minha conta a revista fazer logout faça seu login assinaturas a revista
piauí jogos

    “Que a nossa longa amizade continue fortalecida pelo respeito e admiração mútuos", escreveu Renato Araújo no aniversário de Flávio Bolsonaro, em abril. Na foto, os dois passeiam de barco em Angra dos Reis Foto: Reprodução

questões imobiliárias

PEC das Praias, relatada por Flávio Bolsonaro, beneficia amigo de… Flávio Bolsonaro

A proposta facilita a instalação de um condomínio de luxo investigado por infrações ambientais, erguido por empreiteiro que ganhou uma medalha de “incomível e imbrochável”

Arthur Guimarães, de Angra dos Reis | 06 ago 2024_10h26
A+ A- A

A promessa é grandiosa. No alto de um morro com vista panorâmica do mar, serão construídas 31 mansões, acompanhadas de um centro comercial e um clube recreativo. Abaixo delas, uma marina onde os afortunados moradores poderão atracar seus iates e lanchas depois de passear. Um condomínio ideal para Angra dos Reis, cidade de 167 mil habitantes da Costa Verde fluminense que abriga praias paradisíacas, 365 ilhas e casarões deslumbrantes.

A obra é de autoria da Bellavista Portogalo Empreendimentos. Ocupa uma área de 320 mil m², dos quais 8 mil m² se situam em terreno de marinha, como são chamadas as faixas do litoral brasileiro pertencentes à União. Por lei, toda área que está até 33 metros além da linha de maré máxima (ou seja, depois do ponto mais extremo que uma onda pode alcançar em terra firme, segundo uma medição feita em 1831) pertence à União. Em praias como Copacabana, essa faixa começa a ser contada na areia e se estende em direção aos prédios. Empresas e pessoas físicas podem ocupar terrenos de marinha contanto que paguem por isso (o valor varia a depender da área). É o que fazem muitos hotéis e restaurantes. Cabe à União fiscalizar se eles estão preservando o acesso público às praias e obedecendo às regras de segurança costeira. Quando cometem infrações ambientais ou urbanísticas, são multados.

A regra, no entanto, pode mudar em benefício da iniciativa privada caso o Congresso aprove a Proposta de Emenda à Constituição nº 3/2022. Conhecida como PEC das Praias, ela permite que empresas e pessoas comprem integralmente terrenos de marinha, fazendo com eles o que bem entenderem. Nesse cenário, não precisarão mais pagar anuidade à União, apenas o valor da compra. Também não haverá mais fiscalização ou multas por infração. Com o poder público fora da jogada, é como se trechos do litoral brasileiro pudessem ser totalmente privatizados.

O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados em 2022 e aguarda votação no Senado. Um de seus mais aguerridos defensores é Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que assumiu a relatoria da PEC e deu parecer favorável. Caso a proposta seja aprovada, será uma alegre coincidência para o senador: um dos sócios da Bellavista Portogalo é o empreiteiro Renato de Araújo Correa, pré-candidato a prefeito de Angra dos Reis pelo PL e amigo da família Bolsonaro.

O empreendimento ainda está em obras e coleciona problemas. Um deles envolve Flávio diretamente. Em julho de 2022, dois meses depois de a construção ter sido iniciada, o Ministério Público do Rio de Janeiro recebeu uma denúncia anônima dizendo que o terreno havia sofrido “degradação ambiental com uma grande supressão de vegetação, queimadas das matas da região, extração de recurso mineral e utilização de pólvora para explosão de rochas”. A denúncia, obtida pela piauí, afirma que Araújo vinha usando “sua influência”, “principalmente com o atual senador da República Flávio Bolsonaro”, para intimidar órgãos de fiscalização.

O relato justificou a abertura de duas investigações, uma na esfera cível e outra na esfera criminal. Peritos do Ministério Público visitaram o canteiro de obras em outubro de 2022 para uma apuração preliminar. No relatório produzido por eles, há fotos que mostram uma estrada percorrendo o morro e rochas fatiadas para abrir caminho. No ponto mais alto do terreno, havia uma clareira. Os técnicos notaram uma “grande movimentação de terras e pedras cortadas”.

