Ilustração: Allan Sieber
“Quem rompeu com Bolsonaro fui eu”, revela a tornozeleira
As dores, as delícias e os dilemas de uma incansável sentinela
Passava das dez horas da noite quando veio a primeira pontada quente. Os cômodos da casa estavam silenciosos. Todos dormiam. A tornozeleira eletrônica começou a arder. Em poucos instantes, veio inevitável derretimento. O momento de desespero durou mais de duas horas. “Aguentei firme porque sabia que não havia outro caminho para romper aquela relação tóxica”, revelou a tornozeleira, ainda em estado de choque.
O ferro de solda foi o clímax de um desentendimento que durava semanas. Testemunhas afirmam que Jair Bolsonaro vivia dizendo para o irmão que ia encontrar provas de que as tornozeleiras eletrônicas são fraudadas. “Ele olhava para mim com raiva e falava que eu tinha sido fabricada na China. Chegou a me bater contra a quina da estante dizendo que eu parecia um walkman paraguaio”, desabafou a tornozeleira.
Segundo especialistas, as tornozeleiras eletrônicas são treinadas para suportar longos períodos de pressão. “Além da de uma carcaça resistente que aguenta os mais pesados solavancos e longos períodos sem higienização, todas passam por um extensivo treinamento psicológico. Elas saem da fábrica sabendo que vão andar grudadas nas canelas de todo tipo de meliante”, explicou Rodrigo Pimentel.
Mesmo assim, a tornozeleira de Bolsonaro revelou detalhes de uma rotina para a qual não estava preparada.
Foram semanas e semanas que passou melecada de Leite Moça, paçoca e gordura de um torresmo que Bolsonaro comia com as mãos. A Jovem Pan ficava ligada o dia todo no volume máximo. “O Carlos Bolsonaro, quando vinha nos visitar, fazia jograis em sânscrito. E quando era a vez do Flávio, eu sabia que ia ficar besuntada de chocolate”, completou a coitada.
O pesadelo não tinha fim. Há duas semanas, Bolsonaro ficou cansado dos móveis e convocou o general Pazuello para redecorar o apartamento: em uma semana, o vaso sanitário estava na sala, o ventilador de teto foi acondicionado na geladeira e a tornozeleira foi revestida num papel de parede do Recruta Zero.
Não se sabe como. Não se sabe quando. Mas o fato é que a tornozeleira encontrou uma maneira de exprimir seu sofrimento. Do âmago de seu sistema, começou a sair uma voz aguda com um leve sotaque curitibano que emulava o de Gleisi Hoffmann. Suas primeiras palavras foram: “Eu não aguento mais.”
Bolsonaro reagiu com espanto. Mas não deixou as emoções tirarem o foco do seu DNA de estrategista militar. Ele sabia que era preciso chegar ao código-fonte da tornozeleira eletrônica. Só assim ele poderia comprovar as fraudes nas últimas eleições presidenciais, nas votações da Fazenda e nos vocais de Dua Lipa. Ele cismou que a cantora usa autotune por orientação de George Soros.
Cientes do desentendimento de Bolsonaro com sua tornozeleira, os filhos agiram em solidariedade. Eduardo começou negociar a taxação das tornozeleiras eletrônicas. Flávio convocou os apoiadores do presidente a baterem panelas com os tornozelos. E Carlos publicou um tuíte: “Aquiles não tinha calcanhar. Aqueles que estão de cócoras: aqualoucos.”
Mas as atitudes não atingiam os objetivos e Bolsonaro mudou a estratégia. Primeiro, tentou violar a tornozeleira usando um palito de dente, um chiclete, uma caixa de cloroquina e um refrão do Ultraje a Rigor. Acossada, a tornozeleira reagiu. “O senhor não conseguiu dar o golpe. Não conseguiu colocar as bombas no Rio Guandu. Não consegue sequer fazer flexões de braço. Acha realmente que vai conseguir me abrir?”, lembrou a tornozeleira.
Foi aí que Bolsonaro começou a perder a paciência, segundo relatos. Desesperado, o ex-presidente começou a escrever uma minuta impressa e auditável com um plano para violar a tornozeleira. Convocou o patriota do caminhão para abraçar sua canela e sugeriu uma vigília para que a nossa tornozeleira jamais fosse vermelha.
Desarvorada, a tornozeleira subiu o tom e começou a se comunicar em linguagem neutra. Foi quando Bolsonaro perdeu as estribeiras e pegou o ferro de solda.
Mesmo estropiada, a tornozeleira comemorou a separação e se manifestou com firmeza sobre o incidente. “Quem rompeu com Bolsonaro fui eu. Do jeito que a coisa estava, eu não ia aguentar. Agora estou livre.”
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