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    ILUSTRAÇÃO: CARVALL

anais do crime

PCC e o neocangaço em Araçatuba

Mega-assalto que aterrorizou cidade paulista teve participação de integrantes da facção; investigação apura caminho do arsenal que incluiu bombas, drones e fuzis capazes de derrubar aeronaves

Allan de Abreu e Luigi Mazza | 30 ago 2021_20h55
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No último dia 25, quarta-feira, dois integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital) de Mato Grosso do Sul conversaram por celular sobre um grande carregamento de armas que a facção criminosa pretendia trazer do Paraguai para o Brasil por aqueles dias. Eram sessenta fuzis no total, dois deles calibre 50, capazes de derrubar aeronaves, que seriam trazidos até o interior de MS por helicóptero. O diálogo foi captado pelo setor de inteligência da Polícia Federal, que não conseguiu apreender a aeronave.

A PF, o Ministério Público paulista e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) suspeitam que esse arsenal foi utilizado no mega-assalto da noite do último domingo em Araçatuba, quando pelo menos trinta assaltantes cercaram a cidade, explodiram duas agências bancárias da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, fizeram reféns (quatro deles foram amarrados sobre os capôs dos veículos dos criminosos durante a fuga) e conseguiram fugir, deixando para trás, na área central da cidade, 40 bombas em  dezessete pontos da cidade, fabricadas com dinamite e acionadas por celular ou sensor de proximidade e um drone utilizado para acompanhar a movimentação da polícia. Foi uma ação que chocou a população não só pelo poderio do arsenal utilizado, mas também pelo fato de o ataque ter ocorrido em uma cidade onde existe um BAEP (Batalhão de Ações Especiais de Polícia), o equivalente, no interior do estado, à Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), na capital. Três pessoas morreram e três estão internadas em estado grave – uma delas, um rapaz de 25 anos que andava de bicicleta no Centro teve as duas pernas amputadas após a detonação de um dos explosivos. 

Já se sabe que o assalto teve envolvimento direto de integrantes do PCC. Um dos três mortos era Jorge Carlos de Mello, 38 anos, preso pela primeira vez em Diadema, na Grande São Paulo, por tráfico de drogas e posse de três bananas de dinamite, escondidas em sua casa, em 2001. Entre idas e vindas da cadeia, Mello seria ainda condenado outras três vezes por homicídio e roubo. Em 2012, tentou fugir da cadeia, sem sucesso. Passou por pelo menos três penitenciárias do interior paulista, a última delas em Mirandópolis, conhecido reduto do PCC. Mello deixou a cadeia pela porta da frente em março de 2017.

A principal hipótese da PF é de que o assalto não tenha sido cometido a mando da cúpula da facção, mas por integrantes dela, e que o PCC tenha emprestado as armas e bombas em troca de um percentual do roubo, como ocorreu no assalto à transportadora de valores Prosegur em Ciudad del Este, Paraguai, em abril de 2017, quando os criminosos levaram 11,8 milhões de dólares dos cofres da empresa. Seis meses depois, criminosos ligados ao PCC voltaram a assaltar uma filial da Protege, dessa vez em Araçatuba, e levaram 10 milhões de reais. Um policial civil foi morto pelo bando – um ano depois, catorze homens e duas mulheres foram presos acusados de envolvimento no crime. Às margens da Rodovia Marechal Rondon (SP-300), Araçatuba é uma cidade de 200 mil habitantes, que fica a cerca de 500 km de São Paulo e hoje é um importante polo canavieiro do estado. Pela sua localização, tornou-se um ponto importante na rota da cocaína que sai da região de Corumbá (MS) com destino à capital paulista, muito utilizada pela facção criminosa. Araçatuba é o segundo município com Baep alvo do “novo cangaço” – o primeiro foi Ribeirão Preto, em 2016.

 

A maior parte da ação criminosa em Araçatuba se concentrou na Praça Rui Barbosa, que fica no Centro da cidade. É uma área comercial, com lojas de roupas, óticas, drogarias – e, mais importante, vários bancos. Ali ficam as agências da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil que foram atacadas pela quadrilha de assaltantes. No entorno, também há agências do Santander, Banco Safra e Banco Mercantil do Brasil.

Hospedado no Grande Hotel, que fica em frente à agência do Banco do Brasil, Anderson Roberto acordou com o som de tiros e bombas. Ficou apavorado. Ele e um colega chegaram a Araçatuba há alguns dias, numa viagem a trabalho, e estão dividindo um quarto no hotel. São funcionários de uma empresa que faz montagem de equipamentos industriais. “Da janela do meu quarto, dava para ver uma caminhonete branca dando voltas no quarteirão, com um refém amarrado no capô. Parecia filme de ação. Nunca ouvi tanto tiro e explosão na minha vida”, conta Roberto, um alagoano de 38 anos. “Era rajada de fuzil, de metralhadora. Depois começaram as bombas. Foi assustador.”

Reféns levados em capôs de carros durante o assalto – Foto: reprodução de internet

 

Os disparos começaram por volta da meia-noite e se estenderam por quase duas horas. Os criminosos vestiam coletes à prova de bala, botas militares, luvas e capacetes ou balaclavas na cabeça. Alguns deles se encarregaram de cercar as bases e viaturas da Polícia Militar, e, com isso, impedir qualquer reação; outros, enquanto isso, foram vigiar o aeroporto da cidade, para que os policiais não pudessem decolar com o Águia, um helicóptero usado por eles no policiamento. 

“Pela organização e ousadia do bando, foi o maior assalto já ocorrido na região”, comparou o delegado Carlos Henrique Cotait, da Polícia Civil de Araçatuba. A data escolhida para o crime também não foi aleatória: no fim do mês, tanto a Caixa Econômica quanto o Banco do Brasil costumam ser abastecidos com grande volume de dinheiro vivo para o pagamento de benefícios sociais no início do mês. “Os bancos precisam rever essa logística, porque facilita a ação dos criminosos”, diz o promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado de São Paulo). Por envolver dois bancos da União, a investigação será feita pela Polícia Federal.

Durante o tiroteio, Anderson Roberto e seu colega desceram até a recepção do hotel para tentar entender o que estava acontecendo. Encontraram o recepcionista de joelhos, no chão, escondido atrás do balcão. “Ele estava sozinho ali, apavorado, tentando se proteger dos tiros. Imagina se resolvem entrar no hotel e pegar mais reféns? Eu e meu colega também nos escondemos atrás de uma mureta. Era muito tiro.”

Um Uno Mille estacionado do lado de fora do hotel ficou cravado de balas. Nenhum hóspede ou funcionário foi ferido. O hotel ficou fechado o dia inteiro, para não atrapalhar o trabalho dos policiais – e também para que o esquadrão antibomba pudesse desativar os explosivos que a quadrilha espalhou pela cidade. Roberto e seu colega, que viajariam de volta a Araras (SP) nesta segunda-feira, estão presos até agora em Araçatuba, esperando autorização da polícia para irem embora.

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