“Como se chama esse grupo de alimentos?”, indagou Monteiro, ao constatar um aumento no consumo de lasanhas congeladas, miojos e biscoitos Foto: Marcelo Saraiva
A pergunta que mudou para sempre a ciência dos alimentos
O epidemiologista Carlos Augusto Monteiro cunhou o conceito de "ultraprocessados". No Festival piauí, ele explicou como chegou à terminologia
Carlos Augusto Monteiro é um epidemiologista, mas, vez ou outra, age tal qual um cientista de dados. Em meados de 2007, ele se perguntava: por que os brasileiros estão ficando obesos? Em busca de respostas, esquadrinhou as bases de dados do governo. No começo, não entendeu o que encontrou: os números mostravam que as pessoas estavam comprando menos sal, açúcar e gordura, mas mesmo assim a obesidade crescia em ritmo acelerado. Demorou até que ele desvendasse o mistério: as pessoas estavam comprando esses produtos em menor quantidade porque eles já eram onipresentes em alimentos industrializados, como biscoitos, macarrões instantâneos, lasanhas congeladas e refrigerantes. O consumo não tinha diminuído.
“Mas como se chama esse grupo de alimentos?”, Monteiro se perguntou. Como não havia resposta, cunhou ele próprio um termo: eram alimentos ultraprocessados. A criação foi um ponto de virada na sua carreira e mudou a forma como os especialistas em saúde pública, no Brasil e no mundo, lidavam com o assunto.
Monteiro foi retratado em uma reportagem da piauí em outubro do ano passado e participou, neste fim de semana, do Festival piauí de Jornalismo. Na mesa “Conversa com a Fonte”, ele deu uma entrevista ao vivo para a repórter Angélica Santa Cruz, na qual falou sobre a mudança que está acontecendo no Brasil: alimentos ultraprocessados estão baixando de preço e, com isso, aumentando a ocorrência de obesidade na população mais pobre. Até então, esse era um problema restrito às classes altas.
“Os alimentos ultraprocessados são lucrativos pra indústria, além de não saciarem as pessoas, que precisam gastar o dobro pra se alimentar. É um plano deliberado”, disse Monteiro. Esses produtos enchem as prateleiras do supermercado e são atrativos pelo sabor, preço e praticidade. Tecnicamente, sequer são considerados comida de verdade, mas uma mistura de sal, açúcar, gordura e conservantes.
Em 2010, o epidemiologista formulou uma classificação de alimentos que chamou de NOVA – uma alusão irônica à explosão que ocorre dentro de uma estrela. A categorização separou os alimentos com base nos níveis de processos físicos, biológicos e químicos pelos quais eles passam. São elas: “in natura”, “ingredientes culinários processados”, “processados” e “ultraprocessados”. Até então, os alimentos eram segmentados somente com base em seu conteúdo nutricional.
Depois da pesquisa de Monteiro, cientistas de vários países mudaram a forma como estudam os alimentos. “A imprensa internacional fez um trabalho fundamental”, reconhece o epidemiologista. Monteiro, junto da equipe que assinou com ele os artigos, está no 1% dos cientistas mais citados do mundo pelos pares. É também o quinto brasileiro com a maior quantidade de citações em artigos científicos.
Comparado a outros países, o Brasil não está tão mal. Nos Estados Unidos, diz Monteiro, quase 60% da dieta dos americanos consiste em ultraprocessados. Por aqui, a média é de 20%. Número bem menor, mas que cresce consistentemente.
Monteiro defende que, assim como é feito com cigarros e bebidas alcoólicas, o governo brasileiro passe a taxar os alimentos ultraprocessados. Seria uma forma de frear o consumo e reduzir os índices de obesidade. “A indústria perderia a vantagem do baixo custo, que chama tanto a atenção dos consumidores”, argumenta o epidemiologista.
O médico ressaltou o papel do marketing na influência do consumo de ultraprocessados. Quando perguntado sobre a dieta pessoal e se ingere esses produtos, Monteiro disse que prefere evitá-los. “Não sinto falta nenhuma de refrigerante. Ao invés de comer KitKat, que é um ultraprocessado, troco por um quadrado de chocolate de verdade.”
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