Ilustração: Paula Cardoso
O duplo apelo dos candidatos Bíblia-bala
Total de candidatos que adotam nome religioso junto com patente militar cresceu 116% em quatro anos
O que atrai mais votos dos eleitores no Brasil de 2020? Um candidato com nome religioso ou um com nome militar? Na eleição deste ano, 26 candidatos resolveram a dúvida de um jeito simples: escolheram os dois. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, de 2016 a 2020, aumentou em 116% o total de candidatos que levam para o seu nome oficial na urna uma dupla qualificação, a religiosa e a militar. Este ano, 26 postulantes optaram pela dupla denominação, sendo 23 candidatos a vereador, dois a prefeito e um a vice-prefeito. Em 2016, eram doze casos: nove candidatos a vereador (três eleitos), um a prefeito e dois a vice-prefeito apostaram na dobradinha militar-religiosa. O cálculo leva em conta os termos cabo, capitão, soldado, coronel, policial, sargento, tenente, pastor e irmão, além das respectivas abreviações.
O Soldado Pastor Ezequiel (Avante) é um dos candidatos que personificam o fenômeno religioso e militar nesta eleição. Ezequiel Marcos Ferreira Bueno, 44 anos, é vereador em Ponta Grossa, no Paraná, desde 2012, e busca a reeleição. Em 2016, utilizava apenas Pastor Ezequiel como nome na urna e foi o terceiro vereador mais votado na cidade; em 2018, quando concorreu ao cargo de deputado federal pelo Partido Republicano Brasileiro, atual Republicanos, adotou na urna sua patente de policial militar e virou o Soldado Pastor Ezequiel. Não foi eleito. “Houve uma cobrança do meu eleitorado militar, então resolvi acrescentar o soldado, porque eu também represento essa classe”, explicou. Pastor há dezoito anos, seu lema é a defesa da família, da igreja e da segurança pública, pautas que vêm ganhando mais espaço principalmente em discursos conservadores. “Desde o início, em 2012, quando comecei minha primeira campanha, declarei que iria defender a família, por ser cristão, militar e acreditar no conservadorismo. Não abro mão dessas bandeiras.”
Outro candidato a vereador, em vez de duplicar, triplicou os títulos na urna: Pastor Aquino Doutor Aquino Sargento Aquino (Podemos), na cidade de Cruzeiro, em São Paulo. Na eleição passada, quando foi candidato pelo DEM a vice-prefeito, ele era apenas Sargento Aquino. A chapa ficou em terceiro lugar, com 11,70% dos votos (4.587).
O Avante e o Patriota, ambos conservadores, são os que mais têm candidatos com a dupla denominação, quatro em cada partido. Os partidos dizem ter ideologia cristã, e o Patriota prega também princípios militaristas. Dos candidatos com a dupla inserção militar-religiosa, onze estão no Nordeste (quatro são da Bahia, quatro de Pernambuco, e os outros três do Maranhão, Rio Grande do Norte e Sergipe).
O pioneiro de maior sucesso ao incorporar a tendência militar e religiosa na política brasileira foi o ex-PM Pastor Sargento Isidório. Em 2018, a piauí contou a história do deputado baiano, que faz questão de mostrar o porrete e a Bíblia nas mãos. Deputado federal mais votado na Bahia, ele agora disputa a prefeitura de Salvador pelo Avante e, pela pesquisa Ibope divulgada em 5 de outubro, está em segundo na disputa, com 10% das intenções de voto, atrás de Bruno Reis (DEM), com 42%. O ex-PM defende pautas conservadoras, como casamento heteronormativo e formação tradicional da família. É idealizador da Fundação Doutor Jesus, centro de acolhimento a dependentes químicos em Candeias, no Recôncavo Baiano, local que ele mantém há mais de 27 anos. O papel de pastor, a patente militar e o discurso conservador são elementos de uma tendência que tem ganhado cada vez mais espaço na política brasileira.
Para Lívia Reis, antropóloga e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto de Estudos da Religião (ISER), os debates morais vêm tomando grandes proporções na sociedade brasileira, o que acaba impactando na eleição. Os candidatos são demandados a opinar sobre essas pautas. “A nomenclatura religiosa na urna é um indicativo de que aqueles valores vão ser defendidos”, avalia Reis. Uma mobilização geral em torno da “retórica da perda”, fruto da insegurança e do perigo generalizado na população, está tomando conta dos debates, o que faz com que, cada vez mais, políticos adotem títulos religiosos e militares que vão ao encontro desse discurso.
O retorno da ordem e da segurança é visto como essencial por esses políticos, de acordo com a antropóloga – e o bordão alusivo à família e à proteção na campanha do Soldado Pastor Ezequiel é exemplo disso, assim como o porrete e a Bíblia de Isidório. O militarismo na política, mais impulsionado após a eleição de Bolsonaro, corrobora a ideia da desordem, não só com pautas relacionadas à segurança, mas também à disciplina – que, no discurso desses candidatos, parece ter desaparecido em várias áreas.
Foco e disciplina são valores fundamentais na Igreja Universal, lembra Reis, e, com isso, as identidades militares e religiosas em alguma medida se juntam. A sensação de desordem e de que ninguém obedece a mais nada gera muita insegurança para ambos os lados. “Dependendo do lugar em que o candidato está, ele mobiliza uma ou outra identidade, ou até mesmo as duas juntas, porque elas se casam”, comenta Reis em relação à dobradinha militar-religiosa. A pesquisadora destaca um discurso saudosista de uma realidade que não existe mais, como se a moral e os bons costumes tivessem sido destruídos pela esquerda. “Os candidatos acionam a disciplina militarizada e dizem: no meu tempo não era assim”, exemplifica. Resta aguardar para ver se a estratégia dois em um dará resultado.
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