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    O procurador-geral da República, Paulo Gonet (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

questões cabeludas

Gonet compara Toffoli a Moro em recurso para restabelecer multa à J&F

Procurador-geral desencavou uma decisão do próprio ministro do STF a respeito da 13ª Vara Federal de Curitiba para dizer que ele extrapolou sua competência no caso da empresa dos irmãos Batista

Breno Pires | 06 fev 2024_19h29
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Na primeira decisão sobre um caso mais ruidoso, o novo procurador-geral da República, Paulo Gonet recorreu da decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender a multa de 10,3 bilhões de reais do acordo de leniência do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Ele pediu que o plenário analise o recurso.

Na manifestação de 24 páginas, feita no último dia do prazo para recurso, Gonet elencou diversas razões pelas quais Toffoli não poderia ter julgado o pedido dos Batista da forma como julgou. E usou como argumento-chave um precedente do próprio ministro, que relatou nove anos atrás o primeiro caso em que o STF retirou da supervisão do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, na Operação Lava Jato (não citou Moro nominalmente, mas evocou a vara específica e o caso, que envolvia o ex-ministro Paulo Bernardo e foi enviado para a Justiça de São Paulo). Na época, Toffoli disse o seguinte para justificar retirar um caso da análise de Moro: “Nenhum órgão jurisdicional pode-se arvorar de juízo universal de todo e qualquer crime relacionado a desvio de verbas para fins político-partidários, à revelia das regras de competência”. 

Gonet recorreu a essas aspas do próprio Toffoli para enfatizar que o ministro não poderia analisar a ação da J&F como se fosse o relator natural do caso, uma vez que a ação, na visão do procurador-geral, não tem conexão com um outro caso da relatoria de Toffoli — aquele em que o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia solicitado acesso às provas obtidas na Operação Spoofing, que reuniu as mensagens trocadas por procuradores da Lava Jato obtidas pelo hacker de Araraquara. Gonet anotou que as investigações sobre o grupo empresarial dos Batista (operações Greenfield, Sépsis, Cui Bono e Bullish)  começaram em Brasília e foram feitas por procuradores da capital federal, sem qualquer relação com as investigações e os procuradores da Operação Lava Jato, no Paraná, liderados por Deltan Dallagnol, nos processos julgados pelo ex-juiz Sérgio Moro. 

No plantão do recesso do judiciário, Toffoli havia acolhido a alegação da J&F, representada pelo diretor jurídico Francisco de Assis e Silva, de que seu pedido tinha relação com o caso iniciado por Lula. Gonet separou os assuntos e fez a analogia com a Lava Jato:  Em outras palavras, assim como Moro não poderia julgar tudo desde o Paraná, Toffoli também não pode julgar tudo desde o STF.

“O  certo  é  que  o  princípio  constitucional  do  juiz natural e o da segurança jurídica impedem que se acolha a pretensão deduzida, que acabaria por transformar o Supremo Tribunal Federal em juízo universal para o reexame de todas as avenças de natureza financeira pactuadas por réus e pessoas jurídicas colaboradoras no âmbito das operações deflagradas no cenário político e jurídico de 2015/2016 de combate à corrupção”, escreveu Gonet ao argumentar que o caso da J&F deve passar para um outro relator, a ser sorteado.

Ao apresentar o recurso, Gonet sustentou também que a J&F não demonstrou provas de que foi forçada a fazer acordo de leniência, ao contrário do que alegou o diretor jurídico da empresa. “Não há como, de pronto, deduzir que o acordo entabulado esteja intrinsecamente viciado a partir de ilações e conjecturas abstratas sobre coação e vício da autonomia da vontade negocial argumentos que estão desprovidos de comprovação e se referem a fatos que não se deram no contexto da Operação Lava Jato”, escreveu o procurador-geral. 

Ele divergiu, dessa forma, da conclusão de Toffoli, que apontou existir “dúvida razoável” sobre os Batista terem feito o acordo de leniência por livre vontade, razão pela qual o ministro havia suspendido os pagamentos da multa.

