A ascensão de Guedes junto a Temer teve um padrinho importante e, atualmente, famoso por sua relação com o atual presidente da República: Rodrigo Rocha Loures, que ficou conhecido como o “homem da mala” após ser flagrado pela Polícia Federal recebendo 500 mil reais da JBS. FOTO: FABIO RODRIGUES POZZEBOM_AGÊNCIA BRASIL
O voo do doutor
Quem é Gustavo Guedes, ex-defensor do PT – para quem trabalhou de graça – e que hoje tenta salvar o mandato do presidente Michel Temer
“O senhor Hilberto Silva?”, perguntou Gustavo Guedes, advogado do presidente Michel Temer, ao empreiteiro Marcelo Odebrecht, durante uma audiência no Tribunal Superior Eleitoral, em março. Pareceu maliciosa a dúvida em relação ao funcionário do setor de propinas da Odebrecht, como se o criminalista esperasse uma reação inesperada do empreiteiro. “É com ‘H’?”, indagou, grave.
Não importava o adiantado da hora, Guedes se detinha aos mínimos detalhes – os ortográficos inclusive. Era sua 139ª intervenção das 162 que faria naquela audiência – mais do que o dobro das feitas pelo advogado do PT. A dúvida foi sanada pelo próprio empreiteiro, pouco antes de o advogado emendar a frase, como se tivesse desvendado um importante esquema da Lava Jato: “Então é Hilberto, com ‘H’ mesmo…”
O minucioso e focado Gustavo Bonini Guedes assumiu a defesa de Temer em dezembro de 2015, quando o hoje presidente ainda ocupava a cadeira de vice “decorativo”, Dilma Rousseff era a inquilina principal do Palácio do Planalto e o processo de impeachment parecia algo improvável no horizonte político até para adversários da petista. Ele tinha apenas 33 anos quando foi escalado para a missão – hoje tem 35. Meses se passaram até que a causa cresceu, e hoje os sete ministros do Tribunal Superior Eleitoral se reúnem para dar início à votação – inédita na história do país – que pode levar à cassação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder político e econômico na eleição de 2014. Se Temer for cassado, ele será substituído pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que teria trinta dias para convocar uma eleição indireta, na qual votam apenas deputados e senadores. O pleito escolheria um presidente-tampão para conduzir o governo até o processo eleitoral de 2018.
Do ponto de vista técnico, o destino de Temer – uma eventual absolvição ou cassação – está nas mãos do jovem e quase desconhecido advogado – o que chama a atenção dos colegas. Diferentemente dos jurisconsultos que costumam atuar em causas desse calibre, Guedes não veio de nenhuma banca afamada do eixo Rio-São Paulo, mas sim de seu pequeno escritório em Curitiba, do qual é o único sócio – começou em 2015 com três advogados, hoje tem 15. Tampouco se formou numa prestigiada escola de Direito. Foi aluno da primeira turma da UniBrasil, no Paraná, e orgulha-se de seu nome constar de uma placa na faculdade homenageando os primeiros formandos.
Recorda-se de um dos primeiros textos que leu na universidade, de autoria do ministro do STF, Luís Roberto Barroso, intitulado Direito e Paixão. Não leu o livro, mas uma cópia feita na xerox da faculdade, que deu para o autor assinar, sem nenhum constrangimento, quando Barroso visitou a UniBrasil. “Só depois de um tempo percebi o absurdo da situação”, lembrou. O advogado também não pertence a nenhuma dinastia jurídica brasileira que lhe garantisse pedigree: nascido em Presidente Prudente, interior de São Paulo, é filho de um especialista em informática e uma médica.
Mas a ascensão de Guedes junto a Temer teve um padrinho importante e, atualmente, famoso por sua relação com o atual presidente da República: Rodrigo Rocha Loures, que ficou conhecido como o “homem da mala” após ser flagrado pela Polícia Federal recebendo 500 mil reais da JBS. Loures está preso, mas até o episódio desabonador ele era homem da “mais estrita” confiança de Temer.
Loures conheceu Guedes em 2010, quando o advogado trabalhava no escritório de Luiz Fernando Pereira, o “Pereirinha”, e atendia a campanha ao governo do Paraná do então candidato do PDT, Osmar Dias. O ex-assessor de Temer era vice de Dias, e manteve Guedes como seu guardião jurídico, voltando a trabalhar com ele na eleição de 2014, quando tentou, sem sucesso, uma vaga na Câmara dos Deputados.
