O presidente inseguro
Enquanto Guedes e Mourão tratam do que importa, Bolsonaro demite civis do segundo escalão
Quem assegura o presidente? Jair Bolsonaro mandou demitir a suplente de uma comissão de segundo escalão para provar que ainda manda. Ilona Szabó havia sido nomeada horas antes por Sérgio Moro para um cargo simbólico, sem poder nem salário. Daria aparência de diversidade a um governo que – como o episódio provou – se preocupa mais com as redes antissociais do que com a sociedade. Mas bastou uma campanha contra ela no Twitter para Bolsonaro ignorar seus conselheiros, desmoralizar Moro e mandar o ministro demiti-la. Queimou, assim, mais um punhado de fichas de seu declinante cacife político – e sem ganhar nada com isso: nenhum voto a mais no Congresso, nenhum simpatizante que já não fosse convertido.
Não, não foi apenas uma demissão. Foi ato de quem carece de autoafirmação. O presidente agiu em defesa da própria autoridade, numa tentativa de impor a aceitação de seu poder por quem o cerca. É atitude de quem se acha fragilizado ou de quem busca se libertar de algum tipo de tutela. Qual governante faz isso com dois meses no cargo? E pela segunda vez em poucas semanas? Sim, porque a demissão de Szabó tem a mesma matriz que levou à defenestração precoce do ministro Gustavo Bebianno.
Nos áudios de WhatsApp da conversa que ele disse não ter tido com o ministro, ouve-se Bolsonaro invocar o próprio cargo – “como presidente da República” – para mandar Bebianno cancelar um encontro e uma viagem também desimportantes. Como se precisasse lembrar a si próprio e aos subordinados quem é quem.
Tanto uma quanto outra demissão nasceram da paranoia antiesquerdista de Bolsonaro e família. Da necessidade de perseguir inimigos reais ou imaginários para afirmar a própria identidade. Mas, se fosse só isso, a reação intempestiva do presidente seria acalmada por conselhos temperados de assessores mais experientes e racionais. Sua intransigência mesmo quando confrontado com o desgaste que imporia ao próprio governo é sinal de que a insegurança presidencial tem causa mais complexa.
Talvez Bolsonaro precise de episódios assim para perceber-se empoderado. Enquanto o agora único superministro Paulo Guedes comanda a reforma da Previdência, enquanto o vice Hamilton Mourão se junta aos demais presidentes sul-americanos para tentar evitar um conflito armado na Venezuela, Bolsonaro vai ao hospital, participa de cerimônias decorativas ou mofa no palácio. Demitir civis desimportantes é uma compensação.
Os generais que avalizaram a chegada de Bolsonaro à Presidência devem estar se perguntando quantos outros surtos libertários do presidente eles terão que administrar daqui pra frente. Quem será o próximo sacrificado para assegurar ao chefe que ele é respeitado, que manda, que faz e acontece? E essa próxima vítima vestirá terno, toga ou farda?
Além de tornar evidentes as fragilidades do governo, a demissão forçada de Szabó escancarou a passividade de Moro diante do clã Bolsonaro. O subministro já parecia titubeante ao ter que investigar os laranjas do PSL e as conexões milicianas. Agora, desautorizado publicamente pelo presidente, optou pelo cargo à própria autoridade. Deu mais um passo do laranjal ao bananal.
Aonde tudo isso vai dar? Já está dando. Em apenas um mês, Bolsonaro perdeu dez pontos de popularidade. Uma pesquisa feita no fim de janeiro e que nunca chegou a ser divulgada dava 67% de aprovação ao presidente. A da CNT, feita um mês depois, apontou 57%. Significa que Bolsonaro ainda tem a aprovação da maioria, mas está gastando à toa e rápido demais o estoque de boa vontade dos brasileiros. E faz isso antes de um momento crítico, quando precisará de popularidade para convencer deputados e senadores das mudanças que quer fazer no sistema de aposentadorias e pensões.
Como tubarões que sentem uma gota de sangue no mar, os congressistas perceberam a fragilidade do governo, impuseram uma derrota simbólica revogando um decreto presidencial e estão exigindo contrapartida em cargos e emendas ao orçamento. Já os grupos de pressão e lobbies corporativos vão cobrar sua parte em exceções e privilégios na reforma da Previdência. As demissões autoafirmativas de Bolsonaro custam caro. E, a se repetirem, custarão muito mais. Quem segura o presidente?
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