Real beleza
Obra – implosão
É duro ser condenado na manhã do dia de estreia. Essa frase, que começa o post da semana passada, também serve para iniciar este. Uma semana depois da sentença fatal imposta a Real beleza, a mesma Susana Schild implodiu Obra, filme escrito e dirigido pelo estreante Gregorio Graziosi (13/8/2015). Apesar do famigerado bonequinho dessa vez estar sentado, atento, em nota de seis linhas, Susana critica o filme, lançando mão de adjetivos como “frágil”, “letárgico”, e expressões como “quase parando”.
É duro ser condenado na manhã do dia de estreia. Essa frase, que começa o post da semana passada, também serve para iniciar este. Uma semana depois da sentença fatal imposta a , a mesma Susana Schild implodiu Obra, filme escrito e dirigido pelo estreante Gregorio Graziosi. Apesar do famigerado bonequinho dessa vez estar sentado, atento, em nota de seis linhas, Susana critica o filme, lançando mão de adjetivos como “frágil”, “letárgico”, e expressões como “quase parando”.
No mesmo dia, Susana contou, no trabalho de demolição de Obra, com a ajuda entusiasmada de Inácio Araujo. O texto dele na Folha de São Paulo, acompanhado de bola preta e título definindo o filme como “retrato enfadonho de São Paulo”, é permeado de ironias e auto-ironias demolidoras: “Obra nos conduz a um passeio […] ao mundo encantador da ressonância magnética, dos corredores de treme-treme, doenças terminais, construção civil. Talvez eu tenho dormido na hora, mas não vi o metrô. Inova-se.”
Na tentativa de assistir Obra naquele mesmo dia, procurei saber em qual cinema e horário estava sendo exibido. Não encontrei essa informação na versão on-line do Globo, nem no site Ingresso.com. Convenhamos que depois de ser demolido de manhã pela retroescavadeira crítica, estreando clandestinamente à tarde, as possibilidades do filme ser visto por alguém eram mínimas.
Na sexta-feira, a caminho de São Paulo, soube pelo caderno Rioshow do Globo que Obra estreara, no Rio, em uma única sala com duas sessões. E na versão mais longa da crítica de Susana constatei que os adjetivos resultam menos contundentes, vindo depois do reconhecimento de que o filme pode ser visto como um “sofisticadíssimo tour em preto e branco por marcos arquitetônicos de São Paulo”, compondo um “ensaio urbanístico de planos requintados, com impactantes enquadramentos” e “rica trilha de sons e ruídos”. Reduzido a 6 linhas na véspera, a edição desse texto enfatiza apenas as restrições, deixando em segundo plano o que ela reconhece como positivo no filme.
Ainda assim, tanto a crítica de Susana, quanto a de Inácio, omitem o reconhecimento que Obra obteve em festivais no Brasil e no exterior. Selecionado para Toronto e Roma, foi premiado no Rio pela Federação de Críticos (FIPRESCI), além de ter sido considerado o filme de melhor fotografia (André Brandão). E em Havana recebeu o prêmio de melhor contribuição artística. Mesmo com o cuidado de não superdimensionar o significado desses prêmios, parece claro que comentários críticos como os de Susana e Inácio assumem postura prepotente quando não informam que méritos do filme foram reconhecidos em outras paragens. Bonequinho, bola preta e estrelas, adjetivação pesada e ironias, contribuem para dar ao que é escrito a impressão de ser irretorquível.
Em São Paulo, suponho, por ser uma produção paulista na qual a cidade em si é a personagem central, Obra estreou em 5 cinemas, mas todos numa mesma região da cidade e com apenas 8 sessões ao todo por dia. Com esse circuito e a recepção adversa da crítica o desfecho do lançamento estava definido de antemão.
Depois de ter assistido a Obra em São Paulo, na sexta-feira (14/8/2015), assim como na semana passada, admito que Susana indica com precisão o que também me pareceu ser a principal carência do filme: “a complementação do elemento humano”. Cautelosa, ela sugere que “a intenção talvez seja essa mesma”, mas afirma que “o resultado fica aquém do formalismo virtuoso da obra”. Não poderia estar mais de acordo, o que confirma o desvirtuamento que ocorre, e a injustiça cometida, quando uma crítica é reduzida a 6 linhas e publicada no dia da estreia de um filme.
Além dessas arbitrariedades externas feitas a Obra, o filme parece ter sofrido de falta aguda de senso autocrítico interno durante sua realização. As carências do roteiro de Graziosi e Paolo Gregório poderiam ter sido atendidas a tempo se houvesse disposição mínima para tanto. Da mesma forma, poderia ter sido facilmente sanável a dificuldade que Graziosi demonstra em lidar com seus personagens e atores. Mais uma vez, a impressão que fica é de complacência, em detrimento do filme, entre seus produtores, realizador e equipe.
Um dos nós górdios do cinema brasileiro contemporâneo é a irresponsabilidade com a qual as comissões selecionam os filmes que receberão apoio financeiro e a falta de critério na escolha dos projetos a serem produzidos. É irresponsável toda decisão pela qual quem decide não assume nenhuma responsabilidade. Quanto à falta de critério, para comprová-lo, basta cotejar os filmes que vêm sendo produzidos e sua recepção crítica e comercial – a maioria não têm nem reconhecimento artístico, nem financeiro.
Obra foi produzido com recursos da Prefeitura de São Paulo, do Governo do Estado de SP e do Fundo Setorial do Audiovisual, gerido pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), além de apoios recebidos de empresas prestadoras de serviço. Considerando as restrições feitas ao resultado, não seria o caso de se questionar a decisão de apoiar o filme com recursos públicos? Mas ninguém é responsável. Ninguém responde pela decisão de investir no projeto. São decisões anônimas.
Nesse rumo, la nave va e filmes brasileiros naufragam.
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