Na eleição de 2014, Guedes também advogou para o PT, de Gleisi Hoffmann, candidata ao governo do Paraná. No segundo turno, Gustavo Severo, um amigo do mesmo estado e que fazia parte da equipe jurídica da campanha presidencial de Dilma, o chamou para compor o time. Guedes lembra que seu primeiro grande feito foi entrar com uma ação pedindo a suspensão de uma propaganda da revista Veja que trazia na capa uma reportagem crítica à Dilma.
Depois do segundo turno, continuou com a equipe, dessa vez com a missão de passar um pente-fino na prestação de contas do adversário de Dilma, o tucano Aécio Neves, justamente o responsável pelas ações no TSE que deram origem ao processo que envolve a chapa Dilma-Temer. Decidido, Guedes estava tão interessado em fazer contatos em Brasília que topou trabalhar de graça. “Eu quis ganhar experiência”, resume.
O trabalho com o PT acabou, mas Guedes continuou atento aos movimentos no TSE. No segundo semestre de 2015, estava em casa tarde da noite assistindo à uma sessão do Tribunal sobre a chapa Dilma-Temer, na TV Justiça, quando teve um insight. Percebeu que Temer comia bola ao não ter um advogado cuidando dos seus próprios interesses, mesmo que a ação viesse a dar com os burros n’água – o mais provável naquele momento. Com o clima entre a titular Dilma e seu vice azedando, não parecia adequado a defesa de Temer ficar a cargo dos advogados da ex-presidente. Conversou sobre a tese com Rocha Loures, que logo o levou para falar com o amigo Temer.
Guedes passou praticamente um mês indo a Brasília para ser sabatinado por Temer, um constitucionalista que treinou suas habilidades técnicas. Nesse tempo, se aproximou de Gastão Toledo, assessor jurídico do presidente, que também enxergou qualidades no jovem advogado. Houve uma simpatia mútua entre o trio. Em dezembro de 2015, enquanto Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, aceitava o pedido de impeachment contra Dilma, Guedes era constituído formalmente advogado do vice-presidente junto ao TSE. “Achei que eles iriam chamar algum figurão. Tinha um monte oferecendo serviço”, lembra Guedes. “Ou que pelo menos algum ex-ministro do Tribunal fosse compor o grupo. Mas no final fomos nós mesmos.”
“Se tivesse que o definir diria que ele é muito inteligente e muito habilidoso”, resumiu Luiz Fernando Pereira, dono do escritório onde Guedes trabalhou por dez anos. A pedido do ex-funcionário, Pereira confeccionou dois pareceres que embasam o argumento central da defesa de Temer no TSE. A tese principal é que não poderiam ser incluídos no processo fatos sobre caixa dois que surgiram após o início da ação, como a delação da Odebrecht e os depoimentos dos marqueteiros Mônica Moura e João Santana. “Como advogado, ele correspondeu com louros na transpiração. Muito mais do que na inspiração”, afirmou, não sem certa ironia, um renomado advogado eleitoral sobre o esforço profissional de Guedes, integrante da Comissão de Direito Eleitoral da OAB e ex-presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral.
Jeitoso e solícito – do tipo que não costuma deixar uma ligação sem retorno –, ele foi ganhando espaço no Palácio do Jaburu. Em tempos de turbulência, chegou a compor com ministros e advogados mais experientes o QG presidencial anticrise – passou, inclusive, a defender Temer no Supremo Tribunal Federal em parceria com Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, um dos maiores advogados do país. No sábado, elaborou com Temer e três ministros a estratégia de confronto com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que consistiu basicamente num ataque preventivo.
Temendo que Janot – em trabalho acelerado de fim de mandato na Procuradoria-Geral da República – divulgasse alguma prova contra Temer nesta semana decisiva, o Planalto resolveu gritar, e coube a Guedes ser o porta-voz da trovoada. “O que estamos indignados é com a tentativa de atuação política do Ministério Público”, declarou no domingo. Foi bem-sucedido: conseguiu emplacar manchetes nos principais jornais do país.
Murilo Hidalgo, diretor do Instituto Paraná Pesquisas e há cinco anos cliente de Guedes, comemora o estrelato de seu advogado. “O que mais me chamou a atenção é que ele não subiu o preço”, brincou. “Continuou humilde, o sucesso não subiu à sua cabeça.”
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