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    Ilustração de Carvall

questões urbanas

Riscos de um domingo sem parque

Sem gestão eficiente, equipamentos públicos indispensáveis acabam murchando

Tomas Alvim e Fernando Pieroni | 02 mar 2021_16h31
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Se havia dúvida sobre a importância dos espaços públicos e das áreas verdes para as populações urbanas, a pandemia do novo coronavírus – que impôs um confinamento doméstico jamais visto – lançou-a por terra. Teria sido preferível não pagar tão caro para que algo evidente se tornasse emergente. O problema é que, tal como no poema de Drummond, no Brasil essa pode ser só uma rima e não uma solução.

A maior cidade do país tem 108 parques municipais. No Plano SP 2040, elaborado durante a gestão Serra/Kassab (2005-2008), previu-se a implantação de cem novos equipamentos do tipo, principalmente em regiões periféricas. A maioria não saiu do papel. Pior: várias das áreas que seriam contempladas com o equipamento foram ocupadas ilegalmente. 

No Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo, homologado na gestão de Fernando Haddad (2013-2016), incluiu-se a demarcação de 167 novos parques –  e muitos seguem na atual programação da Prefeitura. Em 2019, o Executivo Municipal anunciou que inauguraria dez parques no ano seguinte, mas apenas dois foram entregues. Apesar de a previsão orçamentária para manutenção de parques haver encolhido de 2020 para 2021, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente espera entregar até dezembro oito parques (entre eles, o Augusta e o Paraisópolis).

Planos, nota-se, não faltam. Parece cristalino que planejar não é a questão. O nó está na hora de executar o planejado. Cabe uma inescapável pergunta: qual o motivo de tamanha ineficiência? A resposta passa por um aforismo de Albert Einstein: “Nenhum problema pode ser resolvido pela mesma mentalidade que o criou.” Assim, há que se pensar em novas formas de gestão, governança, desenho, financiamento e implantação se o objetivo for, de fato, mudar essa realidade.

 

Para tanto, é preciso abandonar o vezo de ignorar experiências bem-sucedidas.

Uma extraordinária referência nesse tema é o Central Park de Nova York. Seu exato modelo não pode ser reproduzido no Brasil por causa de restrições na legislação, entretanto vale destacar as inovações que fizeram daquele parque exemplo mundial quando se consideram parcerias entre governos e entidades da sociedade civil para a administração desse tipo de espaço público. O Central Park tem uma estrutura executiva de gestão cujo objetivo é a preservação e a melhoria da região para as futuras gerações.

Digna de nota é também a fundação chilena Miparque. Ela promove o projeto, a construção e a ativação de novos parques e praças a partir de governança comunitária e financiamento privado, que viabilizam a sustentabilidade daqueles espaços de lazer, eventos etc. 

Em São Paulo também há uma experiência exitosa: a concessão, para a Construcap, do Parque Ibirapuera, realizada pela prefeitura em dezembro de 2019. Trata-se de uma operação voltada para a gestão e a manutenção do parque e o manejo da biodiversidade. Além disso, o Ibirapuera subsidia cinco outros parques na periferia da metrópole. A experiência já é objeto de um estudo realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pode servir de inspiração a outros parques relevantes do Brasil e do exterior – sempre levando em conta que cada um tem sua função na dinâmica da área em que se localiza. É fundamental avaliar qual estratégia será utilizada em condições específicas.

 

Quais regiões deveriam ser prioritárias na hora de se abrir um parque? Sem dúvida, as de alta vulnerabilidade social, territórios com infraestrutura urbana precária e pouco ou nenhum acesso a equipamentos públicos de lazer, esporte e cultura. Parques representam para as populações daquelas comunidades a possibilidade de interação maior entre os habitantes – naturalmente, não em momentos como o que se atravessa hoje, quando os cuidados para conter a Covid-19 exigem o distanciamento social – e convívio com a natureza. Esse contato é sabidamente salutar: nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, médicos prescrevem a ida regular a um parque como tratamento para distúrbios e enfermidades.

