A rebelião do WhatsApp contra o Major Olímpio
Soldados virtuais que ajudaram a eleger o capitão Bolsonaro condenam proximidade do senador com João Doria
Os soldados dos grupos de WhatsApp de São Paulo, que ajudaram a eleger o capitão Jair Bolsonaro, do PSL, presidente do Brasil declararam guerra ao Major Olímpio, senador eleito por São Paulo também pelo PSL. A batalha travada com afinco no aplicativo, por onde eles se comunicam desde antes das eleições, começou com as recentes demonstrações de apoio do major ao futuro governador do estado, João Doria, eleito pelo PSDB. O pivô: Gilberto Kassab, do PSD. Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações de Michel Temer (e das Cidades de Dilma Rousseff) e réu na Lava Jato, Kassab foi escolhido por Doria para ser chefe da Casa Civil.
A braveza da infantaria do Whatsapp – formada, em grande parte, de empresários dos ramos da indústria e do agronegócio – não se concentrou em Doria, mas no futuro senador. “O major Olímpio se demonstrou um oportunista, se valendo de práticas da velhíssima política”, diz uma das mensagens, que continua num tom ainda mais agressivo. “Um político que há pouco tempo não tinha a mínima chance, nem projeção e é mais um dentre tantos que surfaram na onda Bolsonaro e se aproveitaram da mesma.” Outra mensagem irada avisa: “Só posso dizer que nunca mais irei votar nesses dois, e vou continuar a meter a boca em todos os lugares em que pedi voto para o Major Olímpio, chamando-o de traidor, que é exatamente o que ele é.” Major Olímpio contemporiza. Por meio de sua assessoria, disse que o encontro com Doria foi republicano e um dos assuntos tratados foi a indicação da deputada estadual Janaina Paschoal, sua correligionária, para a presidência da Alesp, a Assembleia Legislativa do estado.
Os grupos de WhatsApp em apoio a Bolsonaro – na casa de duzentos e com cerca de 250 integrantes cada um – foram formados em 2017. Em São Paulo, são comandados por duas figuras de destaque do agronegócio no estado: o ruralista Jorge Izar e Luiz Antônio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista, a UDR. Nabhan Garcia recentemente se envolveu num entrevero com o futuro ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, que pôs por terra suas pretensões de se tornar o ministro da Agricultura do novo governo. Espalhados por todas as cidades de São Paulo (sim, todas), e por vários outros estados, os grupos se formaram para angariar apoio para a candidatura Bolsonaro, marcar eventos, carreatas, além de defender e divulgar a candidatura de políticos do PSL para o Congresso Nacional e para as Assembleias Legislativas. O ativismo não se encerrou com o fim das eleições. O batalhão parece disposto a agir como fiscal dos candidatos que ajudaram a eleger. Entre eles, o Major Olímpio, cujo comportamento, diga-se, já vinha deixando muito bolsonarista descontente bem antes mesmo do fim do pleito.
A insatisfação com o major começou quando ele manifestou que, no segundo turno da disputa paulista, apoiaria o governador Márcio França, do Partido Socialista Brasileiro, o PSB. A legenda é considerada de esquerda pelos apoiadores de Bolsonaro. Olímpio não só fez campanha aberta para França, como convenceu a Polícia Militar do estado, corporação a qual ele pertenceu, a votar em peso no candidato. À época, os grupos bolsonaristas do WhatsApp defendiam o apoio a Doria e acusavam Olímpio de oportunismo – o major alegava que optara por França porque este estaria disposto a sustentar os interesses corporativos da polícia e dos militares. Doria não era o candidato dos sonhos dos bolsonaristas. Tratava-se apenas de uma questão pragmática. O candidato do PSDB, disse um dos integrantes dos grupos, era mais palatável do que o “comunista Márcio França”, ou Márcio Cuba, como era chamado nas redes.
“É claro que quase ninguém ali tolerava o Doria”, me disse, muito irritado, um dos integrantes desses grupos. “Mas a alternativa ao Márcio França era o Paulo Skaf, que fez campanha usando e abusando do dinheiro da Fiesp, do Sesi e do Senai, instituições bancadas pelos empresários para servir aos interesses da categoria e não para projetos políticos pessoais do candidato.”
As “deslealdades” do Major Olímpio, segundo outro integrante desses grupos, não teriam acabado aí. Ele é acusado de ter tentado sabotar a indicação do general Hamilton Mourão como vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro. E de ter se aliado ao ruralista Nabhan Garcia, seu amigo pessoal, para enfraquecer a candidatura de Levy Fidelix, presidente do PRTB, o partido de Mourão, a deputado federal. Numa das recepções a Bolsonaro, no aeroporto de Presidente Prudente, Nabhan Garcia e Major Olímpio tentaram impedir que Levy Fidelix e o candidato do PRTB ao governo do estado, Rodrigo Tavares, subissem no caminhão que seguiria com o capitão em carreata pelas ruas da cidade. A turma do agronegócio se rebelou e, aos berros, exigiu que eles subissem no veículo. “Major Olímpio e Nabhan Garcia estavam tentando sabotar o PRTB para garantir a candidatura de França”, me disse esse integrante do grupo.
A pressão nos grupos de WhatsApp pode, por hora, não ter qualquer poder para prejudicar Doria ou o Major Olímpio com suas manifestações virtuais de revolta. Tanto que, em resposta à reação irada dos bolsonaristas, assessores do futuro governador entraram nas conversas e avisaram que a decisão de Doria em relação à indicação de Kassab era irreversível, o que foi entendido como provocação. “Por duas vezes, na semana passada, manifestei pessoalmente para uma pessoa muito próxima do João a decepção e o descontentamento geral com essa nomeação do Kassab. E pedi que ela fizesse chegar aos ouvidos dele a indignação da maioria dos seus eleitores, que não admitem uma figura como Kassab chefiando a Casa Civil do nosso estado. Kassab, ao unir-se a Lula e Dilma, já deu várias demonstrações de que está se lixando para o povo!”, postou uma eleitora indignada.
Existem dois sinais importantes nessa trincheira eletrônica. O primeiro é de que o agronegócio está rachado. De um lado, o pecuarista Nabhan Garcia e seus seguidores. De outro, os ruralistas ligados a setores mais mecanizados como o da soja, do sucroalcooleiro e o de papel e celulose, que se desentendem sobre quem deve ser o interlocutor do setor com o futuro presidente. O agronegócio foi um dos setores que primeiro embarcaram na candidatura do capitão, e lhe deu um expressivo suporte.
O segundo recado do embate virtual não é menos importante. Não se pode esquecer que foi pelo WhatsApp que esses grupos se mobilizaram para organizar as bem-sucedidas manifestações a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Também foi pelo tela a tela que Bolsonaro alcançou uma espetacular visibilidade – como candidato, ele tinha quase nenhum espaço na propaganda eleitoral na tevê, além de ter ficado praticamente fora da mídia tradicional nos últimos anos. Por tudo isso, o batalhão do WhatsApp bolsonarista se considera corresponsável pela vitória tanto do capitão quanto dos candidatos do PSL. E já demonstrou que continuará na ativa.
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