O Tempo que Resta – crônica do desencanto
Será preciso dizer onde o diretor Elia Suleiman nasceu para comentar O Tempo que Resta? Faz diferença se a história é ou não autobiográfica? É preciso mencionar que, além de diretor, roteirista e co-produtor, ele também é ator? E a semelhança dele com os mestres da autoironia, deve ser apontada? É importante saber se o filme foi premiado em algum festival?
É raro ir ao cinema sem estar munido dessas informações. Mas são, de fato, referências necessárias? Precisamos dessas balizas para ver o filme?
No caso de diretores americanos, ingleses ou australianos, não costumamos nos preocupar tanto em saber sua nacionalidade. Por que, então, é difícil encontrar referência a Asghar Farhadi, diretor de Procurando Elly, por exemplo, sem menção de que nasceu no Irã? Talvez porque filmes realizados fora dos grandes centros são considerados, no mundo todo, como sendo produtos exóticos. Essa categoria, acrescida de dados não contidos no próprio filme, pode ser atraente ou causar rejeição. Nas duas hipóteses, não deixa de influenciar nossa percepção.
Não vou, então, mencionar onde Elia Suleiman nasceu, nem se O Tempo que Resta é autobiográfico etc. O mais importante é a marca do autor. Estruturado em um prólogo e quatro episódios autônomos, situados em épocas diferentes, o tom da narrativa é irônico, o que por si só surpreende, considerando tratar da resistência a um exército de ocupação. A primeira sequência termina com um motorista de van perdido, perguntando a si mesmo onde está, sem ter resposta. No banco de trás, recém-chegado ao aeroporto, um passageiro não identificado é conduzido não se sabe para onde. Um bom começo, enigmático na justa medida.
Uma legenda define o filme como “crônica de um ausente presente”. Do primeiro ao último episódio, situados na década de 1940 e na atualidade, há uma oscilação entre o burlesco e o contemplativo. Tratando de um território ocupado, os personagens encontram diferentes formas de reagir. Enlouquecem, banhando-se em querosene e ameaçando tocar fogo às vestes – o pijama, no caso; militam na resistência armada, contrabandeando armas do Líbano; enfrentam a polícia nas ruas; recusam colaborar, mesmo ameaçados com uma pistola e surrados.
A desproporção entre opressor e oprimido persiste, expressa pelo canhão de um tanque que mantém na mira um menino que vai e vem na rua, falando ao celular. Mas, nada disso é tratado em tom trágico são fatos do cotidiano. Ombros e olhar caídos, o que prevalece é o desencanto com o mundo de Elia Suleiman.
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