A tarifa zero em Caucaia: em 2013, um morador de salário médio no Rio ou São Paulo trabalhava 13 minutos para pagar o ônibus – mais que em Santiago, Buenos Aires, Paris ou Nova York CRÉDITO: BETO NEJME_2024
O maior experimento de tarifa zero do Brasil
Caucaia, no Ceará, é o município mais populoso a adotar a gratuidade no transporte coletivo
Em 23 de julho de 2021, o prefeito Vitor Valim anunciou em uma live no Instagram que os ônibus da cidade de Caucaia, no Ceará, passariam a ser gratuitos para toda a população. A medida – uma resposta aos impactos da pandemia – começaria a valer dali a pouco mais de um mês, em 1º de setembro.
Naquele momento, havia cerca de cinquenta cidades com tarifa zero no Brasil. A maior delas era Maricá, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que tem quase 200 mil moradores e é um município excepcionalmente abonado devido à arrecadação com royalties do petróleo, com PIB per capita de 511 mil reais por ano.
Caucaia tem um PIB per capita anual de 28 mil reais, abaixo da média nacional. Mas sua população, com 355 mil habitantes, é quase duas vezes maior que a de Maricá – e sua extensão territorial é pouco mais de três vezes a do município fluminense. Ou seja, mais gente para transportar e mais quilômetros para rodar, com bem menos dinheiro em caixa.
Feito o anúncio da tarifa zero em Caucaia, definiu-se o modelo do programa. A empresa de transporte passaria a receber da prefeitura por quilômetro rodado. O programa foi batizado pela gestão municipal de Bora de Graça, e os veículos receberam enormes pinturas com a marca. Até 31 de agosto de 2021, as viagens diárias pagas oscilavam em torno de 18 mil. Com a tarifa zero, esperava-se um aumento de cerca de 6 mil viagens. Em 1º de setembro, no entanto, as catracas dos ônibus de Caucaia giraram mais de 35 mil vezes, relata o urbanista Roberto Andrés, na edição deste mês da piauí.
Alguns imaginaram que, depois do frenesi inicial, o uso do transporte público iria refluir. Qual o quê. Quanto mais o tempo passava, mais o povo subia nos ônibus. Em dezembro, já eram 70 mil viagens por dia. Três anos depois da inauguração, o Bora de Graça faz cerca de 90 mil viagens a cada dia útil. O sistema custa em média 3,7 milhões de reais por mês para a prefeitura, o que foi o equivalente a 2,6% do orçamento municipal em junho passado.
Para uma parte significativa da população, 4 ou 5 reais dispensados em uma viagem significam privações que impactam suas vidas. Escolher fazer ou não um deslocamento diz respeito ao uso de um recurso que poderia ser aplicado em itens que faltam no dia a dia. Segundo o IBGE, 44% da população de Caucaia recebe até meio salário mínimo – 706 reais por mês –, e o município tem 64 mil famílias inscritas no Bolsa Família, cuja média familiar é de 679 reais por mês no Ceará. Com esses valores, não é difícil perceber que, antes da tarifa zero, uma fatia enorme da população vivia como “prisioneira do espaço local”, no termo cunhado pelo geógrafo Milton Santos.
Em Caucaia, não faltam histórias de vidas transformadas depois da gratuidade. Há quem não conheça o mar, embora viva num município litorâneo, e graças ao Bora de Graça teve a oportunidade de ir, pela primeira vez, do distrito na zona rural onde vive até a praia. Há os que usam a tarifa zero para procurar emprego, para concluir os estudos ou para vender seus produtos caseiros no Centro da cidade ou nas praias.
Muita gente conta que costumava fazer longos trajetos a pé, para não gastar dinheiro – isso numa cidade em que os termômetros ultrapassam 30ºC quase o ano todo. Uma mulher disse que guardou o dinheiro da passagem por vários meses até construir um banheiro em sua casa.
Em julho de 2024, o número de cidades do país com passe livre chegou a 116. Além de Caucaia, outras dez com mais de 100 mil habitantes liberaram as catracas: Canoas (Rio Grande do Sul), Balneário Camboriú (Santa Catarina), Paranaguá (Paraná), São Caetano do Sul, Itapetininga e Assis (São Paulo), Luziânia e Formosa (Goiás) e Ibirité e Ituiutaba (Minas Gerais). Agora, o desafio da tarifa zero no Brasil é a implantação em cidades com mais de 500 mil habitantes, o que nunca foi feito.
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