca participou, ou teve conhecimento, de atividades ilícitas realizadas pelo sr. Antônio Mota, ou qualquer outro cliente.”

A piauí enviou mensagens por WhatsApp ao deputado Lalo por dois dias consecutivos, mas não houve retorno. 

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