Paulina (La Patota) – martírio e falência
Com ambientação perfeita e elenco irrepreensível, Paulina não foge à regra dos complexos e bem realizados filmes argentinos
Paulina se oferece em sacrifício – recusa a condição de vítima e rejeita o que as instituições policial, jurídica e médica têm a lhe oferecer. É uma postura extrema, não apenas “desconcertante”, como um crítico observou, mas radical, chocante mesmo, tanto para o pai dela, um influente juiz, quanto para o espectador. Trata-se, em última instância, de uma denúncia cabal da falência dos meios de proteção disponíveis, aos quais, mesmo quem reconhece suas deficiências não deixa de recorrer quando envolvido em situações criminosas.
Os poucos filmes produzidos na Argentina que chegam ao Brasil, mesmo não sendo representativos do conjunto da produção daquele país (em 2015, foram lançados em Buenos Aires quase 100 filmes argentinos dos quais nunca se ouviu falar por aqui), continuam a se destacar, ainda mais quando comparados a filmes brasileiros. Tanto pela temática complexa, quanto pelo nível de realização.
Paulina não foge à regra – ambientação perfeita, elenco irrepreensível –, com Dolores Fonzi à frente, belíssima, audaciosa e com um olhar da mais profunda tristeza. Em destaque também o elenco secundário, formado por não-profissionais, escolhidos ao longo de um ano de buscas em zona remota do país. Méritos atestados desde a estreia na Semana da Crítica do Festival de Cannes, em 2015, onde recebeu o Grande Prêmio, dado ao melhor filme, e o prêmio da Federação Internacional de Críticos (Fipresci), sem mencionar outras premiações posteriores.
Mesmo em termos comerciais, apesar de ser considerado um filme “incômodo”, Paulina obteve bom resultado: atraiu cerca de 145 mil espectadores na Argentina e rendeu mais de 1 milhão de dólares, incluindo a receita obtida na Espanha e no Brasil.
Santiago Mitre, co-roteirista e diretor de Paulina, encena planos sequência com habilidade e acompanha a ação com o serpenteio da câmera na mão, o que dá leveza e informalidade ao filme. Na abertura, por exemplo, em oito minutos sem cortes, há o confronto entre o pai (Oscar Martínez) e a filha. A ação ininterrupta, associada à variedade de enquadramentos, acentua as posturas irreconciliáveis de ambos. Situações de violência são tratadas com certo recato, evitando transformá-las em espetáculo grosseiro. Menos eficaz é a estrutura sem cronologia do roteiro, com idas e vindas no tempo, além de alguns eventos repetidos de pontos de vista diferentes. Recursos cuja razão de ser é nebulosa, denotando imposição arbitrária dos roteiristas com o propósito de rejeitar artificialmente uma narrativa que respeitasse a sequência temporal.
A utopia de Paulina está na origem da decisão de abandonar uma promissora carreira como advogada e se tornar professora de formação política e direitos humanos em uma escola rural no nordeste da Argentina, região pobre, separada do Paraguai a oeste pelo rio Paraná, fazendo fronteira com o Brasil a leste. Os imperativos da realidade não demoram a se apresentar, em escala crescente de violência. Ainda assim, não demovem Paulina do seu ideal, o que outro crítico considerou “implausível”, e no filme o pai dela diz não passar de uma “fantasia hippie romântica”.
A força de Paulina, porém, está justamente nessa inquietação que a personagem provoca no pai e que o filme causa no espectador. É mesmo difícil admitir a grandeza moral de quem admite ser martirizado em nome de um ideal.
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