minha conta a revista fazer logout faça seu login assinaturas a revista
piauí jogos

    A tela Orixás, de Djanira, quando ainda ocupava o Salão Nobre do Palácio do Planalto: quadro foi enviado para a reserva técnica Foto: Rubens Valente

questões da cultura brasileira

A reconquista dos Orixás

Exposição marcada para a posse de Lula planeja exibir tela retirada do Planalto no governo Bolsonaro

Tatiane de Assis | 09 dez 2022_16h46
A+ A- A

Não é só o petista Luiz Inácio Lula da Silva que volta ao centro da cena em 1º de janeiro de 2023. Depois de se transformar em um dos alvos da ofensiva da direita no campo da cultura, o quadro Orixás (1962), de Djanira da Motta e Silva (1914-79), também terá sua redenção: foi requisitado para integrar a exposição que será montada no Museu Nacional da República, em Brasília, para comemorar a posse de Lula. A obra, uma pintura a óleo de 3,7 metros de largura e 1,2 metro de altura, foi retirada do Salão Nobre do Palácio do Planalto em dezembro de 2019 e colocada na reserva técnica. 

O exílio dos Orixás foi noticiado pela piauí, em reportagem de Rubens Valente. A representação altiva das iabás (orixás femininos) Iansã, Oxum e Iemanjá acabou incomodando o governo de Jair Bolsonaro (PL). O presidente e sua esposa, Michelle, são cristãos. Bolsonaro se aproximou de líderes evangélicos e, ao longo de sua gestão, costumava recebê-los no Salão Nobre – e os Orixás foram removidos para a reserva técnica. Em seu lugar foi colocada uma réplica de Pescadores, outra tela de Djanira.

Se tudo correr como previsto, os Orixás voltam a respirar o ar quente de Brasília na exposição no Museu Nacional da República programada para a posse de Lula. A mostra é parte da agenda cultural que inclui apresentações musicais de Pabllo Vittar, Duda Beat, no que foi apelidado “Lulapallooza”. Dois dos curadores da exposição, a historiadora Lilia Schwarcz e o arquiteto Rogério Carvalho, ex-curador dos acervos dos palácios do Planalto e Alvorada, confirmaram a inclusão de Orixás no evento. Schwarcz e Carvalho assinam a curadoria ao lado do ator Paulo Vieira e do secretário de Cultura do PT, Márcio Tavares. Carvalho disse que o quadro já foi solicitado à Presidência. “As tratativas com a Presidência da República têm sido muito tranquilas”, afirmou.

Intitulada “Brasil do Futuro: As Formas da Democracia”, a exposição deverá reunir cerca de 80 trabalhos de artistas brasileiros, produzidos desde o modernismo até a contemporaneidade. Alguns nomes cotados, mas ainda não confirmados, são Mauro Restiffe, Jaime Lauriano e Sonia Gomes. O tempo de visitação será de dois meses, e o ingresso será gratuito. Segundo Schwarcz, obras retiradas de cena, escondidas ou perseguidas pelo governo Bolsonaro vão estar na exposição.

“Vamos ter três núcleos. O primeiro se chamará Retomar os Símbolos e olhará para imagens e itens da cultura brasileira sequestrados pelo bolsonarismo. O segundo, chamado Decolonialidade, olha para política, Lula e pautas como feminismo, negritude e a comunidade LGBTQIA+. No terceiro núcleo, Somos Nós, buscamos ter uma mirada o mais plural possível do Brasil”, disse Schwarcz. Segundo ela, a ideia de organizar uma exposição nasceu após a vitória de Lula no segundo turno. Mas a confirmação de que seria viável realizar a mostra veio só agora. Os curadores estão correndo para coletar obras com artistas e galerias de arte.

 

É preciso recuar um pouco na história recente do Brasil para entender o caráter de resgate da exposição. Depois do impeachment de Dilma Rousseff, no governo de Michel Temer, em setembro de 2017, foi fechada a exposição “Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, no Santander Cultural, em Porto Alegre. Grupos de direita criticaram a forma como a mostra foi financiada e a presença de crianças no espaço da exposição, por entender que alguns trabalhos faziam apologia à pedofilia e à zoofilia.

No final daquele mesmo mês, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) foi invadido por manifestantes. O motivo: eles enxergavam pedofilia na interação de uma criança com o artista Wagner Schwartz durante a performance La Bête, realizada durante a abertura da 35ª edição do Panorama da Arte Brasileira. Logo, a mostra coletiva Histórias da Sexualidade, no Masp, também seria questionada. Com a classificação etária de 18 anos para a performance, as críticas diminuíram.

A guerra cultural se acirrou no governo Bolsonaro, que transformou o Ministério da Cultura em Secretaria Especial e colocou ainda mais à margem bandeiras como feminismo, negritude e causa LGBTQIA+. “Ao  trazer diálogos sobre a identidade plural do povo brasileiro, a exposição funciona como mecanismo de reconquista de direitos”, afirmou Carvalho.

Assine nossa newsletter

Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí