Em 20 de abril de 1945, um garoto caminha ao lado de prisioneiros mortos no campo de extermínio de Bergen-Belsen, na Alemanha: Israel e Estados Unidos já são estados indecentes? CRÉDITO: GEORGE RODGER/THE LIFE PICTURE COLLECTION/SHUTTERSTOCK_1945
O dilema da decência em uma sociedade indecente
Como Israel e os Estados Unidos entraram para a lista de países cujas instituições humilham pessoas e minorias
O escritor holandês Ian Buruma, ex-editor do The New York Review of Books, escreve na piauí deste mês sobre o dilema que aflige pessoas decentes que são obrigadas a viver em sociedades politicamente indecentes.
Para estabelecer a diferença entre uma sociedade decente e uma indecente, ele recorre ao filósofo israelense Avishai Margalit. Em seu livro The decent society, Margalit diz que uma sociedade indecente é aquela cujas instituições são concebidas para humilhar as pessoas, em geral as minorias. Uma sociedade decente, por sua vez, não é o mesmo que uma sociedade civilizada. Nas palavras do filósofo, “uma sociedade civilizada é aquela cujos membros não humilham uns aos outros, enquanto uma sociedade decente é aquela em que as instituições não humilham as pessoas”.
“Uma sociedade governada por nazistas, stalinistas, maoístas ou outros governantes que aspiram ao controle totalitário é, evidentemente, mais do que apenas indecente”, escreve Buruma. “Enquanto um indivíduo puder expressar livremente suas opiniões críticas sem ser assassinado ou encarcerado, ainda é possível manter a decência. Os verdadeiros dilemas morais começam quando nossa subsistência, ou mesmo nossa vida, depende de estarmos dispostos a cooperar com um Estado indecente. Onde não há escolha, há menos dilema.”
Mas o que dizer de um Estado indecente que ainda preserva certas liberdades que os cidadãos das democracias liberais consideraram garantidas, como eleições livres, imprensa livre e algum grau de independência do Judiciário?
Buruma elege dois países como exemplo: Israel e os Estados Unidos.
Sob o governo de Benjamin Netanyahu, o Estado de Israel, embora continue democrático, passou a se enquadrar na definição de indecência proposta por Avishai Margalit, segundo a qual as instituições oficiais elaboram políticas destinadas a humilhar pessoas e minorias.
O governo de Netanyahu inclui políticos cujas opiniões sobre os palestinos são violentamente hostis. O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, já foi condenado diversas vezes por incitação ao ódio racial. O saldo de mais de 65 mil mortos em Gaza, em retaliação ao terrível ataque cometido contra os judeus em 7 de outubro de 2023, não foi tanto uma consequência inevitável da guerra: foi, em vez disso, um ato de vingança brutal. Os palestinos que vivem na Cisjordânia vêm sendo alvo de humilhações institucionais há muitas décadas. Alegar que atrocidades piores estão ocorrendo no Sudão ou no Congo não é um bom argumento, justamente porque Israel ainda é uma democracia.
Nos Estados Unidos, o governo de Donald Trump está fazendo tudo o que pode para construir um Estado indecente. Os imigrantes são insultados pelo próprio presidente e ameaçados com prisão e deportação. Alguns residentes com visto de permanência já foram encarcerados por expressar opiniões que o governo desaprova – como protestar contra a guerra de Israel em Gaza. Agências governamentais das quais milhões de americanos dependem para manter a saúde, ou mesmo para sobreviver, são rotuladas como “criminosas” e simplesmente destruídas. A independência do Judiciário está comprometida pela nomeação de bajuladores que prometem processar os adversários políticos do presidente. Os jornalistas são denunciados como “inimigos do povo”.
Nos Estados Unidos, porém, o Estado indecente ainda não é uma ditadura. Pelo menos por enquanto, a imprensa tem liberdade de expor e publicar opiniões críticas. Quem se curva a exigências irracionais – e por vezes ilegais – sem ser forçado a isso está apenas fortalecendo os impulsos indecentes de líderes com intenções autoritárias. Essa atitude já foi chamada de “obediência antecipatória”. Em vez de resistir a ataques injustificados ao seu trabalho jornalístico, empresas de mídia estão pagando altas quantias de dinheiro a um governo hostil, para evitar processos judiciais. Escritórios de advocacia estão fazendo o mesmo. Proprietários de jornais já ordenam aos seus editores que evitem críticas ao presidente. Empresas, universidades e até o Exército americano vasculham seus registros, suas comunicações e seus currículos acadêmicos, para apagar qualquer coisa que possa despertar a ira do presidente e seus lacaios.
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