O ouro das minas de São Paulo

Portugal teve também o seu D. Pedro II, monarca que reinou 150 anos antes de seu longínquo descendente, o imperador do Brasil de mesmo nome. D. Pedro II de Portugal foi também rei do Brasil de 1683 a 1706 e tinha grande interesse na administração das riquezas da colônia.

A carta mostrada nesta página é dirigida ao ‘Superintendente das minas do ouro de São Paulo” e datada de Lisboa, em 13 de abril de 1702.

A descoberta de ouro em Minas Gerais havia ocorrido apenas cinco anos mais cedo. Apesar da grande euforia em torno das novas minas, o produtor tradicional de ouro da colônia era ainda a região de São Paulo, onde as primeiras jazidas haviam sido encontradas na região do Pico do Jaraguá já no início do século XVII.

Em dois séculos as terras paulistas produziram uma sétima parte do que Minas Gerais gerou em cem anos, mas ainda assim, a produção era considerável e contribuiu para enriquecer a coroa portuguesa no segundo século da colonização.

Um pouco mais tarde, quem mais se beneficiou foi naturalmente D. João V, filho desse rei D. Pedro II, que pegou em cheio durante seu longo reinado de mais de 40 anos (de 1706 a 1750) a enorme prosperidade trazida pelo ouro e pelos diamantes de Minas Gerais, que fizeram dele em seu tempo o rei mais rico da Europa.

Seu pai, D. Pedro II, também não pôde se queixar, mas mostra nesta carta um singular pragmatismo e uma surpreendente lucidez. O rei prova de fato ter plena noção do quanto seus administradores coloniais podiam entender melhor situações difíceis de julgar a milhares de quilômetros de distância.

A carta merece ser transcrita na íntegra:

“Superintendente das Minas, Eu El Rei vos envio muito saudar. Pelo regimento que mandei se fizesse para as mesmas minas, por onde vos haveis de governar, e as pessoas que vos sucederem nessa ocupação, vereis a forma que mando observar neste particular. E porque a experiência vos pode mostrar que nela faltam algumas coisas, que serão convenientes à boa administração das minas e em benefício do meu serviço, me pareceu ordenar-vos, como por esta faço, me deis conta com o vosso parecer do que se deve acrescentar ao dito regimento, como também do que achardes, se alguns dos capítulos dele pode ter inconvenientes na sua prática. E quando entendais que a sua execução poderá ser notoriamente prejudicial ao fim que se pretende, me avisareis, suspendendo a execução dos ditos capítulos.”

É notável a liberdade que D. Pedro confere ao recém-nomeado superintendente, funcionário responsável por uma boa parte das receitas da colônia. Sugere que com sua “experiência” o próprio administrador é autorizado a considerar que a sua execução do regulamento poderá ser “notoriamente prejudicial ao fim que se pretende”, podendo suspender “a execução dos ditos capítulos”. A autonomia para que um superintendente local alterasse regimentos elaborados em Lisboa era raramente concedida com tal liberalidade pelos reis portugueses, ciosos da concentração do poder na capital.

Nesse caso, D. Pedro II entendeu que era de seu pleno interesse delegar poderes para que o novo superintendente alterasse práticas que fizessem aumentar as rendas da colônia.

A carta, em perfeito estado de conservação, é escrita em papel de trapo, que permanece branco e sólido através dos séculos. Têm também um grande interesse filatélico: é umas das primeiras cartas comprovadamente enviadas de Portugal para o Brasil, pois mantém o seu envelope no verso, provando que atravessou o oceano.