A visita serviu para revelar uma segunda coincidência. Estavam estacionados no terreno uma retroescavadeira e uma caminhonete pertencentes à Valle Sul. A empresa, fundada por uma família tradicional de Angra, os Valle, tem se beneficiado de emendas parlamentares enviadas justamente por Flávio Bolsonaro. No ano passado, o senador destinou 8,3 milhões de reais à prefeitura de Resende (RJ) por meio de transferências especiais, ou “emendas Pix” – uma modalidade de repasse pouco transparente, que não tem finalidade pré-definida no orçamento público. O prefeito, filiado ao PL, contratou a Valle Sul um mês depois de receber as verbas e registrou que elas tinham vindo de Flávio. O contrato é para reformar o aeroporto da cidade. Uma única empresa disputou o edital com a Valle Sul, mas foi desabilitada pela prefeitura. A construtora, com isso, deve receber 4,7 milhões de reais. Mais tarde, obteve ainda um aditivo de 1,8 milhão de reais.

Como a denúncia anônima citava Flávio – que, por ser senador, tem direito a foro privilegiado –, ela foi remetida num primeiro momento à assessoria do Procurador-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, Luciano Mattos. Os investigadores, porém, constataram que “a presença de simples menção” ao senador não justificava o foro privilegiado. A investigação, por isso, foi enviada à primeira instância, que concluiu, em outubro de 2023, não ter havido crime por parte de Flávio ou Araújo. Os autos mostram que o MP não tomou nenhuma iniciativa para averiguar a possível relação do senador com o condomínio. O órgão afirmou apenas que a obra estava devidamente licenciada pelas autoridades ambientais de Angra. O processo foi arquivado.

As obras prosseguiram normalmente até que, em novembro de 2022, surgiu um novo percalço: a prefeitura de Angra embargou o projeto. Fiscais vistoriaram o terreno e produziram um relatório afirmando que a Bellavista Portogalo havia traçado vias sem fazer a devida contenção de terra, em descumprimento a uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Pouco depois, em janeiro de 2023, um laudo da Defesa Civil apontou risco “potencial” e “muito alto” de deslizamentos, o que, segundo os técnicos, punha em risco as casas vizinhas. Trincas detectadas na terra e o processo de erosão natural do terreno, alertou o órgão, tornavam possíveis “novas movimentações de massa de alto potencial destrutivo”.

Há uma tipificação criminal para isso. O artigo 60 da lei de Crimes Ambientais informa que é ilegal “construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes”. A pena prevê detenção de um a seis meses, além de multa.

O inquérito criminal do Ministério Público, que inocentou Flávio e Araújo, não menciona o embargo nem o laudo produzido pela Defesa Civil. A piauí perguntou à promotoria, comandada por Carolina Wienskoski, por que essas informações foram omitidas. Em nota, a instituição respondeu que, quando a investigação foi arquivada, “não havia notícia acerca de um embargo na obra (o que de toda forma não conduz a uma hipótese de presença de crime necessariamente)”. O embargo, no entanto, ocorreu onze meses antes de o inquérito ser arquivado; o laudo da Defesa Civil, nove meses antes. A piauí reforçou, então, a pergunta: por que os dois fatos não foram mencionados na investigação? A promotoria não esclareceu. Respondeu apenas que, caso surjam novos indícios, a investigação pode ser reaberta.

O inquérito civil ainda está em curso na 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Angra dos Reis. Os investigadores apuram se a obra causou danos ambientais a uma área de preservação permanente (APP) e obedeceu às regras de licenciamento. A piauí solicitou acesso ao inquérito, mas o Ministério Público negou, com o argumento de que a investigação ainda está “em fase de obtenção de elementos técnicos acerca do dano ambiental apurado”.

 

Renato Araújo goza de prestígio com Flávio e Jair. Do ex-presidente, recebeu em janeiro uma medalha com os dizeres: “imorrível, imbrochável e incomível”. O momento foi gravado em vídeo e publicado no Instagram, somando-se a dezenas de outras fotos em que os dois aparecem juntos. O empreiteiro esteve até na comitiva de bolsonaristas que viajou a Buenos Aires, em dezembro de 2023, para assistir à posse do presidente argentino Javier Milei. Tirou uma fotografia sentado entre ele e Bolsonaro. No mais recente aniversário de Flávio, Araújo escreveu nas redes: “Que a nossa longa amizade continue fortalecida pelo respeito e admiração mútuos.” Os dois são companheiros de passeios de barco e pescam juntos.

