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    Diário Oficial da União

Questões da Ciência

Punição tardia

O engenheiro químico Denis Lima Guerra, protagonista do maior caso de fraude científica envolvendo pesquisadores brasileiros, foi demitido da Universidade Federal do Mato Grosso, onde era professor. Guerra era objeto de um processo administrativo que se arrastava há mais de dois anos. Este é provavelmente o segundo caso no Brasil de demissão de um cientista vinculado a uma instituição pública de pesquisa em decorrência de má conduta.

Bernardo Esteves | 12 fev 2014_19h02
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O engenheiro químico Denis Lima Guerra, protagonista do maior caso de fraude científica que já envolveu pesquisadores brasileiros, foi demitido em janeiro da Universidade Federal do Mato Grosso, onde era professor. Guerra era objeto de um processo administrativo que se arrastava há mais de dois anos. A comissão de inquérito responsável pelo caso recomendou a exoneração do pesquisador, decisão acatada pela reitoria.

A exoneração de Guerra foi publicada em 13 de janeiro no , com base em quatro fundamentos legais: valer-se do cargo para tirar proveito pessoal, improbidade administrativa, faltar com lealdade à instituição que servia e desrespeito às normas legais e regulamentares.

Tentei falar com Guerra sem sucesso para comentar a notícia. Em seu currículo Lattes, atualizado pela última vez há uma semana, ele ainda não comunicou seu desligamento da UFMT.

Em 2011, Guerra teve onze artigos de sua autoria anulados (retracted) pela Elsevier, maior editora científica do mundo. Ele e seus coautores foram acusados de forjar dados obtidos por ressonância magnética nuclear usados nos artigos. Comissões independentes de especialistas montadas pela Elsevier, pela UFMT e pela Unicamp investigaram o caso e entenderam que houve, sim, falsificação de dados.

Nunca antes um caso de má conduta atribuída a pesquisadores brasileiros havia envolvido um número tão grande de artigos – até hoje, continua sendo o maior episódio de fraude em série revelado no país. O caso foi relatado na reportagem “Os alquimistas”, publicado na piauí 60, de setembro de 2011.

A acusação de fraude envolveu também o químico Claudio Airoldi, decano do Instituto de Química da Unicamp. Orientador de Guerra em seu doutorado, Airoldi foi coautor dos onze trabalhos com dados forjados. Quando estive com ele em seu laboratório em 2011, ele contou que sequer havia lido os trabalhos antes da publicação, confirmando o que me dissera Guerra.

A Unicamp foi mais ligeira para julgar o caso: em outubro de 2011, puniu Airoldi com 45 dias de suspensão. O atraso do processo administrativo da UFMT se deveu em parte a medidas protelatórias tomadas pelos advogados de Guerra. “A Comissão Processante solicitou inúmeras prorrogações, considerando a complexidade dos fatos, e a realização de análises periciais, documentais e testemunhais, com 14 testemunhas”, esclareceu, por e-mail, a reitora da UFMT, Maria Lúcia Cavalli Neder. “A UFMT zela pela qualidade e credibilidade de suas produções científicas e lamenta que esse caso tenha ocorrido, sobretudo em um momento de expansão de sua graduação, pós-graduação e pesquisa”, acrescentou a reitora.

Este não é o primeiro caso no Brasil de demissão de um pesquisador vinculado a uma instituição pública de pesquisa em decorrência de má conduta científica. Em fevereiro de 2011, a USP exonerou o biólogo Andreimar Martins Soares, acusado de plagiar imagens de um artigo de pesquisadores da UFRJ.

O caso de fraude protagonizado por Guerra motivou a criação pelo CNPq de uma Comissão de Integridade na Atividade Científica para investigar denúncias de má conduta. O médico e biofísico Paulo Sérgio Lacerda Beirão, professor da UFMG que comandou a comissão por dois anos e meio, lembrou que o episódio surpreendeu muito a comunidade. “Preferíamos achar que esse tipo de problema não existia, até que a realidade mostrou que era diferente.”

Sonia Vasconcellos, pesquisadora da UFRJ que estuda a ética na ciência, lembrou que a notícia chega num momento em que o Brasil está no foco do interesse dos estudiosos da área. “Estamos sendo vistos como um país que está levando a sério a questão da integridade em pesquisa”, afirmou, acrescentando que o Rio sediará a 4ª Conferência Mundial sobre Integridade em Pesquisa em 2015.

(foto: Riccardo Cuppini – CC 2.0 BY-NC-ND)

Atualização: Este post foi atualizado às 19:45 de 12/02/14 para incluir as declarações da reitora da UFMT.

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