No calor das horas subsequentes à publicação da nota de Bolsonaro redigida por Michel Temer, em que o presidente fez um recuo tático, a desilusão se espalhou por boa parte da base bolsonarista. Alguns apoiadores mais enérgicos chegaram a cobrá-lo por atitude, reforçando que atenderam ao seu chamado para as manifestações de Sete de Setembro. Houve até quem anunciasse rompimento ou, no linguajar bolsonarista, o “divórcio”.
Não é a primeira vez que há litígio do presidente com sua base. Mas o ápice do “casamento” de Bolsonaro com seus apoiadores, no período da Presidência do Jair, talvez tenha sido nas últimas semanas. E agora, a chapa vai esquentar para Bolsonaro?
Em abril do ano passado, quando Moro saiu do governo e os lavajatistas se divorciaram do presidente, apoiadores mais fiéis até ensaiaram um descolamento do Mito. Sabemos que esse descolamento durou muito pouco e rapidamente seus apoiadores voltaram ao ninho governista, influenciadores digitais incluídos.
Agosto e o início de setembro foram de carta branca da base para Bolsonaro. Em meio à entrega total do governo ao Centrão, denúncias de mansões – uma comprada por Flávio e outra alugada por Jair Renan e sua mãe –, suspeitas de superfaturamento e descaso na compra de vacinas, inflação descontrolada (e absoluta falta de ideia do que fazer por parte do superministro Guedes), com consequência direta no preço dos combustíveis, os apoiadores do Capitão se mostraram resilientes.
Ainda que o bolsonarismo empresarial e ruralista tenha ajudado nas mobilizações e mesmo considerando que o público das manifestações não tenha sido o desejado por Bolsonaro, seus seguidores mostraram que iriam com o presidente até o fim.
O dia seguinte, contudo, foi difícil para eles. Não contavam que o presidente, após essas manifestações, alardeadas pelos bolsonaristas como gigantes, fosse mudar completamente de tom – pelo menos por enquanto.
No dia 8, apoiadores do presidente ameaçaram (muitos até tentaram de fato) invadir prédios públicos em Brasília. Caminhoneiros cercaram a Esplanada dos Ministérios e paralisaram rodovias em catorze estados. Toda essa euforia de uma minoria (é bem verdade) bolsonarista no pós-Sete de Setembro, começou a mudar com o áudio do presidente pedindo que os caminhoneiros desmontassem as barricadas. Em instantes, a mágica das redes aconteceu: o Brasil todo – caminhoneiros incluídos – souberam que a ordem era recuar. Da emoção de supostamente saber que o presidente teria decretado estado de sítio – mais uma mentira divulgada pelas redes – os manifestantes tiveram que atender Bolsonaro, que estaria – como havia muito não estava – preocupado com as consequências de um locaute para a economia, em especial para a inflação. Num primeiro momento, pareciam incrédulos, até que o ministro Tarcísio de Freitas gravou um vídeo atestando a autenticidade do áudio: era mesmo verdade e não uma imitação do comediante Marcelo Adnet. (9.307 interações no Facebook).
Ainda sem se recuperar do baque da desmobilização, na quinta-feira (09/09) os bolsonaristas foram novamente surpreendidos. O ex-presidente Michel Temer foi chamado às pressas à Brasília para uma conversa com Bolsonaro. A tiracolo, muitas desinformações – inclusive que Bolsonaro iria cair e ser preso, segundo tese que circulou, ainda que de forma discreta, no agrupamento de esquerda.
Temer levou também uma cartinha, ou melhor, uma nota oficial, colocando panos quentes em todo o tensionamento com o STF, em especial com o ministro Alexandre de Moraes, indicado por ele ao cargo, vale lembrar. Frustração geral na base bolsonarista de novo.
Levantamento da Arquimedes com a reação de poucas horas após a nota mostrou bolsonaristas desiludidos e muitos outros, como Rodrigo Constantino, dispostos até a abrir mão de Bolsonaro em 2022 e flertar com outra candidatura, como a do próprio Tarcísio de Freitas, alternativa levantada nas redes por outro bolsonarista convicto, Milton Neves, dias atrás.
