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    Jane Mayer (ao centro), repórter da revista The New Yorker, conversou com Malu Gaspar e André Petry. FOTO: TUCA VIEIRA

festival piauí de jornalismo

Quando mídia, ciência e universidade viram “inimigos”

Jornalista Jane Mayer aponta estratégias para reagir aos ataques de Trump à imprensa americana

| 05 out 2019_18h00
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Um governante que espalha notícias falsas pelas redes sociais, ataca os cientistas e o conhecimento especializado e faz troça com os repórteres, desacreditando o trabalho da imprensa junto à opinião pública. O relato pode soar familiar para os brasileiros, mas é a descrição que a jornalista norte-americana Jane Mayer fez do presidente Donald Trump na tarde deste sábado (05/10) no Festival Piauí de Jornalismo. Ela e seus colegas se veem diante de desafios inéditos desde que Trump foi eleito, no fim de 2016. “Nunca vi nada nem remotamente parecido com isso em minha carreira”, disse Mayer, que cobre o poder desde os anos 1980, quando o presidente era Ronald Reagan. 

Chefe da sucursal de Washington da revista New Yorker, onde trabalha desde 1995, Mayer é também professora de jornalismo na Universidade Princeton. No festival, a norte-americana foi entrevistada por Malu Gaspar, repórter da piauí, e André Petry, da Galápagos Newsmaking. A sexta edição do evento, que acontece no auditório da Faap, em São Paulo, reúne jornalistas de vários países em que a liberdade de imprensa está a perigo.

Mayer contou que o presidente norte-americano passou a se referir aos repórteres como “inimigos do povo americano” _ uma acusação que já foi usada na União Soviética de Stálin, na China de Mao Tsé-Tung e em outros regimes autoritários que mataram jornalistas. “Trump tenta deslegitimar o trabalho da imprensa para fazer o público achar que ele é a única fonte da verdade”, disse a repórter. “Nossa maior batalha como jornalistas é convencer o público de que somos dignos de confiança e que não somos inimigos do povo.” 

O jornalismo não é a única instituição atacada pelo presidente. “Trump ataca também a ciência, o Judiciário independente, os analistas da CIA que dizem coisas que ele não quer ouvir”, afirmou. “O padrão dele é deslegitimar todas as fontes independentes de informação e de poder.” 

Mayer discutiu também o papel que os irmãos Koch, bilionários americanos detentores de uma das maiores fortunas do mundo, tiveram na ascensão de Trump e nos ataques à ciência e à imprensa. Retratados no livro Dark Money, que ela lançou em 2016, os irmãos contrataram detetives para vasculhar a vida pessoal da jornalista em busca de algo que pudesse comprometê-la e chegaram a lançar contra ela acusações falsas de plágio. 

Os irmãos Koch fizeram fortuna no setor de petróleo e gás e financiaram iniciativas que negam a influência dos combustíveis fósseis e outras atividades humanas no aquecimento global em curso desde a Revolução Industrial. “O que eles conseguiram fazer foi confundir completamente o público ao longo de anos”, disse Mayer. O resultado é que os Estados Unidos estão na contramão do mundo, num caminho que o Brasil ameaça seguir, num momento em que o consenso da ciência está mais forte que nunca. “Estamos perdendo tempo, e não temos tempo a perder”, afirmou a jornalista. “É uma batalha da Idade Média contra o Iluminismo.”

Cobrir os discursos e coletivas de Trump, recheados de alegações falsas, é um dilema para Mayer e seus colegas. “Somos treinados para ser cuidadosos e buscarmos a verdade, mas passamos boa parte do tempo corrigindo as mentiras do presidente”, disse Mayer. Quando conseguem enfim comprovar ou desmentir uma alegação, continuou, o mandatário já fez outras cinco declarações questionáveis. “Estamos sempre correndo atrás dele.” Uma solução para evitar isso seria não dar visibilidade indevida às declarações de Trump. “O presidente vive de atenção”, disse Mayer. “Devíamos reproduzir seus tuítes num pequeno boxe ao lado dos resultados esportivos ou da previsão do tempo.”

Para Mayer, o declínio de jornais locais nos Estados Unidos e em outros países ajudou a minar a credibilidade da imprensa. Quando as pessoas se acostumam a ver os repórteres desses jornais cobrindo eventos políticos e esportivos comunitários, elas sabem que eles estão apenas tentando apurar o que está acontecendo, e não são inimigos do povo. “Seria saudável se encontrássemos meio para reconstruir a imprensa local, para ficarmos acessíveis e visíveis para a comunidade, e não só na tevê”, disse a norte-americana.

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