Smurfs e Melancolia – solidão do flâneur
Quem faz cinema no Brasil e procura acompanhar a produção nacional, tendo mais interesse por documentários do que filmes de ficção, raramente tem a experiência de se sentir integrado à multidão. Muito menos uma multidão de mais de três milhões de espectadores até domingo passado, sem contar outros tantos pelo mundo afora que até o momento asseguraram aos produtores renda superior a 300 milhões de dólares.
Quem faz cinema no Brasil e procura acompanhar a produção nacional, tendo mais interesse por documentários do que filmes de ficção, raramente tem a experiência de se sentir integrado à multidão.
Muito menos uma multidão de mais de três milhões de espectadores até domingo passado, sem contar outros tantos pelo mundo afora que até o momento asseguraram aos produtores renda superior a 300 milhões de dólares.
O homem da multidão de Edgar Allan Poe, embora solitário como muitos cineastas brasileiros, “se nega a ficar sozinho”, não se afastando nunca do turbilhão das ruas. Mas, segundo Baudelaire, comentando o conto de Poe, “a multidão é o último refúgio para os abandonados. O é alguém abandonado na multidão. […] A intoxicação a que o se rende é a intoxicação da mercadoria em torno da qual se joga a corrente dos consumidores.”
Sendo assim, como bom solitário me refugiei na multidão há umas três semanas. A primeira novidade, ao comprar os ingressos para a sessão de sábado à tarde, foi descobrir que eram os três últimos bem localizados ainda disponíveis.
O programa tinha sido escolhido a dedo e devidamente aprovado por ele. Depois da pipoca regulamentar, dos óculos para a projeção 3-D e da almofada para ele ficar mais alto e enxergar a tela, começou a projeção do filme dublado em português. Com olho um nele para conferir se estava gostando, à medida que a história ia sendo contada descobri, para meu espanto, inesperada afinidade, ainda que de sinal trocado, entre Smurfs e Melancolia.
Nos dois filmes, o desfecho é determinado pelos astros. O evento raro de Smurfs é a aparição da lua azul – propiciadora do final feliz. Em Melancolia, a ameaçadora aproximação do planeta homônimo leva ao fim do mundo. Estranha coincidência faz os dois filmes, em tudo opostos, resolverem suas narrativas de modo semelhante.
Ainda no cinema, à medida que tentava traçar paralelos improváveis entre Lars von Trier e Raja Gosnell, fui sendo invadido por uma sensação de abandono, como a do de Baudelaire, terrivelmente solitário por ser, imagino, o único dos milhões de espectadores de Smurfs a ter visto também Melancolia.
Ele gostou do mundo encantado dos seres azuis, que assistiu com apenas um momento de desatenção para matar a sede. Eu saí do cinema com ele no colo, nem abandonado, nem solitário, e me refugiei do turbilhão das ruas intoxicado pela mercadoria “em torno da qual se joga a corrente dos consumidores”.
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