Com uma amostra de 95 mil menções coletadas no Twitter, 85% do debate foi dominado pela oposição ampliada, da esquerda à direita não bolsonarista, passando por jornalistas, portais de notícias e influenciadores digitais até de fora da política. Com 15% das interações, a base bolsonarista, como no episódio da demissão do Moro, se mostrou confusa.
Grafo sobre repercussão da nota publicada pelo presidente antes da live (Entre 16h e 18h do dia 09 de setembro de 2021)
Mas assim como aconteceu à época da demissão do ministro, a “falta de alternativas” ou o recorrente “se ele sair o PT volta” começaram a aparecer como primeiras desculpas do agrupamento para voltar aos braços do presidente. A ginástica argumentativa bolsonarística sempre pode surpreender. Novas teses surgiram.
Em sua tradicional live de quinta-feira (09/09), um Bolsonaro muito tranquilo e sereno, diferente do presidente impetuoso e destemido das últimas semanas, apareceu na telinha do Facebook para acalmar seus seguidores. Obteve mais visualizações do que de costume, registrando 3 milhões de visualizações ontem contra 645 mil visualizações na semana anterior. Seus seguidores queriam uma resposta, qualquer que fosse, isso importa pouco.
A resposta veio e foi “qualquer uma” mesmo. Um dos argumentos de Bolsonaro: as pessoas não estavam preocupadas com a economia? Não queriam que a gasolina baixasse? Pois então, segundo o presidente, sua atitude teve efeito imediato na bolsa (subiu) e no dólar (caiu). Parece um raciocínio esdrúxulo e simplista, diametralmente oposto da estratégia adotada nos últimos dias? Para boa parte dos bolsonaristas foi suficiente, conforme podemos verificar no grafo com menções à nota nas horas subsequentes à live. Figuras importantes como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e o senador Marcos Rogério (DEM-RO) apareceram e o agrupamento se recuperou um pouco, chegando a ocupar 25% do debate sobre o tema. Mas, mais importante do que isso, encontrou a narrativa para orientá-los.
Grafo sobre repercussão da nota publicada pelo presidente depois da live (Entre 20h e 24h do dia 09 de setembro de 2021)
Outro bom termômetro da base bolsonarista é o posicionamento de seus seguidores ditos mais “ideológicos”: os olavistas. Olavo de Carvalho é um frequente crítico da submissão de Bolsonaro ao Centrão. Ontem, olavistas funcionaram como bombeiros, com uma linha de defesa ainda mais inacreditável: o recuo de Bolsonaro seria parte de um pacto para garantir a eleição de Michel Temer como deputado federal (2.225 interações no Facebook), para que este presida a Câmara dos Deputados após o biênio de Arthur Lira (PP-AL). Também seria parte do (inexistente) acordo a mudança de controle do inquérito dos atos antidemocráticos, que sairia das mãos de Alexandre de Moraes e iria para a PGR, para Bolsonaro ter “governabilidade”. Nenhuma informação procede. Vide manifestação do advogado Augusto de Arruda Botelho.
O quase divórcio da base bolsonarista do Capitão durou poucas horas e foi mais efêmero do que a instabilidade causada pela saída do ex-juiz Moro. Aos empresários e ruralistas apoiadores do governo que financiaram boa parte das manifestações do Sete de Setembro, ficou o recado da Deputada Carla Zambelli: “Confie e aguarde.”
O comentarista e apoiador contumaz do governo, Augusto Nunes, ao vivo na Jovem Pan, também deu voto de confiança instantânea ao presidente: “Não se trata de recuo.”
Já Rodrigo Constantino só precisou sair um pouco da fervura do debate nas redes e jogar pôquer com amigos. Esse aderiu há tempos ao “Confie”.
No período da manhã, “tocar bateria” e o “poker night com os amigos” já tinham tido efeito sobre o também comentarista da Jovem Pan.
Outra pergunta recorrente é se Bolsonaro vai manter o clima ameno, de “paz e amor” por muito tempo, após o “pacto”. Mas esta é a mais fácil das respostas.