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Os porcos respingam em Lyndon Johnson

Em junho de 1965, o democrata texano Lyndon Johnson não andava bem visto pela maior parte da intelectualidade americana, devido à crescente participação americana na guerra do Vietnã

| 09 maio 2016_18h16
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Em junho de 1965, um ano e meio após suceder a John Kennedy na presidência dos Estados Unidos, o democrata texano Lyndon Johnson já não andava bem visto por boa parte da intelectualidade americana, dada a crescente participação americana na Guerra do Vietnã.

Apesar do ambiente pouco propício, um assessor seu, Richard Goodwin, havia se arriscado a propor um festival de artes patrocinado pela Casa Branca, contando reunir grandes nomes da cultura americana, tradicionalmente simpáticos aos democratas.

Na verdade, o plano começou a fazer água quase desde o início, em maio de 1965. Naquele momento, o futuro prêmio Nobel de literatura, Saul Bellow, amigo de Goodwin, alertou-o que o grande poeta americano Robert Lowell, convidado do festival, pretendia declinar  sua participação numa coletiva, alegando divergências com a política americana no Vietnã e na República Dominicana. Lowell, talento extraordinário, era também figura depressiva e imprevisível.

Em papel timbrado da Casa Branca, Goodwin escreve um memorando confidencial ao chefe: “Conhecendo Lowell como conheço, ele é perfeitamente capaz de fazer e dizer praticamente qualquer coisa.” Confessa que poderia ter “antecipado algo assim”: “O Lowell é um dos nossos mais extraordinários poetas, mas ele vive entrando e saindo de instituições mentais, é muito errático e certamente não é confiável. Isso talvez o torne um grande poeta, mas faz dele uma figura muito fraca para eventos públicos. Na verdade, eu teria mais medo do que ele seria capaz de fazer se participasse do festival do que se não viesse.” Bellow lhe havia dito que um grupo de intelectuais organizava um boicote contra o evento, incitando os convidados a não comparecer.

Diante deste relato que evidenciava a resistência da mais alta intelectualidade americana a uma iniciativa da Casa Branca  – iniciativa que agora se mostrava infeliz –, Johnson escreve abaixo do texto datilografado, a lápis, um recado para Bill Moyers e Jack Valenti, seus colaboradores mais próximos. O pragmatismo de Johnson às vezes beirava a grossura. Seu comentário é revelador do clima de confronto de sua mandato conturbada, que viu o assassinato de Martin Luther King e a emergência dos movimentos libertários dos anos 1960: “Bill e Jack, tive sérias dúvidas a respeito desse assunto desde o início. Quando você entra num chiqueiro com porcos, acaba se sujando também.”

Altamente confidencial, esse desabafo mostra bem o desprezo do presidente pela elite intelectual (que também o desprezava) e teria criado escândalo se à época fosse divulgado, por se referir a grandes escritores e artistas dos Estados Unidos como “porcos”.

Este documento ficou entre os papéis pessoais de um dos assessores de Johnson, pois não fazia parte daqueles que a lei exige que sejam remetidos ao arquivo nacional dos Estados Unidos. Após a morte desse assessor, no ano passado, o memorando original foi leiloado pela família e a opinião sincera de Johnson pôde vir à tona, num momento em que já não provocava mais qualquer polêmica.

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