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    Imagens dos destroços foram incluídas no laudo da Aeronáutica - FOTO: REPRODUÇÃO/CENIPA

anais da tragédia

O voo que não terminou

Laudo diz que erro humano derrubou o avião que matou o piloto Tuka Rocha e outras quatro pessoas

João Batista Jr. | 08 out 2021_16h11
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O bimotor Cessna 550 atravessava um céu límpido, os oito passageiros já enxergavam o mar azul da Península de Maraú, no litoral da Bahia, e o piloto Aires Napoleão Guerra, então com 66 anos, começou os procedimentos para aterrissar – e cometeu um erro fatal. O jato executivo pousou antes da cabeceira da pista, arrastou-se pelo chão por cerca de 200 metros, pegou fogo e explodiu, matando uma passageira na hora. O acidente aconteceu no dia 14 de novembro de 2019. Nos dias e semanas seguintes, outras quatro pessoas morreram em decorrência de complicações das intensas queimaduras, incluindo o piloto Tuka Rocha, uma estrela da Stock Car. Agora, depois de um ano e nove meses de trabalho, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) concluiu que o desastre resultou de uma falha do piloto.

Em quarenta páginas, o laudo do Cenipa explica que o piloto demorou a perceber o grau de proximidade entre a aeronave e a pista, e a demora prejudicou sua capacidade de corrigir o erro “em tempo hábil de evitar a colisão com o solo”. O laudo diz que um dos fatores que contribuíram para essa lentidão é que o piloto dividia “sua atenção entre a atuação nos comandos da aeronave e a supervisão das atividades do copiloto” – o jovem Fernando Oliveira Silva, 26 anos na data do acidente – porque tinha “pouca confiança (…) em relação ao desempenho do copiloto”. Os dois, diz o laudo, tinham “baixo nível de entrosamento”.

O laudo ainda especula que a largura da pista de pouso – de apenas 23 metros – pode ter prejudicado o desempenho da tripulação. Como a pista era “provavelmente mais estreita do que o usual para os pilotos envolvidos no acidente”, os pilotos podem ter tido “a ilusão de que aeronave se encontrava mais alta do que realmente estava em relação à distância da cabeceira”. Por isso, o bimotor pousou antes da pista, o que danificou o jato, produziu o fogo e a explosão. O piloto Guerra foi o menos ferido de todos. A piauí procurou Guerra para ouvi-lo sobre o resultado do laudo. Por telefone, ele disse que não comentaria o caso, “porque tem muitas inverdades e narrativas inverídicas”. Sugeriu então que seu advogado fosse procurado e disse que mandaria o contato por mensagem – o que não aconteceu até o fechamento desta reportagem. O copiloto, com queimaduras graves, morreu dez dias depois do acidente.

Havia dez pessoas a bordo – dois tripulantes e oito passageiros, um grupo de amigos que planejara passar o feriadão da Proclamação da República na residência da família do empresário Eduardo Mussi, na Península de Maraú. A primeira a morrer, com a explosão da aeronave, foi a empresária Marcela Elias, aos 37 anos. Mais tarde, morreram seu filho, Eduardo Elias, de 6 anos, e sua irmã, a influenciadora Maysa Mussi, 32 anos – além do copiloto Silva e de Tuka Rocha. Houve quatro sobreviventes, além do piloto Guerra: Eduardo Elias (pai de Eduardo e viúvo de Marcela), Eduardo Mussi (viúvo de Maysa), Marcelo Constantino, herdeiro da companhia aérea Gol, e sua namorada, a artista plástica Marie Cavelan. A piauí publicou uma reportagem reconstituindo o acidente em sua edição de fevereiro passado. 

O laudo do Cenipa também informa que o bimotor Cessna 550, comprado em 1981 e pertencente ao empresário Juca Abdalla, estava em perfeitas condições. Na entrevista que deu aos técnicos do Cenipa, o piloto Guerra diz que não tinha vínculo empregatício com Abdalla e que, naquela ocasião, estava fazendo um voo de teste. Ou seja, exibia o desempenho do jato executivo para um interessado em comprá-lo – no caso, Eduardo Mussi. No entanto, Mussi, que até hoje lida com pesadas sequelas do acidente, nega qualquer intenção de adquirir a aeronave e assegura que alugou-a como um serviço comum de táxi aéreo. Para corroborar sua versão, Mussi apresenta o comprovante do pagamento do aluguel – no valor de 55 mil reais – feito pelo seu pai, o empresário do ramo da mineração Carlos Henrique da Silva Ferreira, horas antes do embarque.

O detalhe é relevante para a apuração das responsabilidades. Marcelo Constantino e sua namorada Marie Cavelan, assim como os familiares de Tuka Rocha, movem um processo por danos morais e materiais contra Juca Abdalla. “O laudo do Cenipa é a prova que buscávamos para responsabilizar Abdalla pelo acidente”, diz o advogado Nelson Wilians, contratado por alguns familiares das vítimas da tragédia de Maraú. “Abdalla alugou o avião com seus pilotos. A queda é resultado de erro humano cometido por alguém contratado por ele. Por essas razões, ele deve ser responsabilizado por cinco mortes e tamanha dor.” Procurados pela piauí, os advogados de Abdalla disseram que o cliente não irá se manifestar.

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