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    Apparício Torelly, o Barão de Itararé: em 1934, ele foi sequestrado e espancado pela polícia política de Getúlio. Libertado, afixou na porta de sua sala uma placa: “Entre sem bater” CRÉDITO: ARQUIVO DO INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS USP_FUNDO BARÃO DE ITARARÉ

anais do humor nacional

As peripécias de um humorista no reino de Getúlio Vargas

Barão de Itararé debochou dos integralistas, alfinetou os militares e acabou sendo preso – mas nunca renunciou à piada

Arnaldo Branco e Renato Terra | 23 jul 2025_09h02
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Em 1925, o gaúcho Apparício Torelly aceitou o convite de Mário Rodrigues, pai de Nelson Rodrigues, para assinar uma coluna de humor no jornal A Manhã. Sua abordagem cômica logo se tornou famosa no Rio de Janeiro, capital da República naquela época. O sucesso foi tão grande que gerou um jornal próprio. Apporelly bateu algum recorde mundial de trocadilho ao batizar seu novo jornal. Satirizou o nome A Manhã tirando apenas… um til. E criou A Manha. Apesar da paródia, Mário Rodrigues desejaria sucesso ao novo semanário humorístico. Provavelmente, ele conhecia a principal regra do humor: ficar puto é pior. A Manha revelava que a cobertura jornalística naquela época já era uma piada. E as piadas de Apporelly acabavam revelando mais do que a cobertura jornalística.

Durante a Revolução de 30, o gaúcho adotou um título de nobreza: Barão de Itararé, em referência a uma batalha que não houve na cidade paulista de Itararé. A chegada de Getúlio ao poder levaria a uma série de conflitos com o humorista. Quando o presidente se aproximou dos integralistas, por exemplo, o Barão de Itararé aperfeiçoou o lema do grupo – “Deus, Pátria e Família” –, afanado do fascismo italiano. Aperfeiçoou o slogan acrescentando só uma letra: “Adeus, Pátria e Família”.

Assim como os pombos, as baratas e os ácaros, os integralistas eram numerosos: chegaram a contar com 500 mil filiados, em um país onde, na época, apenas 2 milhões de pessoas haviam votado na última eleição, a de 1930. Entre as pessoas normais, os integralistas ganharam o apelido de galinhas-verdes. Esse rótulo não foi invenção do Barão de Itararé, mas ele fez de tudo para torná-lo popular. Deu certo: era comum as pessoas soltarem galinhas pintadas de verde nas manifestações integralistas. Sim, naquela época ainda não tinha Luisa Mell.

Jornal do Povo irritou mesmo a polícia política de Getúlio quando mexeu num assunto muito sério. E que assunto foi esse? A taxação das grandes fortunas? A reforma agrária? Não. O Jornal do Povo mexeu no vespeiro quando falou mal dos milicos. O motivo: publicou um folhetim relembrando a Revolta da Chibata, liderada por João Cândido, que lutou contra as práticas escravagistas na Marinha. Sim, João Cândido, o Almirante Negro da música do João Bosco e Aldir Blanc. A canção é sobre uma história real, tirando aquela parte que tem sereia.

A reação da polícia política do Getúlio, comandada por Filinto Müller, não teve nenhum senso de humor. Na manhã do dia 19 de outubro de 1934, o Barão foi sequestrado, espancado, ameaçado e teve seus cabelos cortados. Em um surto de coragem ou de falta de amor pela vida, agradeceu por lhe terem poupado o gasto com o barbeiro. Depois que foi liberado, reagiu à agressão com a única arma que possuía. Depois de tanto apanhar, pendurou na porta da sua sala na redação a seguinte placa: “Entre sem bater.”

Os militantes de esquerda, que agitavam sindicatos, associações juvenis e o meio artístico, finalmente se uniram em uma frente chamada Aliança Nacional Libertadora (ANL). Algumas reuniões para fundar e organizar essa aliança aconteceram na redação de A Manha. Em julho de 1935, Getúlio mandou fechar a sede da ALN.

Em 23 de novembro do mesmo ano, um conjunto de levantes armados transformou o Brasil numa praça de guerra. Foi a Intentona Comunista. Mas o levante se revelou um fiasco. Foram presos os líderes, como Luís Carlos Prestes e Olga Benário, e intelectuais, como Graciliano Ramos. O Barão também acabou em cana.

Antes de ir para a mesma prisão que Graciliano, o Barão de Itararé ficou detido no navio-presídio Pedro I, que ficava ancorado na Baía de Guanabara. A polícia fazia vistorias constantes na embarcação. Numa dessas vistorias, o humorista quase matou os outros presos de ataque cardíaco quando do nada resolveu gritar “Viva a revolução”. Os guardas já estavam se aproximando dos detentos com seus cassetetes quando o Barão completou “… de 30!”. Sem saber, ele pode ter inventado ali a pegadinha.

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