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Questões da Ciência

O mês do clima

Prepare-se para ler sobre mudança do clima em setembro. Pesquisadores publicam este mês os resultados de duas avaliações abrangentes do que a ciência sabe sobre o aquecimento global. No fim do mês, o IPCC apresenta a primeira parte de seu novo relatório, o mais robusto documento científico sobre a questão. Nesta semana, foi lançado um documento similar brasileiro que buscou entender como as mudanças climáticas afetarão o país.

Bernardo Esteves | 10 set 2013_16h10
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Prepare-se para ler sobre mudança do clima em setembro. Pesquisadores publicam este mês os resultados de duas avaliações abrangentes do que a ciência sabe sobre o aquecimento global. No fim do mês, o IPCC, painel internacional de cientistas criado pela ONU, apresenta a primeira parte de seu novo relatório, o documento científico mais robusto sobre a questão.

O IPCC lança seus relatórios com intervalos de cinco a sete anos. A edição que está saindo do forno é a quinta – as quatro anteriores foram publicadas em 1990, 1995, 2001 e 2007. Entre 23 e 26 de setembro, autores do documento e representantes dos governos se reunirão em Estocolmo, na Suécia, para negociar o sumário executivo do relatório. Será lançado então o primeiro dos três volumes do documento, que discute as bases físicas da mudança do clima – os outros dois serão publicados em março e abril do ano que vem.

O público brasileiro já tem um aperitivo do relatório, com o lançamento nesta semana de um documento similar que buscou entender como as mudanças climáticas afetarão o país. Criado à imagem do IPCC, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas é a primeira iniciativa de âmbito nacional do gênero e reúne 345 cientistas. A primeira parte do seu relatório foi lançada durante a 1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais, realizada esta semana em São Paulo. O sumário executivo do documento, com 28 páginas, está disponível no site do PBMC.

A reportagem “Clima malparado”, publicada na edição de setembro de , antecipou resultados dos dois relatórios divulgados este mês e discutiu o descompasso entre a gravidade das conclusões dos cientistas e a resistência dos governos para combater o problema. Confira abaixo um trecho da matéria que discute as projeções da ciência do clima para o território nacional. Assinantes da revista têm acesso à íntegra da reportagem.

* * *

O meteorologista José Marengo, pesquisador peruano de 55 anos que está no Brasil há dezessete, trabalha com modelagem climática no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe. Ele é autor do IPCC desde o Terceiro Relatório, de 2001. Trabalhando com um modelo regional para a América Latina, participou das projeções climáticas para o território brasileiro. Em agosto, foi a Brasília apresentar os resultados ao grupo do Ministério do Meio Ambiente que estuda como o Brasil pode se adaptar ao aquecimento global.

Não foram boas as notícias que levou. “Vai chover mais no futuro, mas cairá na forma de extremos”, afirmou, apontando para a região Sudeste num mapa no telão. “O que poderia ser uma chuva regular vai se concentrar em poucos dias, com impactos nas áreas vulneráveis, enchentes e deslizamentos de terra.”

Em abril, estive com Marengo em seu gabinete no Inpe. Havia chovido na noite anterior em Cachoeira Paulista e, quando me recebeu, o pesquisador apontou para a janela e comentou que não deveria estar chovendo naquela época. Ressaltou que é arriscado atribuir eventos climáticos isolados a mudanças na atmosfera, e que a meteorologia não basta para justificar o estrago que mais tempestades causarão: “As enchentes são consequência mais da urbanização do que da chuva. Uma cidade toda impermeabilizada, como São Paulo, com qualquer chuva vira uma piscina.” Se a temperatura subir nos índices previstos pelos modelos climáticos, o número de dias anuais com chuvas intensas pode dobrar na capital paulista até o fim do século.


Projeções regionalizadas de clima nos diferentes biomas brasileiros para os períodos de início (2011-2040), meados (2041-2070) e final (2071/2100) do século XXI, baseadas em modelos climáticos globais e regionais (reprodução/PBMC).

No caso do Brasil, as projeções dos modelos indicam que a temperatura deve subir, até 2100, pelo menos 3ºC em todo o país. Cada região sentirá o impacto da mudança de determinada forma. A Amazônia é a região que mais deve esquentar – as estimativas mais pessimistas apontam um aumento de 6ºC até o fim do século. As chuvas podem diminuir de 40 a 45% nesse período. Isso deve aumentar a frequência de secas como as que a região conheceu em 2005 e 2010 – consideradas duas “secas do século”, com um intervalo entre elas de apenas cinco anos. As precipitações podem diminuir até pela metade no Nordeste até o fim do século, e parte da região de clima semiárido corre risco de desertificação, o que forçaria a migração da população para zonas menos hostis.

As projeções da ciência do clima para o Brasil integram o relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. No sumário, o relatório destacou a escassez de estudos sobre a subida do nível do mar na costa nacional e apresentou números de trabalhos estrangeiros que previam um aumento de 20 a 30 centímetros até o fim do século. A bióloga Andréa Souza Santos, secretária executiva do painel brasileiro, disse que o trabalho ajudou a apontar lacunas de pesquisa e mapear a comunidade que atua na área.

Assim como o relatório do IPCC, seu equivalente brasileiro não se limitou a investigar o aspecto meteorológico da questão. Avaliou também como os impactos do aquecimento global afetarão o Brasil, e o que se pode fazer para enfrentá-lo. Os efeitos sobre a saúde estão entre os mais temidos. Perguntei ao médico Ulisses Confalonieri, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz em Belo Horizonte e estudioso da questão, quais seriam os impactos de um aumento de 3ºC.

“Pode haver aumento de doenças transmissíveis como dengue, leptospirose e diarreia infecciosa, além da exacerbação de poluentes atmosféricos que afetam a saúde respiratória”, ele respondeu. Disse ainda que a dengue pode se tornar endêmica em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Mas afirmou que a relação do clima com as doenças é indireta, e que não há modelos eficazes para prever esses impactos.

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