Um levantamento recente do Instituto Gallup mostrou que os adolescentes passam cinco horas por dia em redes sociais. Somando todas as outras atividades digitais, o número fica entre sete e nove horas – e tende a ser maior em famílias de baixa renda Foto: Prefeitura do Rio de Janeiro
“O celular é um bloqueador de experiências. É preciso ancorar as crianças no mundo real”
O psicólogo social Jonathan Haidt, referência em estudos sobre o impacto da internet na infância, lista quatro ações que podem ser tomadas por famílias e escolas
Nos Estados Unidos, onde hoje também se discute a regulação das redes sociais, Jonathan Haidt se tornou um fenômeno editorial. Professor da New York University e especialista em psicologia social, ele é autor do recém-lançado livro The Anxious Generation – How the great rewiring of childhood is causing an epidemic of mental illness (A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais), um volume de 385 páginas a ser lançado no Brasil em novembro pela Companhia das Letras.
Seu objeto de estudos é a Geração Z – isto é, os jovens nascidos a partir de 1996, que cresceram num mundo já dominado pela internet e foram profundamente impactados pelas redes sociais. Com base em várias pesquisas, feitas nos Estados Unidos e em outros países, Haidt afirma que nenhuma geração até hoje teve tantos problemas de saúde mental quanto a Z. O índice de depressão entre jovens subiu de forma expressiva na década de 2010. A taxa de suicídios idem, sobretudo entre meninas com idades entre 10 e 14 anos.
Em um artigo publicado na revista The Atlantic e traduzido na íntegra pelo site da piauí (leia neste link), Haidt argumenta que estamos diante do que os cientistas sociais chamam de “problema de ação coletiva”. Isto é: todos sabem dos problemas causados pelas redes sociais, mas ninguém tem a disposição de agir sozinho (um adolescente sabe, por exemplo, que se abrir mão do Instagram provavelmente será excluído paulatinamente do seu grupo de amigos).
Ele propõe quatro soluções para quebrar essa armadilha. São medidas que, segundo ele, precisam ser adotadas em conjunto por grupos de pais e diretores de escolas:
Nada de celulares antes do ensino médio
“As crianças acham que precisam de um celular porque ‘todo mundo tem’, e muitos pais cedem a esse desejo porque não querem que o filho se sinta excluído. Mas se ninguém mais tiver um celular – ou, digamos, se apenas metade da turma da sexta série tiver um celular – os pais vão se sentir mais tranquilos em dar à criança um telefone dobrável básico (ou não dar telefone algum)”, diz Haidt. “Uma norma que retarde o uso intensivo de internet por jovens de até 14 anos ajudaria a proteger os primeiros anos da puberdade. Segundo um estudo publicado em 2022 no Reino Unido, é nessa idade que o uso das redes está mais relacionado a danos à saúde mental. Regras praticadas dentro de casa sobre o uso de outros equipamentos, como tablets e videogames, devem estar alinhadas com as restrições ao celular, para evitar que a abstinência de uma tela seja compensada por outras.”
Nada de redes sociais antes dos 16 anos
A armadilha aqui, explica Haidt, é que os adolescentes se sentem pressionados a abrir contas no TikTok, Instagram, Snapchat e outras plataformas, já que todos os seus colegas fizeram o mesmo. “Se a maioria dos adolescentes fosse impedida de criar uma conta antes dos 16 anos, eles e suas famílias poderiam resistir melhor a essa pressão”, escreve o pesquisador americano. “Isso não significa que os jovens dessa faixa etária não poderiam assistir a vídeos do TikTok e do YouTube. Eles poderiam. Só o que não poderiam é se registrar nesses sites, fornecendo dados pessoais, publicando conteúdo próprio e oferecendo aos algoritmos um prato cheio para que sejam bombardeados de informação.”
Escolas sem celular
“A maioria das escolas diz que proíbe o celular, mas não é bem assim: quase sempre, só o que se exige é que os alunos não tirem o celular do bolso durante a aula”, afirma Haidt. “Pesquisas mostram que a maioria dos alunos usa, sim, o celular dentro de sala. Usam também na hora do lanche, nos horários livres e no recreio – momentos em que eles deveriam interagir com os colegas face a face. A única maneira de fazer com que os alunos não pensem no celular durante as aulas é exigir que todos guardem o aparelho (assim como outros dispositivos que possam enviar ou receber mensagens) em um armário ou bolsa trancada no início do dia. As escolas que adotaram essa norma relatam que isso melhorou os hábitos dos alunos. Eles se tornaram mais atentos e interativos.”
Mais independência, mais brincadeiras e mais responsabilidade
“Muitos pais têm medo de dar aos filhos o mesmo nível de independência que eles próprios tiveram na juventude – embora, ao menos nos Estados Unidos, a ocorrência de homicídios, embriaguez ao volante e outras ameaças tenha diminuído nas últimas décadas. O medo também provém do fato de que os pais se baseiam uns nos outros para definir o que é normal, e veem poucos exemplos de famílias que deixam uma criança de 9 anos caminhar sozinha até uma loja. Mas se muitos pais começassem a mandar as crianças brincar fora de casa ou fazer pequenas tarefas na rua, a régua que mede o que é seguro ou não aos poucos mudaria – assim como as noções sobre o que significa ser um bom pai. E se mais famílias confiassem tarefas aos filhos – por exemplo, pedindo que eles ajudem mais em casa –, a falta de propósito sentida por muitos desses jovens começaria a se dissipar.”
Haidt afirma: “O celular é um bloqueador de experiências. Nosso objetivo, como sociedade, não deve ser aposentar totalmente as telas, nem fazer com que a infância volte a ser como era em 1960. O intuito é criar uma versão de infância e adolescência que mantenha os jovens ancorados no mundo real e, ao mesmo tempo, se desenvolvendo na era digital.”
Assinantes da piauí podem ler a íntegra do artigo neste link.
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