Parques podem ser ainda um meio de promoção da cidadania e de engajamento comunitário. Há exemplos sólidos desse potencial de transformação local, como o que se vê no Bronx River Park, em Nova York;  no Parque Linear Cantinho do Céu, em São Paulo; e no Jardim do Baobá, primeiro trecho do Projeto Parque Capibaribe, em Recife.

A criação de um parque implica, é claro, enormes custos operacionais. Dado que os recursos são, frequentemente, escassos, não há outra alternativa: deve-se melhorar o gasto do dinheiro público, promovendo formas inovadoras de gerir e financiar o espaço, de maneira a propiciar um desenvolvimento sustentável do equipamento. Afinal, tão importante quanto inaugurar um parque é garantir sua disponibilidade e a adequada manutenção e prestação de serviços à população ao longo dos anos, a fim de que ele cumpra à risca a função urbana para a qual foi concebido. Aqui entram os diversos modelos alternativos de gestão, como as parcerias com a sociedade civil, as concessões para entidades privadas e a adoção dos parques por empresas ou pela comunidade do entorno. 

 

Considerado muitas vezes uma ameaça às áreas verdes, o desenvolvimento imobiliário pode se transformar em um meio de viabilização e sobrevivência de parques públicos. Mais uma vez o exemplo vem de Nova York: o Brooklyn Bridge Park. Lá, os ativos imobiliários são geridos por uma organização sem fins lucrativos, a Brooklyn Bridge Park Corporation, cuja receita é destinada ao parque. 

Diversos instrumentos legais indicam o caminho para esse tipo de iniciativa, como a fruição pública, prevista no PDE de São Paulo, inspirada nos nova-iorquinos Privately Owned Public Spaces, os POPS, que são espaços públicos geridos em parcerias privadas. Esse mecanismo prevê ao desenvolvedor imobiliário o direito adicional de construção em troca da criação e garantia de infraestrutura de áreas de lazer de uso da população. A valorização do entorno imediato com a chegada de um novo parque também pode e deve ajudar a viabilizar a implementação desse precioso ativo urbano. Em Medellín, na Colômbia, para ficar em um caso célebre, o Parques del Río se vale desses instrumentos previstos em lei.

Independentemente do modelo adotado em um parque, é de extrema importância monitorar de perto tal equipamento. Esse é o objetivo do projeto Indicador de Qualidade de Parques Urbanos (IP), desenvolvido em parceria pela Fundação Aron Birmann e a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) da Prefeitura de São Paulo. Um estudo realizado em 2019 com 77 parques foi divulgado em março do ano passado (o Ibirapuera apareceu então no topo do ranking). Concebido pela arquiteta e urbanista Raquel Domingues, diretora da fundação – entidade que administra na capital paulista o Parque Burle Max –, o IP trabalha com um questionário avaliativo que leva em conta as seguintes categorias de desempenho: a) infraestrutura; b) manutenção e conservação de áreas sociais e naturais; c) segurança; e d) gestão e programação cultural e de lazer. A Birmann e a SVMA disponibilizaram um aplicativo para que a população avalie os equipamentos. O indicador terá duas versões: uma dos técnicos da Fundação e da Secretaria e outra dos visitantes dos parques.

Mover-se com base em dados e evidências quando está em jogo sobretudo o gasto público não é apenas um atestado de responsabilidade política e econômica – é também um dever ético. Os mandatos municipais conferidos nas eleições de novembro estão apenas começando. A despeito da crise sanitária que assola o planeta, todavia sem desviar a atenção de suas amargas lições, os prefeitos e vereadores têm quatro anos para reconhecer o papel primordial dos parques públicos, corrigir rumos e, desse modo, não deixar que os muitos planos e ideias de expansão desses equipamentos acabem secando – como as folhas das árvores em uma implacável estação.

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