Caravana carioca: Marcelo Castro (à esquerda), Alan Lopes, Rafael Satiê e o grupo de bolsonaristas que, em cinco ônibus, veio do Rio de Janeiro para a manifestação na Paulista, em São Paulo - Foto: Acervo pessoal
Sem máscara, sem vacina e sem cerimônia
Da elite paulistana à cartolagem carioca, uma amostra de quem compareceu à Avenida Paulista para apoiar Bolsonaro
“Sabe o que é organizar uma excursão para 220 tias do zap?” Entre o orgulho e a ironia, o carioca Rafael Satiê – especialista em marketing que mora na Zona Norte do Rio de Janeiro – descreve o que fez para demonstrar apoio ao presidente Jair Bolsonaro nas manifestações do Sete de Setembro. Em uma semana, ele e o amigo Marcelo Castro, marceneiro de São Gonçalo (RJ), conseguiram lotar cinco ônibus de bolsonaristas .“Poderíamos protestar em Copacabana, mas resolvemos ir para a Avenida Paulista. Afinal, as fotos que comprovam o sucesso de qualquer evento nacional são sempre tiradas em São Paulo”, explica Satiê.
Três ônibus saíram da Central do Brasil e se encontraram com os outros dois veículos, que recolheram passageiros em São Gonçalo e Niterói. Os valores do bate e volta oscilaram entre 135 e 155 reais. Os amigos dizem não ter lucrado nada com a iniciativa. Fretaram os ônibus por puro apreço às pautas de Bolsonaro. Eles reivindicam o impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, porque acreditam que o Brasil está vivendo uma “ditadura de juízes” e restringindo “a liberdade das pessoas”. “Eu mesmo enfrentei uma situação muito chata: o Instagram me bloqueou com o shadowban”, conta Satiê, que exibe um relógio dourado no braço esquerdo e uma tatuagem de crucifixo e coração no direito. Shadowban é o termo empregado por usuários que sentem que a plataforma está limitando o alcance de suas postagens. O Instagram, porém, não assume a existência da punição.
Nascido numa das famílias mais tradicionais de São Paulo, ligada à gastronomia e à hotelaria de luxo, o empresário Fabrizio Fasano Jr. também marcou presença na Paulista. “Vejo essa manifestação como a nossa última chance. O que está acontecendo com o sistema jurídico brasileiro não ocorre nem em ditaduras. O STF rasga a Constituição todos os dias.”
Apesar de habitarem mundos bem diferentes, os três bolsonaristas adotam a mesma postura em relação à pandemia: não usam máscara protetora nem pretendem se vacinar contra o coronavírus. Funcionário do departamento de marketing numa escola particular do Rio, Satiê perguntou à direção do colégio se seria obrigado a tomar o imunizante. Os chefes o deixaram livre para escolher. “Como prezo o meu emprego, eu me vacinaria caso exigissem.” Castro, por sua vez, afirma que nem ele nem a mulher se imunizaram, embora ambos respeitem os familiares que decidiram recorrer à proteção. Fasano Jr. é mais enfático: “Não vejo nenhum sentido em tomar a vacina. Se tomá-la, precisarei receber doses extras para sempre. Quanto às máscaras, até levo uma sempre comigo, mas faz meses que a mantenho no bolso.”
O empresário é o tipo de pessoa que, ao ser indagada sobre algo, responde com outra pergunta. “Organização Mundial da Saúde? Quem é a OMS? Eu conversei com a doutora Nise Yamaguchi no ano passado e ela me convenceu a adotar o tratamento precoce.” A oncologista defende o uso da cloroquina e de outros medicamentos para impedir o avanço da Covid-19. A estratégia é contestada pela OMS, que a considera ineficaz e perigosa, devido ao risco de provocar efeitos colaterais seriíssimos. Há três meses, Fasano Jr. acabou pegando a doença. “Tive apenas uma leve coriza durante dois dias. Por quê? Justamente porque fiz o tratamento precoce”, insiste.
Uma das intenções dos ativistas presentes na Paulista era apresentar para o mundo as razões que os levam a apoiar Bolsonaro. Daí os inúmeros cartazes, faixas e camisetas com dizeres em inglês, espanhol e francês. “Auditable vote now!”, alardeava um dos cartazes. “Bolsonaro is right: Supreme Court is out of law”, proclamava outro. Alusões ao PT e a Lula pipocavam em palavras de ordem surradíssimas, como “a nossa bandeira jamais será vermelha”. Os rostos de Moraes e Barroso assombravam a avenida em máscaras distribuídas gratuitamente, que ostentavam olhos arregalados e dentes de vampiro.
Longe da muvuca, mas perto da Paulista, o empresário do ramo de construção civil Joacir Thomaz, presidente do Gonçalense Futebol Clube, da série A2 do campeonato carioca, tirava um cochilo no bagageiro do ônibus que o trouxe a São Paulo. “Vim porque o país precisa andar para frente.” Ele diz estar “fechado com Bolsonaro” já que “os ministros do STF não deixam o presidente trabalhar”. Ressalta, porém, que não é a favor “da ditadura militar nem de nada que não seja democrático”. Thomaz chegou à avenida antes das seis da manhã e planejava voltar ainda hoje à noite para São Gonçalo. Diferentemente de outros bolsonaristas, usa máscara e tomou vacina. “Não tem cabimento não se vacinar.”
A também vacinada Betty Abrahão saiu de Campinas, no interior de São Paulo, por volta das 10h30 rumo à capital. Foi com uma amiga de infância. As duas deixaram o carro na casa de um parente e seguiram para a avenida. Elas negam qualquer intenção antidemocrática. “Eu sempre desfilei no Sete de Setembro e amo usar verde e amarelo. Essa data me traz boas lembranças”, conta Abrahão. Para a empresária, relações públicas e socialite, a culpa de a Paulista estar cheia é de Moraes, que abriu uma investigação contra o cantor Sérgio Reis depois de o artista ter atacado o STF num áudio que viralizou. “O Sérgio Reis não representa perigo nenhum e não precisava ser alvo da Polícia Federal. Na verdade, a perseguição a ele foi um atentado ao direito de se manifestar livremente. Mesmo assim, eu prego a paz. Sou contra invadir o STF porque não se ganha uma guerra com vinagre. Dá para conseguir a vitória de forma mais doce.”
Na véspera do protesto, Abrahão estava preocupada com um apagão, ainda que não o de energia elétrica, cada vez mais próximo. É que circulou pelos grupos bolsonaristas de WhatsApp que todas as redes sociais sairiam do ar no dia 7 para impedir a divulgação de posts que mostrassem o sucesso das manifestações. “Seria o fim do mundo!”, indigna-se a empresária. O obscurantismo digital até ocorreu, mas porque Bolsonaro assinou ontem uma medida provisória que limita a remoção de posts e perfis com mentiras e desinformações.
Ao longo do dia, a Avenida Paulista se viu tomada por pessoas de vários estados e de classes sociais diferentes. O badalado restaurante Spot teve fila de espera de duas horas. Quase todos os clientes vestiam a camiseta da Seleção e portavam bandeiras do Brasil.
O hotel Maksoud Plaza, nas imediações da Paulista, registrou três solicitações de uso de seu heliponto. Ali, cada pouso ou decolagem custa 600 reais. “Muitas pessoas nos ligaram querendo fretar voos para a manifestação. Mas, por causa do feriadão, não pudemos atender ninguém. Já estávamos com a agenda cheia. Boa parte dessas pessoas eram do Paraná e do Rio Grande do Sul”, afirma um operador da Air Jet Táxi Aéreo, que pediu para não ter sua identidade revelada.
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