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    João Moreira Salles, da piauí, e Natuza Nery, da GloboNews, mediaram a conversa com Carlos Chamorro, do portal Confidencial FOTO: TUCA VIEIRA

festival piauí de jornalismo

Perseguido na Nicarágua, jornalismo independente sobrevive no exílio

Da Costa Rica, Carlos Fernando Chamorro comanda veículo que critica governo totalitário de Daniel Ortega e cobra eleições livres

| 06 out 2019_21h15
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Não tem sido fácil fazer jornalismo independente na Nicarágua do presidente Daniel Ortega, que está no poder desde 2007. Seu regime tirou canais de tevê do ar, censurou emissoras de rádio e impôs barreiras alfandegárias que dificultaram a compra de tinta e papel pelos jornais impressos. Declarados inimigos do Estado, os profissionais da imprensa foram acusados de incitar o ódio e promover terrorismo. “Ortega disse que nós somos filhos de Goebbels”, disse o jornalista Carlos Fernando Chamorro, referindo-se ao oficial nazista que comandava a propaganda da Alemanha de Hitler.

Chamorro foi o convidado da mesa de encerramento do Festival Piauí de Jornalismo, realizado nos dias 5 e 6 de outubro em São Paulo na Faap. Foi entrevistado por João Moreira Salles, editor fundador da piauí, e por Natuza Nery, jornalista da GloboNews. O nicaraguense é cofundador e editor da revista Confidencial, além de apresentar e dirigir os programas de tevê Esta Semana e Esta Noche. É filho de Violeta Chamorro, que presidiu a Nicarágua entre 1990 e 1997, e de Pedro Joaquín Fernando Cardenal, um jornalista famoso em seu país que foi assassinado nos anos 1970, durante a ditadura da dinastia Somoza. Carlos Fernando participou da revolução sandinista conduzida por Ortega e votou nele na eleição que terminou com a vitória de Violeta. Fez oposição à mãe no comando do jornal Barricada, quando trocou definitivamente a militância pelo jornalismo.

Em dezembro de 2018, a polícia da Nicarágua ocupou a redação do Confidencial, que faz uma cobertura crítica ao governo totalitário de Ortega. Depois do episódio, o jornalista se exilou na Costa Rica, país vizinho à Nicarágua. No vídeo em que anunciou seu exílio, gravado já fora do país, Chamorro reafirmou seu “compromisso sagrado com a liberdade de imprensa e de expressão”. Seus programas foram tirados do ar na tevê aberta, mas continuam sendo produzidos e transmitidos pelas redes sociais.

Assim como Chamorro, metade da redação do Confidencial está exilada na Costa Rica e nos Estados Unidos, mas o resto da equipe permanece na Nicarágua. É graças a esses profissionais,  disse o editor, que ele consegue cobrir do exterior a vida política do seu país. “Meus olhos e meus ouvidos continuam na Nicarágua, são nossos repórteres”, afirmou. “Ocuparam a redação, mas não conseguiram nos fechar.” Chamorro não está só: quase uma centena de jornalistas nicaraguenses se exilaram. Vinte e três veículos digitais já surgiram no exílio, de acordo com números de Chamorro.

Na Nicarágua, os filhos de Ortega controlam quatro canais de tevê e dezenas de emissoras de rádio. Pelas contas de Chamorro, já beira 1400 o número de ataques que jornalistas sofreram de simpatizantes ao regime de Ortega. Um jornalista, Angel Gahona, foi assassinado enquanto cobria uma manifestação contra o governo. Chamorro considera que o país vive um estado de sítio desde que o líder criminalizou os protestos contra o governo em outubro de 2018. “Ninguém tem garantia absoluta sobre sua liberdade e sua integridade física na Nicarágua”, afirmou.

Chamorro disse que a crise uniu os jornalistas que ficaram no país. Repórteres colaboraram uns com os outros, compartilham informações e contam com a ajuda de pessoas comuns que gravam e filmam excessos do governo. “Os jornalistas fazem um trabalho de curadoria do fluxo de informação produzida pelos cidadãos empoderados com seus celulares para documentar a repressão e a resistência”, disse o nicaraguense.

Otimista com o futuro do jornalismo e da política de seu país, Chamorro acredita que Ortega cairá cedo ou tarde, diante do cenário de profunda crise econômica e da resistência crescente da população. “O governo está ilhado”, afirmou. Diferentemente do que aconteceu na revolução sandinista de 1979, ele disse que a população não quer conflito armado e não busca derrubar o regime, mas apenas antecipar eleições, promovidas de forma livre e transparente. “Trata-se de uma rebelião cívica”, afirmou. “O jornalismo vai poder contar a história de como foi possível mudar uma ditadura de forma democrática.”

 

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