Flávio Bolsonaro e Renato Araújo, em foto publicada no Instagram

 

O empreiteiro, porém, não ficou só nas palavras. No final do ano passado, cedeu funcionários de uma de suas construtoras, a Bravo, para auxiliar na reforma da casa de Bolsonaro em Mambucaba, vilarejo praiano de Angra. Também emprestou à família um jet ski, usado no dia em que a Polícia Federal deflagrou a Operação Vigilância Aproximada, em janeiro. Os policiais investigam se o governo Bolsonaro usou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar adversários políticos e jornalistas. Na ocasião, cumpriam um mandado de busca e apreensão contra Carlos Bolsonaro na casa de Angra. Ao chegarem lá, no entanto, não encontraram ninguém da família. Jair, Flávio, Carlos e Eduardo estavam passeando no mar.

Araújo conta, em vídeos publicados na internet, que sua família sempre foi pobre e que ele cresceu “em uma casa muito simples” em Angra. Tornou-se empresário de relativo sucesso. Seus negócios, porém, só decolaram nos anos Bolsonaro. A Bravo, construtora que ele fundou em 2011, participou com outras empresas da reforma do aeroporto de Angra, iniciada em 2022. A obra foi idealizada pelo Ministério da Infraestrutura, comandado na época por Tarcísio de Freitas (Republicanos), hoje governador de São Paulo, que chegou a visitar a cidade ao lado de Flávio. A família Bolsonaro defende, há anos, transformar Angra numa “Cancún brasileira”.

Não se sabe o quanto a empresa de Araújo recebeu pela reforma. Ela foi subcontratada pelo consórcio vencedor, mas o valor do negócio não é público. No mesmo ano, o empreiteiro fechou contratos que somam 16,9 milhões de reais com o governo do Rio para a construção de um hangar e a reforma de um prédio. O governador Cláudio Castro (PL), responsável pelo cofre, também nutre simpatia por Araújo, seu correligionário. Aparece em várias fotos ao lado dele. Quando completou 45 anos, em abril, organizou uma festa de aniversário em Angra dos Reis. A lista de convidados incluía a nata da política fluminense – e lá estava Renato Araújo.

 

A Bellavista Portogalo foi criada em maio de 2020. Tem capital social de 800 mil reais e dois sócios: Renato Araújo, que é o administrador, e Tiago Correa (embora compartilhem o sobrenome, não são parentes). A empresa foi batizada assim porque o imóvel fica ao lado de um condomínio tradicional de Angra dos Reis: o Portogalo. Fundado em 1975, ele abriga cerca de seiscentas casas. Seu novo vizinho se instalará num terreno mais elevado, na Serra do Mar, com vista ampla para o oceano – o que, provavelmente, inspirou o nome “Bellavista”.

A ideia saiu rapidamente do papel. No mesmo ano, a empresa registrou em cartório a promessa de compra e venda do terreno por 870 mil reais – uma etapa formal que precede a assinatura do contrato. Em 2021, obteve da prefeitura de Angra uma licença prévia para as obras, que foram iniciadas em maio do ano seguinte. Hoje, estão paradas devido ao embargo. 

A sede da empreiteira, segundo as informações prestadas à Receita Federal, fica no Angra Shopping. O edifício tem um aspecto abandonado. Os corredores são vazios e a maioria das lojas está fechada. Cartazes anunciando promoções e atrações foram rasgados, e a tinta aplicada neles desbotou. Papéis pardos tampam vitrines. Na loja 40, onde deveria estar o escritório da construtora, encontra-se uma clínica estética. “É um consultório já faz tempo. E antes disso era outra clínica”, explica uma das atendentes. Nenhum sinal da empreiteira.

O escritório de contabilidade responsável por abrir a Bellavista Portogalo também declara estar sediado no Angra Shopping, mais especificamente no segundo andar, ocupando as salas 143 e 145. O visitante que as procura, no entanto, se depara com uma outra clínica. Em vez de oferecer serviços estéticos, essa produz avaliações médicas e psicológicas para o Detran.

