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    À esquerda, o empresário Lucas Prado Kallas e, ao seu lado, o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior Montagem de Amanda Gorziza sobre fotos reprodução/redes sociais

questões éticas

Nova carona ao paraíso

Procurador mineiro viaja ao Caribe em jato de empresário condenado por tráfico de influência

Allan de Abreu | 01 jun 2023_12h20
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Fabricado em 2009, o jato Bombardier Challenger 605 oferece grande conforto para os seus doze passageiros. Os assentos de couro podem ser transformados em camas, e as janelas rebaixadas possibilitam boa visão do lado de fora. Um privilégio que o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, viveu no dia 1º de abril último, um sábado, no aeroporto de Confins, ao embarcar no Challenger matrícula PP-COA, na companhia do empresário Lucas Prado Kallas, amigo de longa data do procurador e dono do avião.

Horas depois, a aeronave pousou no aeroporto internacional Argyle, em Kingstown, capital de São Vicente e Granadinas, um país minúsculo de pouco mais de 100 mil habitantes nas Antilhas, Caribe. Embora menos badalado do que nações vizinhas como Curaçao ou República Dominicana, São Vicente também tem o seu charme, com praias paradisíacas de mar azul turquesa e extintos vulcões. Além disso, é classificado pela Receita Federal no Brasil como um dos muitos paraísos fiscais caribenhos, que oferece, entre outras vantagens, isenção de impostos e sigilo sobre a identidade do proprietário, o que é um prato cheio para lavagem de dinheiro e corrupção.

O jato PP-COA pertence à Extrativa Mineral S/A, uma das empresas de Kallas – um modelo parecido da Bombardier foi utilizado no filme 007 – Quantum of Solace, protagonizado pelo icônico agente secreto britânico James Bond. Não se sabe se os familiares de ambos também estiveram no voo – além da dupla, a piauí conseguiu confirmar apenas que um cunhado do empresário estava a bordo. A reportagem apurou que o custo total de um voo do tipo, ida e volta, não sai por menos de 70 mil dólares. 

Kallas tem uma relação conflituosa com a polícia e a Justiça. Em 2008, quando era dono de uma construtora, foi preso pela Polícia Federal na Operação João de Barro, acusado de envolvimento em um esquema milionário de desvio de recursos públicos por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no governo Lula. Em decorrência da operação, Kallas responde em liberdade a cinco ações penais, acusado de fraude em licitações, corrupção ativa e tráfico de influência, além de duas ações cíveis, por improbidade administrativa, todas na Justiça Federal. Das cinco ações criminais, foi absolvido em duas (o Ministério Público Federal recorreu), condenado em uma, por tráfico de influência, e teve a pena prescrita em outra, por fraude em licitação. As demais ainda não foram julgadas.

 

Embora não conste nos registros internos do Ministério Público que Soares Júnior estivesse de férias ou licença, o procurador decidiu esticar a estada no Caribe por toda a Semana Santa, até sábado, dia 8, quando ele e Kallas regressaram a Belo Horizonte. Em sua conta na rede social Instagram, onde o procurador costuma divulgar todos os seus compromissos profissionais e também alguns momentos de lazer, não consta nenhuma informação sobre a estada caribenha. Apenas uma mensagem de cunho religioso, por conta da Páscoa, e um trecho da coluna do jornalista esportivo Jaeci Carvalho no jornal O Estado de Minas: “Quando a gente fala do doutor Jarbas Soares nos dá um grande orgulho. Homem reto, probo, preocupado com os problemas das nossas Minas Gerais, […] sempre isento e disposto a lutar pelo bem e contra o mal”.

Duas semanas após a viagem, o mesmo Ministério Público chefiado por Soares Júnior assinou um acordo com o Grupo Cedro, de Kallas, em que a empresa se comprometeu a destinar 2 milhões de reais em projetos ambientais em troca do arquivamento de um inquérito em que três diretoras do grupo foram indiciados por desmatamento ilegal em área de mineração.

Quatro dias antes da viagem de Soares Júnior e Kallas até o Caribe, entrou em vigor o Código de Ética do Ministério Público, que baliza a conduta dos promotores e procuradores de todo o país. O artigo 16 do novo código proíbe os membros do Ministério Público de receber “benefícios ou vantagens de pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, nacional ou internacional, que possam comprometer sua independência e integridade funcional ou suscitar eventuais conflitos de interesse”.

Não é a primeira vez que o procurador-geral de Justiça de Minas viaja no Bombardier Challenger PP-COA. Em 30 de julho do ano passado, conforme revelou a piauí, Kallas deu uma carona para Soares Júnior e a mulher, a advogada Cristiana Nepomuceno de Sousa Soares, desde Miami, onde o procurador havia cumprido compromissos profissionais e aproveitara alguns dias de folga, até Confins. Por conta de viagem, um grupo de nove procuradores de Justiça de Minas encaminhou pedido de abertura de sindicância contra Soares Júnior na Corregedoria do Ministério Público mineiro, mas a representação foi arquivada com o argumento de que somente o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) possui poderes para investigar os chefes das promotorias nos estados.

Em nota, a assessoria de Kallas informou apenas que “as viagens citadas são agendas pessoais e de passeio, no feriado, entre amigos de longa data”. Já a assessoria do Ministério Público de Minas, também por meio de nota, disse apenas que não houve “viagem oficial” de Soares Júnior na Semana Santa e que “em relação a esse período houve o desconto de dois dias [3 e 4 de abril] do seu saldo de compensação”.

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