As evidências indicam o contrário, segundo Gonet. “Verifica-se que, no âmbito da Operação Greenfield, os seus investigados [da J&F], em geral, responderam e respondem em liberdade até os dias atuais”, disse o procurador, que frisou: os executivos do grupo dos Batista “nunca sofreram prisão cautelar em razão de pedidos da Força Tarefa Greenfield”. Gonet lembrou que as prisões decretadas contra eles foram em “decorrência de outras investigações, em outras unidades da federação, sem vínculo com a Força Tarefa Greenfield”. Como exemplo, a investigação feita em São Paulo sobre suposto crime de insider trading (utilização de informação sigilosa no mercado financeiro).

 A piauí mostrou também que o próprio Joesley Batista desmentiu a tese da coação do MPF durante um depoimento prestado ao tribunal de arbitragem que analisava a venda da Eldorado. Joesley afirmou que a multa de 10,3 bilhões não foi o motivo que levou a J&F a vender ativos importantes, entre eles a Eldorado. A edição de fevereiro da revista traz reportagem sobre o Vale Tudo da J&F na disputa com a Paper

 A posição assumida por Gonet o distancia do antecessor Augusto Aras, que colocou as cabeças de procuradores na bandeja e chegou a falar que eles praticaram “tortura” contra investigados da Lava Jato. O recado de Gonet é de que não houve esse nível de pressão. Nas entrelinhas, essa foi uma defesa institucional de que os integrantes do Ministério Público Federal sentiam falta. Gonet fez parte da gestão Aras, como vice-procurador-geral eleitoral, e ainda está cedo para saber em que seu estilo o diferenciará do antigo chefe.

Gonet também percorreu o histórico das tentativas da J&F de diminuir o valor da multa a pagar pelo acordo de leniência. O procurador citou que, quando o grupo dos Batista acionou o STF, havia acabado de sair derrotado em um julgamento no Conselho Institucional do Ministério Público Federal, que rejeitou reduzir o montante da leniência. O conselho é o órgão do MPF responsável por analisar o caso, que também foi rejeitado antes na 5ª Câmara do MPF, especializada em combate à corrupção. Além disso, a J&F havia pedido na Justiça Federal em Brasília a suspensão do pagamento dos valores pactuados e a revisão dos valores — ação que ainda está em andamento.

“Em razão das tentativas infrutíferas na instância de origem e no Ministério Público Federal, a requerente submeteu pedido de extensão perante o Supremo Tribunal Federal, com a indemonstrada arguição de desprezo pela autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal e em supressão de instância e em discrepância com as regras constitucionais concernentes a competência”, observou Gonet. A conclusão é que o pedido da J&F deve ser continuar a ser analisado na primeira instância. “O tema haverá acaso de ser tratado no juízo de primeiro grau, competente para deslinde da controvérsia”, escreveu o procurador-geral, mais uma vez afastando a competência do STF (e de Toffoli) para analisar o caso.

Para além de questões formais, Gonet ainda apontou que a decisão de Toffoli traz “grave prejuízo” ao sistema previdenciário complementar brasileiro, “com vultoso prejuízo especificamente à Funcef e à Petros”, dois fundos de pensão. “O valor de reparação aos fundos de pensão representa, nos planos de equacionamento do déficit acumulado da Funcef e da Petros, cerca de dois bilhões de reais a cada uma”, apontou Gonet. “Daí se vê a dimensão do risco na suspensão do cumprimento do acordo celebrado pela empresa requerente com o Ministério Público Federal”.

O procurador-geral rebateu também alguns argumentos da J&F, entre eles, o de que a Justiça decretou “incomunicabilidade de seus sócios, Joesley e Wesley Batista, para fomentar cenário propício à celebração do acordo de leniência”. Gonet cravou: as decisões sobre esse tema se deram em período que não coincide com o da negociação do acordo entre a J&F e o Ministério Público Federal.

Em suas conclusões, Gonet afirmou: “A manobra da autora, orientada a atribuir ao Supremo Tribunal Federal a competência originária para decidir questões afetas ao acordo de leniência e suas obrigações financeiras, não tem cabimento nem admissibilidade. Não é dado à empresa invocar o contexto das ilegalidades verificadas pelo STF na Operação Lava-Jato para se isentar das suas obrigações financeiras decorrentes de acordo de leniência celebrado em juízo diverso, no âmbito da Operação Greenfield, que não tem relação com a Operação Spoofing nem com a Operação Lava-Jato”.

 

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