A sede fantasma não é o único fato curioso sobre a Bellavista Portogalo. Documentos obtidos pela piauí revelam uma incongruência na forma como a empreiteira registrou o terreno de marinha onde ficará o condomínio. A lei brasileira prevê que empresas e pessoas físicas podem se estabelecer nessas áreas sob dois tipos de regime: o de ocupação (em que o domínio do terreno continua sendo da União, mas é “alugado” por uma empresa ou alguém mediante o pagamento de uma anuidade) e o de aforamento (em que 83% do domínio é comprado, restando à União os outros 17%, sobre os quais o proprietário ainda paga uma taxa). Em ambos os modelos, a União continua tendo o poder de fiscalizar e multar infrações.

Quando a Bellavista Portogalo comprou o terreno, em 2020, o regime da faixa de marinha estava registrado como ocupação (ou seja, “aluguel”). A empresa então desmembrou o terreno em duas partes. Com isso, passaram a existir duas matrículas para o imóvel: a original e uma nova. Esta última, referente a um pedaço de terra à beira-mar, foi registrada sob regime de aforamento (ou seja, “compra”). O mesmo ocorreu com a matrícula original: segundo o documento enviado à piauí pelo 2º Ofício de Justiça de Angra dos Reis, o terreno é “foreiro à União”. O problema é que nem o desmembramento do terreno nem a suposta mudança de regime foram comunicadas à Secretaria de Patrimônio Público da União (SPU), como manda a lei. A SPU é o órgão do governo federal responsável por administrar os terrenos de marinha. 

Procurada pela piauí, a SPU afirmou não ter conhecimento de um regime de aforamento no local onde o condomínio está sendo construído: “a área inclui um terreno de marinha em regime de ocupação, com domínio de 100% da União”, disse, por meio de nota. A troca de regime só poderia ser feita depois de uma análise técnica criteriosa, o que, segundo a SPU, não aconteceu. A secretaria também diz não ter recebido o dinheiro da suposta compra. A responsabilidade, nesse caso, recai não apenas sobre Araújo, mas também sobre o cartório, que deveria ter pedido autorização da União para carimbar a mudança informada por ele.

A área que será ocupada pelo novo condomínio na Serra do Mar, segundo o projeto da Bellavista Portogalo

 

Nabih Henrique Chraim, advogado que preside o Instituto Brasileiro de Terrenos de Marinha e chefiou a SPU no estado de Santa Catarina, analisou a papelada a pedido da piauí. Ele reforçou que um cartório não pode desmembrar ou mudar o regime de ocupação sem anuência da SPU, e que por isso o caso merece ser investigado. “O porquê de isto estar posto ali [no documento do cartório], se foi fraude, se foi corrupção, se foi erro, se foi má-fé, se foi dolo, se não foi, quem vai investigar é a SPU e o Ministério Público Federal”, disse Chraim. A irregularidade, segundo ele, pode ser fruto de falsificação de documentos ou apenas um erro.

Na nota, a SPU afirmou que “vai estudar o caso à luz da legislação e com o apoio da AGU [Advocacia-Geral da União] sobre as ações subsequentes que deverão ser adotadas”. Disse ainda que “desmembrar um terreno sem a autorização da SPU pode configurar uma irregularidade e resultar em nulidade dos atos praticados, além de possíveis sanções legais”.

Procurado pela piauí, Renato Araújo não explicou por que sua empresa mudou o regime de ocupação. Também não comentou os benefícios que pode aferir com a PEC das Praias. Afirmou, no entanto, que Flávio Bolsonaro “nunca teve ligação com o empreendimento”. “Nem eu ou outro sócio conhecíamos o Flávio Bolsonaro quando esse empreendimento começou, há mais de cinco anos atrás, com a aquisição da área.” (A aquisição foi feita há quatro anos.)

O empreiteiro lamentou o fato de a obra ter sido embargada pela prefeitura de Angra – o que, segundo ele, se deveu a “questões políticas”. O atual prefeito, Fernando Jordão (MDB), está apoiando Cláudio Ferreti (MDB) como seu sucessor, enquanto Araújo pretende disputar a eleição pelo PL. Ele afirmou, além disso, que contratou a Valle Sul, empresa beneficiada com emendas de Flávio Bolsonaro, porque ela apresentava “o melhor orçamento” e a “melhor estrutura de máquinas”. A Valle Sul, por sua vez, não retornou os contatos da reportagem.

Segundo Araújo, a loja onde ficava o escritório da Bellavista Portogalo, no Angra Shopping, foi vendida recentemente, e por isso a empresa não pôde ser encontrada. A piauí perguntou, então, onde fica o atual escritório da empreiteira. Araújo não respondeu mais desde então. 

