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    Marcos de Miranda, no tempo em que realiza missas (Divulgação/ Paróquia Senhor Bom Jesus)

questões eclesiásticas

Demitido pelo Papa, contratado por Ricardo Nunes

Marcos de Miranda perdeu a batina por ter tido filho com uma fiel de sua paróquia e foi nomeado chefe de gabinete da subprefeitura do Jaçanã 

João Batista Jr., de São Paulo | 10 maio 2024_08h12
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Um processo eclesiástico de mais de três anos foi encerrado em março, iniciado na Diocese de Santo Amaro e encerrado no Vaticano. O padre influencer Marcos de Miranda, de 47 anos, foi demitido da Igreja Católica por unanimidade. Feito em novembro de 2022, um exame de paternidade determinado pela Justiça comprovou que o religioso é mesmo o pai do filho que teve com Rosi Silva, uma antiga fiel da Paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus, no bairro paulistano de Pedreira, onde Miranda era o pároco. Desde março de 2021, a 7ª Vara da Família e Sucessões de São Paulo havia determinado que o padre pagasse pensão alimentícia à criança, hoje com 5 anos, por se recusar a fazer teste de DNA.

No processo, Rosi incluiu inúmeras trocas de mensagens para comprovar o envolvimento amoroso entre os dois. Após dar entrada com duas queixas – na Justiça comum e no Tribunal Eclesiástico – ela e seu advogado passaram a receber ameaças anônimas por telefone exigindo que voltassem atrás. “Muita gente foi até a porta da minha casa dizendo que eu iria acabar com a carreira do padre”, lembra ela. Até a sua demissão da Igreja Católica, o valor de um terço de salário-mínimo era descontado da côngrua, nome da remuneração dos padres católicos, de Miranda a título de pensão alimentícia.

O clérigo foi notificado de sua demissão no dia 26 de abril, quando a decisão iniciou os seus efeitos. “Com esta decisão, o Pe. Marcos perde, automaticamente, os direitos e obrigações próprios do estado clerical, bem como as dignidades e ofício eclesiásticos. Não poderá exercer ofício de direção no âmbito pastoral ou assumir qualquer responsabilidade de administração paroquial, bem como a celebração dos sacramentos”, diz a carta de demissão assinada por Antônio Henrique Alves dos Santos, padre e chanceler do bispado da Diocese de Santo Amaro. Em outras palavras, Miranda deixou de receber salário, saiu da casa paroquial e não pode mais realizar cerimônias religiosas em nome da Igreja Católica.

Embora estivesse tecnicamente afastado de suas atividades desde meados de 2021 em razão das investigações eclesiásticas, Miranda não estava longe da vida religiosa. Na prática, a Igreja Católica fazia vistas grossas a seu trabalho – ele seguia ocupando o púlpito semanalmente (sem usar estola ou ouvir confissões, mas dando a palavra no centro do Santuário Mãe de Misericórdia, na Zona Sul de São Paulo) e pedindo arrecadações. Ao lado do Santuário, funciona uma entidade assistencial chamada Associação Amigos de Fé.

A Diocese de Santo Amaro nega que Miranda pedisse dízimo após ter sido afastado para ser julgado. “O afastamento do padre era em vista da realização do procedimento. A associação não deixou de funcionar, pois ela é privada e o padre Marcos é o responsável legal pela associação e sua manutenção financeira, portanto as pessoas podem fazer doações livremente. Assim os valores arrecadados não eram para a Igreja Católica, mas para manutenção do espaço que tem natureza de assistência social”, contou, por e-mail, o padre Antônio Henrique.

Procurado pela piauí, o ex-padre Marcos de Miranda confirma o seu desligamento da igreja. “Roma achou por bem que fosse afastado em definitivo”, disse ele, por telefone. “Eu tenho que trabalhar para pagar pensão”, explicou, sem dar detalhes sobre o novo emprego.

Antes mesmo de ter sido desligado da Igreja Católica, porém, o padre foi acolhido na política. Em 19 de maio do ano passado, quase um ano antes de ser formalmente comunicado sobre a sua saída da Igreja Católica, ele foi nomeado chefe de gabinete da subprefeitura do Jaçanã, Zona Norte de São Paulo, conforme publicado no Diário Oficial do Município. Passou esse período entre a cruz e a prefeitura, concomitantemente. O salário de Marcos de Miranda na administração municipal é de 19.882,84 reais. Ele não comunicou a mãe de seu filho sobre o novo patamar de remuneração.

Amigos de Miranda dizem que o emprego se deu graças a ajuda de seu amigo, o vereador e radialista Eli Corrêa (União Brasil), muito próximo do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Por meio de sua assessoria de imprensa, Corrêa nega qualquer interferência – diz que sua relação com Miranda se dava por serem católicos. Além de aparecer com frequência nos programas de rádio de Corrêa, Miranda contava com recursos financeiros do vereador para a sua ONG. Em dezembro de 2023, o ex-padre agradeceu publicamente Corrêa por ser um importante colaborador da entidade.

A ligação de Miranda com a política não é recente. Ele também é bastante próximo do prefeito Ricardo Nunes, a quem já recebeu em seu púlpito em algumas ocasiões. Há diversas fotos dos dois juntos em missas e na Câmara dos Vereadores. No ano de 2016, Miranda e outros sete padres foram investigados pelo Ministério Público Eleitoral por supostamente fazer propaganda antecipada para um candidato a vereador e cantor católico chamado Tiago Silva, do PRB, que acabou não sendo eleito.

Rosi Silva entrou com pedido de guarda unilateral do filho que teve com o padre. No dia em que foi feito o exame de DNA, quando todas as partes precisam estar presentes, o pai não trocou uma palavra com o filho. E segue assim desde então.

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