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PCC planejou invasão, sequestro e rebelião para tirar Marcola da cadeia

Investigação da PF mostra que criminosos usavam códigos como STF e STJ para driblar vigilância em presídio federal

Allan de Abreu | 12 ago 2022_12h08
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No início de junho deste ano, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, maior liderança da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), recebeu o advogado paulistano Bruno Ferullo Rita no parlatório da penitenciária federal de Porto Velho, Rondônia. Durante a longa conversa, Ferullo fez anotações em uma folha cedida pelo próprio presídio, e que depois, conforme o regulamento da penitenciária, ficaria sob a guarda do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). “STF (dar uma atenção) – Pedir Dr. Alexandre vir o mais breve possível”, dizem as anotações.

Um mês e meio depois, Marcola, já irritado, retomou a mesma conversa cifrada no parlatório, agora com a esposa (todas as conversas em penitenciárias federais são gravadas com autorização judicial): “Eu queria um favor do Dr. Bruno, sabe, porque eu tô pedindo faz três meses pra ele como advogado que cuida de instâncias superiores, Dr. Alexandre, e ele não me dá nenhuma resposta sobre se o cara vai vir aqui me requisitar ou não, entendeu?”

Servidores do Depen começaram a ouvir as primeiras menções ao STF e ao STJ por lideranças do PCC no fim de 2020, sempre em conversas com advogados. Informada, a Polícia Federal buscou recursos dos presos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça. Não havia. Descobriu então que STF e STF eram códigos. O desafio era decifrá-los.

O código só foi quebrado em fevereiro do ano seguinte, minutos após a advogada Kássia Regina Brianez Trulha de Assis deixar a penitenciária estadual de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, onde se encontrara com Esdras Augusto do Nascimento Júnior, outra liderança do PCC, recém-saído do presídio federal de Brasília, onde, por dez meses, manteve contato com Marcola. 

Como sabia que qualquer anotação no parlatório ficaria em poder do Depen, tão logo Assis recuperou o seu celular, já fora do presídio, escreveu no aparelho a seguinte anotação, como um lembrete da conversa: “Plano 1 – Código STF. Por que não foi feito? Qual a dificuldade em fazer? Já estão monitorando? Do que precisam para fazer? Tem informações internas e externas da unidade.”

“Plano 2 – Sequência – Código STJ. Sequestrar diretor-geral e chefe de segurança. Família deles. Fazer o cativeiro em outro estado. Se o Ciro [Marcola] não sair, elimina. Renato Gomes Vaz – Diretor; Rodrigo Campos Porto – Chefe. Não adianta pegar Depen. Se for preciso pega agente penitenciária de Brasília.”

“Plano 3 – Suicida. Em 8 meses, se o STF e o STJ não for concluído [sic], o Ciro [Marcola] vai executar plano suicida dentro do sistema PF [penitenciário federal]. […] Atenção sócio Tuta, Bulgari, Colorido, Siariba, Maguila, Deva. Durante 10 meses tirou o banho de sol com Ciro [Marcola] e durante esse tempo recebeu instruções para passar aqui fora.[…] O plano do STF e STJ já precisa estar em andamento. Está só aguardando resultado. Bulgari e Ciro pediram atenção nisso. Pediram advogado toda semana para atualizar as informações.”

 

As notas escritas pela advogada foram resgatadas pela PF no armazenamento em nuvem do celular da advogada. O quebra-cabeças estava montado: o PCC arquitetara três planos para tirar Marcola das grades. O primeiro, codinome STF, previa a invasão da penitenciária federal de Porto Velho ao estilo “novo cangaço” ou “domínio de cidades”, empregado em grandes assaltos a bancos pelo interior do Brasil: cerco ao presídio com forte armamento seguido de explosão das muralhas. A PF ainda não sabe se o segundo plano, STJ, seria complementar ao primeiro ou uma alternativa: sequestrar representantes da cúpula do Depen e seus familiares exigindo em troca a libertação de Marcola. O terceiro plano, “suicida”, seria uma rebelião em presídio federal, com reféns, mas só seria posto em prática caso os dois primeiros fracassassem. 

Para levar adiante o planejamento, os líderes do PCC, todos encarcerados, utilizavam advogados, transformados em pombos-correios, para se comunicarem com seus comparsas fora das grades, liderados por Devanir de Lima Moreira, o Deva, foragido desde 2017, acusado de roubo e extorsão em São José do Rio Preto, São Paulo, e atualmente na Bolívia, segundo a PF. Deva, para a PF, é o “Dr. Alexandre” citado por Marcola na conversa com a mulher, em julho, e transcrita no início desta reportagem.

No início do ano, quando Marcola ainda estava na penitenciária federal de Brasília, o setor de inteligência do Depen identificou drones nas proximidades do presídio. Uma advogada da facção fez vídeo de todo o entorno da penitenciária para saber detalhes da construção e obter informações dos veículos dos funcionários do local. Em junho, quando Marcola já havia sido transferido para Porto Velho, uma conversa monitorada pela Polícia Federal por meio de escuta ambiental instalada nas áreas de convivência na penitenciária federal de Brasília, outro líder do PCC, Valdeci Alves dos Santos, o Colorido, preso dois meses antes, disse que a facção “poderia ficar descansada” porque já tinha tudo preparado em Porto Velho para o resgate, com homens especializados em roubo a banco e armas. Segundo o criminoso, o plano já estava “95% pronto”.

Esse não foi o primeiro plano para tirar Marcola da cadeia. Em 2014, o governo paulista detectou o primeiro deles: dois helicópteros blindados, camuflados com as cores das aeronaves da Polícia Militar, pousariam na penitenciária de Presidente Venceslau, no extremo Oeste do estado, com uma cesta de resgate. Quatro anos depois, o PCC investiu 100 milhões de reais na contratação de mercenários estrangeiros e na compra de dois helicópteros, lança-mísseis e metralhadoras para invadir a mesma penitenciária do interior paulista – o plano só foi frustrado por ter sido descoberto antes pelo governo de São Paulo. Por conta do plano, Marcola foi transferido para a penitenciária federal de Brasília no início de 2019. O que não impediu que continuasse a tramar sua fuga por meio dos “gravatas”, como o PCC denomina os advogados a serviço da facção.

Na quarta-feira, dia 10, a Polícia Federal prendeu preventivamente quatro advogados envolvidos nos planos de resgate, incluindo Assis. Dos seis integrantes do PCC envolvidos no caso, cinco já estavam presos – Marcola segue na penitenciária federal de Porto Velho. Apenas um deles, Devanir de Lima Moreira, segue foragido. Foram cumpridos mandados de busca nas celas dos líderes do PCC e nas casas dos advogados. 

Em nota, a defesa da advogada Kássia Assis disse ter havido “uma premente confusão entre as atividades exercidas pela profissional e as causas que esta vem defender em nome de seus clientes”. “A exigência de respeito às prerrogativas do advogado nada mais é do que um direito previsto em lei, porém, sabe-se que a letra fria da lei não impede que ocorram situações prejudiciais ao advogado tal como no caso concreto, onde pode haver penalizações aplicadas simplesmente pelas ações realizadas pelo advogado em razão de seu ofício”, afirma o advogado Juliano Rocha de Moraes. A piauí não conseguiu contato com as defesas dos demais presos. O espaço segue aberto para eventual manifestação.

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Versão anterior deste texto informavaa que Bruno Ferullo Rita fora detido na Operação Anjos da Guarda. A informação estava incorreta e foi retificada.

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