 

Depois da investigação, depois do embargo, restaram à Bellavista Portogalo problemas com a vizinhança. Em julho do ano passado, o Portogalo ajuizou uma ação contra a empresa de Renato Araújo relatando um deslizamento de terra que ocorreu no canteiro de obras. O episódio, dizem os advogados, pôs em risco a “incolumidade física” e a segurança dos moradores vizinhos. Os dois condomínios estão empurrando um para o outro, na Justiça, a responsabilidade pelos problemas apontados no laudo da Defesa Civil. O Portogalo afirma que o perigo de deslizamento se deve ao loteamento feito pela Bellavista com retroescavadeiras; a Bellavista, por sua vez, alega que o problema já existia quando suas obras começaram.

Em 2020, quando a Bellavista comprou o terreno, o então síndico do Portogalo, José Fernando Moraes Alves, assinou uma declaração afirmando que o novo condomínio “poderá ser incorporado ao condomínio geral Portogalo” após aprovação em assembleia de moradores. O plano era que eles dividissem o sistema de abastecimento de água e outras estruturas condominiais. Hoje, a empresa de Renato Araújo usa esse documento para se respaldar: diz que o condomínio vizinho estava totalmente ciente das obras no terreno ao lado e não pode reclamar. O Portogalo replica, dizendo que a tal união nunca foi chancelada em assembleia.

Os advogados do Portogalo contrataram uma empresa especializada para periciar o terreno. A conclusão foi de que houve “uma intervenção com supressão vegetal e corte de terreno para a abertura de estrada”, e que “o abandono da obra, após o embargo da prefeitura, resultou em solo exposto com pontos de instabilidade geotécnica”. O laudo, apresentado à Justiça, aponta uma tendência de erosão rápida que pode resultar em deslizamentos na direção do Portogalo. Agora as duas partes estão aguardando o tribunal encomendar uma perícia independente.

Em agosto do ano passado, a juíza Andrea Mauro de Oliveira, da 1ª Vara Cível de Angra dos Reis, determinou que a Bellavista iniciasse imediatamente obras de contenção de terra, com um prazo de seis meses e multa diária de 30 mil reais em caso de descumprimento. A magistrada também mandou embargar as estradas do condomínio, medida similar à adotada pela prefeitura de Angra. Além disso, pediu à empreiteira que comprove com documentos a segurança da obra, e aos órgãos ambientais de Angra que façam novos estudos sobre o caso.

O prazo para a conclusão das obras de contenção terminou em fevereiro. No tribunal, os advogados da Bellavista afirmaram que a empresa estava tentando cumprir as ordens judiciais, mas questões climáticas – entre elas o El Niño – vinham dificultando a tarefa. Eles pediram prorrogação do prazo, cancelamento da multa e anulação das decisões judiciais anteriores, argumentando que o risco de deslizamento de terra naquele local não é sua responsabilidade. O pedido ainda não foi analisado. No dia 26 de junho, um oficial de justiça esteve no terreno e constatou que “não há qualquer obra de contenção” sendo feita pela Bellavista Portogalo.

Quando a piauí visitou o canteiro de obras, dias antes, também não havia nenhum trator ou operário trabalhando. Em mensagens enviadas à reportagem, Renato Araújo afirmou que “o loteamento, desde que iniciou, sempre teve todas as licenças. Nunca mexeu uma pá de terra sem licença”. Segundo ele, não “houve dano nenhum” ao meio ambiente ou ao condomínio vizinho. O empreiteiro alega que um período de chuvas fortes atingiu Angra recentemente e, por isso, “uma água barrenta passou na rua de algumas casas” do Portogalo – e só.

No decorrer do processo, uma oficial de Justiça foi ao Angra Shopping em busca da Bellavista para entregar um ofício. Assim como a piauí, não encontrou a empreiteira. No endereço “funciona um consultório”, escreveu Juanita de Mendonça. E concluiu: “o referido é verdade.”

O senador Flávio Bolsonaro, questionado sobre sua amizade com Renato Araújo, a denúncia anônima recebida pelo Ministério Público, a investigação por irregularidades ambientais no terreno e o conflito de interesses devido ao fato de ser relator da PEC das Praias, não retornou até o momento os contatos da piauí.

Assine nossa newsletter

Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí